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    A Riqueza das Nações II – Foco no Capital Humano em Angola

    Na crónica anterior sobre a Riqueza das Nações escrevemos que “o capital humano, fundamentalmente consubstanciado na educação, formação e saúde, é o grande motor do desenvolvimento”.

    Hoje, debruçamo-nos sobre o capital humano em Angola, analisado do ponto de vista da educação e dos desafios que o país tem pela frente para impulsionar o desenvolvimento sustentável.

    O tema não é novo.

    Muito se tem escrito sobre a situação da educação em Angola. Sabemos que a situação é extremamente preocupante, principalmente no ensino primário, onde existem cerca de 9 milhões de crianças em idade escolar de ambos os sexos. Dessas 9 milhões de crianças, mais de metade está fora da escola ou não concluirá o ensino primário.

    O tema é politicamente delicado.

    Muitas vezes serve de arma contra o adversário, sem que se anteveja vontade para um debate sério e colectivo, envolvendo as instituições políticas e a sociedade, para que se encontrem soluções.

    Mas não podemos ignorá-lo. Senão vejamos.

    Angola participou no dia 25 de Setembro de 2015 na Cimeira das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Nova Iorque, tendo a Cimeira aprovado por unanimidade pelos 193 Estados Membros das Nações Unidas, a resolução “Transformar o Nosso Mundo: Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.

    A Agenda assenta em 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, bastante ambiciosos, tendo em conta o horizonte de 2030, mas que constituem um quadro de referência para a comunidade internacional poder avaliar os esforços que cada país deve realizar.

    O Objetivo 4 concentra-se na educação para garantir uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.

    Na altura, os dados oficiais apresentados pelo governo sobre a educação indicavam que Angola estava, em 2015, muito longe das metas do Objectivo 4 no horizonte 2030 e que a educação seria, por isso, um dos maiores desafios assumidos pelo Governo no âmbito da Agenda 2030.

    Ao nos aproximarmos de 2030, as informações que recebemos indicam que ainda estamos longe de atingir as metas do Objetivo 4 sobre a educação. Segundo algumas fontes, é até provável que tenhamos recuado.

    Um estudo do FMI publicado em março de 2023 mostra um quadro sombrio da situação. O estudo classifica a despesa pública em capital humano (educação e saúde) em Angola como baixa e ineficiente.

    Segundo o FMI, Angola teria de multiplicar os gastos com educação em 4,3 em relação ao PIB para passar de 2,5% em 2020 para 10,8% do PIB em 2030, para atingir as metas do Objetivo 4 em 2030. Isto é praticamente irrealizável num curto prazo de 10 anos. Para referência, a média dos países da Africa Subsaariana gasta o dobro em educação em relação ao PIB, ou seja 5.7%.

    No cenário de referência, sem grandes alterações nas políticas públicas, o FMI conclui que Angola não atingirá os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2052, sendo a Educação o indicador mais improvável de atingir a meta.
    Este quadro reflecte-se nas dificuldades que Angola enfrenta no processo de graduação em curso de País Menos Desenvolvido (PMD) a País de Rendimento Médio (PRM) das Nações Unidas (ver artigo “Angola: O longo processo de graduação de PMD a PRM” publicado no Portal de Angola). Angola ainda faz parte do último reduto de 46 países considerados PMD pelas Nações Unidas, embora o rendimento bruto médio per capita de USD 3207 seja mais do dobro do limiar de graduação de USD 1222. A razão das dificuldades é que Angola não cumpre os outros dois critérios sobre capital humano e vulnerabilidade econômica e ambiental.

    Enquanto membro do grupo dos Países Menos Desenvolvidos, Angola beneficia das medidas de apoio internacional associadas ao estatuto de PMD em termos de preferências comerciais, assistência oficial ao desenvolvimento e alívio da dívida.
    Mas o que importa realmente é a imagem que o país quer passar para o exterior. Angola está no grupo errado se pretende projectar a imagem de um país emergente, dinâmico e com grandes oportunidades de desenvolvimento.

    Hoje, a esmagadora maioria do investimento estrangeiro que Angola atrai vai para o petróleo e o gás. Poucos apostam na expectativa de um futuro próspero para os angolanos que dinamize o mercado nacional. A tão desejada diversificação da estrutura económica do país deve assentar neste pressuposto.

    A fragilidade do capital humano é para nós o factor que mais pesa no crescimento económico e na diversificação da economia angolana.

    O Banco Mundial desenvolveu uma metodologia para calcular um Índice de Capital Humano por país. O índice foi lançado em outubro de 2018 e actualizado em meados de setembro de 2020. O Índice de Capital Humano quantifica a contribuição da saúde e da educação para a produtividade da próxima geração de trabalhadores. O índice é uma medida resumida da quantidade de capital humano que uma criança nascida hoje pode esperar adquirir até os 18 anos, dados os riscos de problemas de saúde e educação que prevalecem no país onde vivem. De acordo com o Banco Mundial, o Índice pode ser vinculado diretamente a cenários para avaliar o rendimento futuro dos países e também dos trabalhadores.

    Num grupo de 157 países, Angola está entre os últimos 11 países com menor Índice de Capital Humano. O valor do Índice para Angola é de 0,36. Isso indica que o potencial de produtividade futura de uma criança nascida hoje será de apenas 36% do que poderia ser com educação completa (14 anos de ensino primário e secundário) e plena saúde (expectativa de vida de 60 anos e ausência de atrofia). Visto de outra forma, os potenciais retornos futuros que o país poderia alcançar melhorando o capital humano poderiam aumentar o PIB futuro por trabalhador em mais de duas vezes (2,7).

    A maioria dos modelos de crescimento económico assenta no pressuposto de que a mão-de-obra é abundante e que a escassez de capital físico é o principal obstáculo ao crescimento económico, daí a necessidade de atrair investimento estrangeiro. Mas se olharmos pelo prisma do capital humano, concluímos que a mão-de-obra qualificada é extremamente rara em Angola. Isto obriga-nos a rever o modelo de crescimento económico para Angola.

    Habituamo-nos a pensar Angola no condicional pelas riquezas naturais que possui e pelo potencial de desenvolvimento que poderia ter. Mas, temos de nos habituar a repensar Angola no presente pelos recursos humanos que tem e pelo desenvolvimento sustentável que pode alcançar. Desenvolveremos esta tese nas próximas crónicas sob o tema “A Riqueza das Nações” olhando para vários aspectos da economia angolana.

    Por José Correia Nunes*
    *Director Executivo Portal de Angola

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