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    Nepotismo na UNITA

    Há um debate acalorado nas redes sociais à volta de alegações de nepotismo na UNITA. Estas resultaram de desavenças relacionadas com a eleição de Helena Mbonguela Abel como presidente da LIMA, braço feminino da UNITA.

    Helena Mbonguela é mãe do deputado Adriano Sapiñala e o seu pai é o histórico general Samuel Chiwale, que também é deputado. Para uns, pai, mãe e filho sendo deputados do mesmo partido é uma prova incontestável de nepotismo. Estamos a ver rajadas de aspersões a serem dirigidas a estes deputados da UNITA e acusações irrestritas de hipocrisia. Claro, neste ar tão clangoroso são poucos, que estão prontos a ouvir a razão.

    O nepotismo significa, especialmente, a ascensão de alguém numa organização na base dos seus laços familiares e não na base das suas habilidades. Samuel Chiwale, Helena Mbonguela e Adriano Sapiñala representam três fases distintas da UNITA.

    A UNITA surgiu numa rede de famílias do Leste de Angola e, até um certo ponto, do Planalto Central. A primeira reunião magna da UNITA, cerca de 1965, foi em casa do velho Royal Kanguende, em Lusaka. O então jovem Jonas Malheiro Savimbi, recém saído da UPA, tentava vender a estas famílias o que seria o projecto UNITA. Logo, a UNITA passou a ser sustentada por famílias do Leste de Angola — os Chata, Njolomba etc. O comandante Samuel Chiwale, na altura com ligações muito fortes com a SWAPO, andava entre famílias interligadas. A primeira esposa do velho Chiwale, a Mana Marta, foi filha do tio Chinyama, que esteve no primeiro ataque armado da UNITA na então Teixeira de Sousa. A UNITA expande-se e entra a família Chingunji — uns acabam nas matas, outros são presos pelo sistema colonial português, como o patriarca, o velho Jonatão, que acabou no Tarrafal.

    Mesmo naquela altura, havia um esforço tremendo de expandir o partido para o resto da nação. Miguel Nzau Puna, José Ndele, Tony da Costa Fernandes, oriundos de Cabinda, passaram a ter posições de relevo no partido. Outras figuras do Norte, como o engenheiro Ernesto Mulato, ou o doutor Kashaka Vakulukuta, de etnia Kwanhyama, passaram para o executivo do movimento, já que a ambição foi sempre implantar-se em todas áreas do país.

    Em 1976, a UNITA estava completamente de rastos. A história de como a UNITA sobreviveu àquela época ainda não foi bem escrita. O que certamente salvou a UNITA foi a qualidade dos quadros que o movimento encontrou no Planalto Central depois de ter saído das matas em 1974. Naquele momento, os laços familiares passaram a contar muito. Waldemar Pires Chindondo, na altura chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da UNITA, tinha sido um oficial no exército português, ele era uma referência, já que pertencia a uma das grandes famílias do Planalto vindas da Missão do Dondi. Sim, muitos foram para as matas — mas há, também, quem prontificou-se a ir porque é la onde estava o mano Waldemar ou, no caso do Bié, onde estava o mano Nogueira Kajundu, filho de uma das famílias nobres do reinado.

    Helena Mbonguela foi para as matas naquela altura, ela pertencia, à JURA, o braço da juventude da UNITA. Quando se fala do imenso sacrifício que a juventude de então teve que fazer para a sobrevivência da UNITA, o nome de Helena Mbonguela surge sempre. Nas suas memórias, o engenheiro Mulato, que conta das dificuldades que passou depois de se ter perdido nas matas do Leste, fala da jovem Helena Mbonguela. Esta não é uma figura que veio do nada.

    Depois de 2003, Adriano Sapiñala passou a ser um líder da juventude nas áreas urbanas, que também não parava de visitar as áreas rurais. Ele ascendeu na JURA, foi presidente do órgão, e depois transferido como secretário do partido no Cuando Cubango — uma tarefa que exigiu dele muito sacrifício. Pai, mãe e filho acabaram no Parlamento porque fizeram parte da lista dos candidatos e porque participaram, dando tudo que podiam, para o seu partido. Vê-se gente que nunca sairia das suas cadeiras de braços a pontificar com muita veemência que a presença destes três parentes do Parlamento é uma aberração. Outros vão fazendo referências às benesses que vêm do posto de deputado e insistindo que não é justo que membros da mesma família usufruam delas.

    O velho Chiwale representa uma faixa significativa na UNITA — que o Aldalberto Costa Júnior o diga. Eu próprio já vi, num comício, o velho Chiwale a falar, também já vi uma longuíssima fila de pessoas que queriam manifestar as suas ansiedades a ele. Eu já vi a deputada Helena Mbonguela, empoeirada e cheia de fome, a organizar senhoras da LIMA no interior. Até nunca vi ela andando num Lexus, que está a dar tanto que falar. A última vez que me encontrei com Adriano Sapiñala foi numa lavra, nas áreas do Chiumbo.

    Pode-se mesmo dizer que a política é uma vocação que corre nas famílias. Nos Estados Unidos há os Gore, Bush, Kennedy, Clinton etc. Pode-se, também, dizer que a vocação de servir corre nas famílias. Em todo caso, a UNITA está a evoluir para uma fase onde a confiança que era assegurada por laços familiares vai ser cada vez menos importante para a sua sobrevivência. O critério passará, cada vez mais, a ser a militância. Os futuros líderes da UNITA são aqueles jovens que agora vão se dedicando às actividades do partido. Nem todos são parentes.

    Sousa Jamba | JA

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    FonteJA

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