Apesar do recolher obrigatório a partir das 20 horas em vigor desde outubro devido à pandemia da Covid-19, centenas de tunisinos voltaram a sair às ruas na noite desta quarta-feira, 20 de janeiro, designadamente em Tunis e Sfax, para exigir a queda do governo e a libertação de cerca de mil pessoas detidas desde 15 de Janeiro, durante protestos nocturnos contra o governo, acusado de nada fazer para combater a pobreza gerada pela crise social e económica, provocada pela pandemia.
Na Tunísia a situação epidemiológica devido à pandemia da Covid-19, deteriorou-se gravemente nas últimas semanas e em seis dias cerca de mil pessoas foram detidas e/ou feridas em protestos, na sua maioria estudantes, entre os quais muitos são menores de idade.
Os confrontos entre a polícia e manifestantes começaram na sexta-feira, 15 de janeiro, um dia depois do décimo aniversário da queda de Zine el Abidine Ben Ali, escorraçado do poder pela multidão a 14 de janeiro de 2011, sendo que o mês de janeiro é desde então marcado por mobilizações sociais em toda a Tunísia.
Após três noites de confrontos em várias zonas marginalizadas de todo o país para exigir a queda do governo, o ministério do interior anunciou nesta segunda-feira, 18 de Janeiro, mais de 600 detenções, mas os protestos prosseguiram com registo de incidentes designadamente em Gafsa, Sidi Bouzid, Kasserine, Kairouan, Kef e nos arredores de Tunís, segundo a polícia, que avança 21 feridos no seio das forças da ordem.
Desconhece-se até ao momento o número exacto de detidos e de feridos entre os manifestantes, mas algumas famílias denunciam abusos durante as detenções.
Estes distúrbios ocorrem no momento em que o governo, em funções desde setembro, foi remodelado no passado sábado, 16 de janeiro, após intensas negociações e antes de um voto de confiança que deverá aprovar os novos ministros.
A 18 de janeiro, o Presidente Kaïs Saïed, eleito em 2019 designadamente com o apoio da juventude e que é muito crítico dos partidos com assento parlamentar, apelou na segunda-feira, 18 de janeiro, os jovens a não atacarem pessoas nem bens na sua defesa pelo “direito ao trabalho, à liberdade e à dignidade” retomando os slogans da Primavera Árabe de 2011.
Sinal das profundas tensões entre os diferentes círculos do poder, a presidência difundiu também a 18 de janeiro um vídeo, no qual se ouvem partidários do Presidente Kaïs Saïed, apelar à dissolução do parlamento, ultra fragmentado desde as eleições de 2019, divisões que paralisam o país, no momento em que a crise social aumenta exponencialmente e com ela o número de cidadãos tunisianos que partem ilegalmente para a Europa, sendo actualmente esta a principal nacionalidade dos que chegam às costas italianas.
Ira legítima, fome, desemprego e queda do PIB de 9% em 2021
O primeiro-ministro e ministro interino do interior Hichem Mechichi, garantiu nesta terça-feira, 19 de janeiro, compreender a “ira legítima” da população face à “crise real”, mas prometeu firmeza face à violência dos manifestantes, enquanto ontem no parlamento, vários deputados apelaram o governo a ouvir as reivindicações da juventude e propôr soluções em vez de uma gestão repressiva da crise.
A 14 de Janeiro, para assinalar a queda de Ben li e numa tentativa de apaziguar os ânimos, o Presidente Kaïs Saïed concedeu um indulto a 919 presos, sendo que 154 foram libertados e os restantes viram as suas penas reduzidas.
A pandemia da Covid-19 alastrou vertiginosamente nas últimas semanas na Tunísia, com registo de dezenas de óbitos e entre 2.000 a 3.000 casos confirmados por dia, os hospitais estão exangues, dezenas de milhares de pessoas estão desempregadas, designadamente no sector chave do turismo, o que fez mergulhar na pobreza e no o desespero inúmeras famílias.