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    Benfica arrisca mesmo suspensão da 1.ª Liga?

    Saiba tudo o que as instâncias desportivas podem fazer para investigarem possíveis sanções disciplinares do Benfica no caso e-toupeira. Caso Apito Dourado pode servir de referência.

    Luís Filipe Vieira diz que a Sport Lisboa e Benfica, Sociedade Anónima Desportiva (SAD) nada tem a ver com o caso e-toupeira, mas certo é que, além da acusação criminal que foi deduzida esta terça-feira contra a SAD e o director jurídico Paulo Gonçalves, o clube da Luz também não se livra de uma investigação disciplinar. O inquérito foi aberto esta quarta-feira pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol e a investigação será feita pela Comissão de Instrutores da Liga de Clubes.
    O Benfica pode mesmo ser suspenso das competições profissionais de futebol?

    Esta é a pergunta que todos os adeptos de futebol fazem. A resposta é positiva, mas sujeita a várias condições. Mas vamos por partes.

    Para começar, o Ministério Público enviou uma cópia do despacho de acusação para a Federação Portuguesa de Futebol e para a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, “para efeitos tidos por convenientes”. Ou seja, para que estes organismos consigam perceber os crimes que estão em cima da mesa: um de corrupção activa, outro de oferta indevida e 28 crimes de falsidade informática em concurso aparente com acesso ilegítimo e burla informática.

    No entanto, as consequências desportivas que a SAD poderá sofrer só poderão existir de duas formas:

    Depois de transitada em julgado uma condenação criminal no caso e-toupeira da Benfica SAD, pelo crime de oferta indevida e pela pena acessória de “suspensão de participação em competição desportiva por um período de 6 meses a 3 anos” além da “privação do direito a subsídios, subvenções ou incentivos outorgados pelo Estado, regiões autónomas, autarquias locais e demais pessoas colectivas públicas por um período de 1 a 5 anos”, como pede o Ministério Público
    Ou depois de uma eventual condenação desportiva por parte dos órgãos disciplinares da Liga de Clubes, confirmada pelos órgãos de recurso da Federação Portuguesa de Futebol. E essa condenação desportiva pode passar por uma descida de divisão.

    O que pode a Liga de Clubes investigar?

    A Comissão de Instrutores da Liga de Clubes, como escrevemos acima, vai receber formalmente o despacho de acusação do caso e-toupeira por iniciativa do DIAP de Lisboa. Mas mas pode também solicitar-lhe toda a prova existente no processo para avaliação e classificação disciplinar da mesma. Ou seja, pode requerer o envio de toda a prova documental e testemunhal recolhida. Pode até pedir o envio de todas as escutas telefónicas realizadas aos arguidos no processo.

    E não seria a primeira vez que isso acontecia. Fê-lo em 2007, a propósito do processo Apito Dourado. À data, ao contrário do e-toupeira, o caso estava ainda em segredo de justiça, mas Ricardo Costa, então presidente da Comissão Disciplinar da Liga de Clubes, pediu formalmente o acesso a todas as peças processuais relativas a indícios de corrupção no futebol profissional para apurar eventuais infracções disciplinares. E a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado, então titular da coordenação das mais de 50 certidões do Apito Dourado, cedeu. O “Código de Processo Penal permite ao Ministério Público extrair certidão de processos que estejam em segredo de justiça, se estiver em causa o exercício de um poder público disciplinar, como é o caso”, afirmou então ao semanário Sol.

    Na altura estavam em causa suspeitas criminais contra dirigentes de pelo menos cinco clubes da Liga, como Pinto da Costa (FC Porto), João Loureiro (Boavista), João Bartolomeu (União de Leiria), Aprígio Santos (Naval 1º de Maio) e Rui Alves (Nacional). 11 dos 25 árbitros da primeira categoria estavam igualmente sob suspeita. No âmbito do chamado “Apito Final”, Boavista veio a descer de divisão e o Futebol Clube do Porto também foi sancionado com perdas de pontos pela Comissão Disciplinar da Liga mas não perdeu o título de campeão nacional. Entre 2014 e 2017, as decisões do Apito Final foram anuladas pelos tribunais administrativos e pelo Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol.

    Por outro lado, caso a Comissão de Instrutores da Liga entenda que não deve solicitar prova ao DIAP de Lisboa, poderá fazer as suas próprias diligências com base no despacho de acusação do DIAP de Lisboa.
    O que está em causa no caso e-toupeira são decisões desportivas ou judiciais?

    O Benfica sempre alegou que o que estava em causa eram questões eminentemente judiciais — e não corrupção desportiva ou manipulação de resultados. É um facto que assim é.

    O problema é que o DIAP de Lisboa considera que a Benfica SAD, através do seu director jurídico Paulo Gonçalves, construiu um sistema de informações com três objectivos essenciais:

    Acesso indevido a informação em segredo de justiça sobre processos que envolviam o Benfica como suspeito de corrupção desportiva para iludirem as investigações “ao terem conhecimento antecipado de diligências e actos processuais” que terão permitido a “dissipação antecipada de prova”;
    Mas também a recolha de “informações antecipadas e privilegiadas, contactos ou informações pessoais” para a “obtenção de benefício inerente às funções ligadas às arbitragem”. Existindo mesmo indícios de que Paulo Gonçalves e a Benfica SAD terão dado alegadas contrapartidas ao observador Júlio Loureiro (acusado de corrupção e de outros crimes) para a recolha de informação privilegiada;
    E a recolha de informações reservadas ou antecipadas sobre “clubes e elementos de clubes adversários” que alegadamente terão tido uso desportivo.

    No caso destas últimas duas situações, estamos perante situações do foro desportivo.

    E por isso o DIAP de Lisboa requer que o Benfica seja condenado a uma pena acessória por “comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva”.

    Quais sãos os exemplos de utilização de informação no campo desportivo?

    4 de Agosto de 2017. Paulo Gonçalves, braço-direito de Luís Filipe Vieira no Benfica, recebe uma chamada no seu sempre activo telefone às 10h24m. Do outro lado da linha estava Júlio Loureiro, funcionário judicial do Tribunal de Fafe e, mais importante do que tudo, um ‘homem do futebol’. Diligente, Loureiro queria informar Gonçalves sobre a publicação dos observadores dos árbitros da 1.ª e da 2.ª Liga — os representantes da Federação Portuguesa de Futebol ou da Liga de Clubes que classificam as actuações dos árbitros — para a época 2017/2018.

    Havia, contudo, um tema específico que tinha levado à chamada de Júlio Loureiro. O ‘tema’ chamava-se Hernâni Fernandes — um observador que não tinha transitado da lista do ano transacto. Porquê? “Iria trabalhar para o Sporting Clube de Portugal”, informou Loureiro a Gonçalves, segundo o despacho de acusação do caso e-toupeira a que o Observador teve acesso.

    Entre 1 de Novembro de 2017 e 6 de Março de 2018, Paulo Gonçalves terá solicitado “uma pessoa não identificada a pesquisa nas bases de dados da Segurança Social de elementos referentes a dois colaboradores do Sporting Clube de Portugal”, sendo um deles Hernâni Fernandes. De acordo com a acusação do Ministério Público, guardou esses elementos numa pasta do seu gabinete, onde já tinha arquivado informação sobre um processo judicial que envolvia o mesmo Hernâni Fernandes.

    Avancemos quatro meses. São 10h22m de 5 de Dezembro de 2017 e José Silva prepara-se para aceder ao sistema informático CITIUS com as credenciais de uma funcionária do Tribunal de Fafe para pesquisar na base de dados dos tribunais portugueses todos os dados pessoais existentes sobre nove pessoas ligadas ao mundo da arbitragem portuguesa. Entre árbitros, fiscais-de-linha e dirigentes da arbitragem, Silva vai saber os nomes completos, os números do Cartão de Cidadão, de contribuinte, de segurança social, assim como o nome da entidade patronal, os salários e o valor da pensão. Ao contrário de Júlio Loureiro, José Silva não é um homem do futebol mas é um homem dos computadores que, enquanto funcionário informático do Instituto de Gestão Financeira da Justiça, terá utilizado as passwords e os computadores de outros funcionários e magistrados para aceder a todo o tipo de informação que Paulo Gonçalves desejava.

    Estes são apenas dois exemplos entre muitos outros que, no entender do Ministério Público, demonstram como o Benfica construiu, através de Júlio Loureiro e de José Silva, um sistema de informações sobre a arbitragem para a “obtenção de benefício inerente às funções ligadas à arbitragem, designadamente informações antecipadas e privilegiadas, contactos ou informações pessoais”.

    Por outro lado, e através de mais de 600 acessos ilícitos de José Silva ao conteúdo de 26 processos criminais (em segredo e justiça) e de outras jurisdições, o Benfica terá conseguido:

    “O acesso indevido a informação confidencial de investigações criminais” para “conhecimento antecipado de diligências e actos processuais”;
    “Tudo para favorecerem o Benfica e os seus elementos” visados em investigações criminais em curso” mas também com “o propósito de evitar que o clube e Paulo Gonçalves fosse acusados, julgados e condenados numa pena, permitindo a destruição ou ocultação de prova”, lê-se no despacho de acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa.

    Como contrapartida pelas informações que transmitiram, José Silva e Júlio Loureiro terão recebido bilhetes para jogos da I Liga e da Liga dos Campões, assim como camisolas e outro tipo de merchandising.

    José Silva, o homem que deu origem ao nome do caso (e-toupeira) terá recebido contrapartidas avaliadas em mais de 2.750 euros através da entrega de um total de 56 bilhetes para jogos de futebol no Estádio da Luz e diversas camisolas do Benfica. Silva continua detido preventivamente e o procurador Valter Alves, titular dos autos, solicitou ao juiz de instrução criminal que assim continue até ao julgamento.
    Uma condenação desportiva será mais rápida do que uma possível condenação judicial?

    O inquérito disciplinar, pelo menos, poderá ser mais rápido do que o processo judicial porque está sujeito a obrigações processuais menos exigentes. Mas as duas hipóteses acima referidas (a possível condenação desportiva ou judicial) ainda têm caminho longo para percorrer.

    No campo criminal, teremos de esperar para ver se a Benfica SAD e os restantes arguidos vão requerer a abertura de instrução para contestar a acusação do DIAP de Lisboa conhecida esta quarta-feira. Ou seja, se vão pedir a um juiz de instrução que decida se o caso deve ir ou não a julgamento.

    Se o juiz de instrução decidir pronunciar Paulo Gonçalves e a Benfica SAD (os dois têm um destino interligado do ponto de vista processual), então seguir-se-á um julgamento criminal na primeira instância, com os arguidos condenados a terem ainda direito a recursos para os tribunais superiores. O que se pode arrastar durante alguns anos.

    Em termos desportivos, a Federação Portuguesa de Futebol já deu o pontapé de saída esta quarta-feira com a abertura de um inquérito disciplinar “no âmbito das competições desportivas” e com “base em comunicado de autoridade judiciária e notícias na comunicação social”, lê-se num comunicado emitido pelo Conselho de Disciplina. Os autos vão agora ser remetidos à Comissão de Instrutores da Liga para posterior investigação dos factos disciplinares aqui em causa. (0bservador)

    por Luís Rosa

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