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    Angola: O longo processo de graduação de PMD a PRM

    A recente 5a Conferência dos Países Menos Desenvolvidos realizada em Doha entre 5 e 9 de Março últimos, em que Angola esteve representada pela Vice-Presidente de Angola, Esperança Costa, debateu programas de ação para ajudar os Países Menos Desenvolvidos (PMD) sob o título de “Do potencial à Prosperidade”.

    Como referido no artigo da redação do dia 8 de Março, “a Vice-Presidente reafirmou o compromisso das autoridades em trabalhar para o alcance de uma graduação, nos próximos tempos, atingindo todos os critérios constantes do Plano de Ação de Doha para uma transição segura”.

    Este compromisso assumido no quadro das Nações Unidas por Angola a um alto nível, no sentido de Angola alcançar uma graduação da categoria de PMD para a de Pais de Rendimento Medio (PRM) é muito relevante e merece apoio ao mesmo tempo que suscita interrogações sobre qual a estratégia que Angola intende seguir para atingir todos os critérios e quando pensa que essa graduação poderá ser alcançada.

    Para que um país se possa “graduar”, isto é, sair da categoria de PMD passando a integrar a categoria de PRM, as Nações Unidas requerem que sejam observadas algumas condições e isto ao longo de dois triénios consecutivos:

    • Ou satisfizer a 2 dos 3 critérios seguintes: nível de rendimento, recursos humanos e vulnerabilidade económica e
    ambiental;
    • Ou ter alcançado um nível de rendimento per capita duas vezes superior ao nível de rendimento mínimo exigido para a
    graduação.

    Conforme consta dos documentos das Nações Unidas do início de 2022, o rendimento mínimo exigido para a graduação foi fixado em 2021 em 1.222 USD e, por conseguinte, uma graduação apenas com base na segunda condição (isto é um nível rendimento per capita igual ou superior ao dobro do limiar, ou seja 2.444 USD) poderia ser o caminho mais fácil para Angola como veremos mais abaixo.

    Todavia, embora as Nações Unidas estimem o rendimento nacional bruto de Angola per capita em 3.207 USD em 2021, elas expressaram duvidas sobre a capacidade de Angola de manter esse indicador a um nível superior ao limiar nos próximos anos, devido a forte dependência da economia angolana às fluctuações do preço do petróleo. Estas reservas poderão assim ser um obstáculo importante à desejada graduação.

    É relevante mencionar que as Nações Unidas estimam que Angola não satisfaz a primeira condição, uma vez que para além do critério do nível de rendimento nacional, Angola não preenche os critérios de recursos humanos e vulnerabilidade económica e ambiental.

    No critério dos recursos humanos, o calor do Index calculado para Angola é de apenas 52, quando o limiar é fixado em 66 para graduação. Angola ainda precisa de melhorar indicadores em várias áreas da educação e saúde como, por exemplo, a taxa de mortalidade entre crianças com menos de 5 anos, prevalência da malnutrição, taxa de mortalidade materna, taxa de literacia da população adulta e paridade de género no acesso ao ensino secundário.

    Do mesmo modo, no critério relativo à vulnerabilidade económica e ambiental, Angola não atinge o limiar requerido para a graduação, com um valor calculado de 45 quando a graduação requer menos de 32 (um valor menor traduzindo um menor nível de vulnerabilidades). A baixa diversificação das exportações de Angola é um dos fatores que penaliza a pontuação neste critério, mas a instabilidade potencial da produção agrícola é um outro fator a precisar de fortes apoios das políticas públicas na medida em que ambos representam riscos importantes de vulnerabilidade económica com impacto potencial quer nos grandes agregados económicos (redução do valor de exportações de matérias-primas e redução do fluxo de divisas externas) quer aumentando as dificuldades de aquisição de bens e serviços por parte das populações.

    A graduação de Angola segue um longo percurso de preparação e foi objeto de várias resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas desde 2004, tendo uma resolução de 2016 estabelecido um período de 5 anos de transição para que o país se pudesse preparar continuando a beneficiar da categoria de país menos desenvolvido e das vantagens conexas sendo acompanhado por parceiros de desenvolvimento com ferramentas apropriadas de apoio.

    Os documentos mais recentes das Nações Unidas indicam que a graduação de Angola poderia ser considerada já no início do próximo ano – a data de 12 de Fevereiro de 2024 aparece mencionada num texto. Apesar do processo de graduação estar a ser bastante longo, Angola poderá ter de ponderar, se poderá ultrapassar a curto prazo as dúvidas das Nações Unidas ou se deverá antes dar-se o tempo necessário para preparar uma evolução positiva dos vários critérios que guiam a decisão de graduação, isto porque há exemplos de países propostos para graduação pelas instâncias técnicas que viram essa proposta ser rejeitada pelas instâncias superiores das Nações Unidas.

    Segundo a tipologia das Nações Unidas o processo de “graduação” de um país menos desenvolvido requer uma estratégia de transição que pode receber o apoio das próprias Nações Unidas e restantes parceiros de desenvolvimento e comerciais. No caso angolano, o governo informou que o escritório da Coordenadora Residente das Nações Unidas e a assistência técnica da União Europeia estão a apoiar o governo na preparação de uma Estratégia Nacional de Transição Suave. O objetivo deste tipo de estratégias é que os esforços de desenvolvimento sustentável, no caso, de Angola não sejam prejudicados pelas eventuais perdas de medidas de apoio previstas para Países Menos Desenvolvidos que a graduação poderá implicar e que se poderão materializar por exemplo em perdas de preferências e facilidades no acesso a mercados de exportação de produtos angolanos e a certas ajudas para o desenvolvimento destinadas às populações.

    Uma graduação próxima ofereceria a Angola uma visibilidade importante no quadro do fórum prestigiante das Nações Unidas. Mas o verdadeiro sucesso seria bem maior se esta oportunidade não se limitar apenas à celebração deste sucesso, mas antes propiciar redobrados esforços via a mobilização de todas as entidades publicas, da sociedade civil e do sector privado angolanos para melhorar os indicadores dos critérios de recursos humanos e de vulnerabilidade económica e ambiental que serão sempre os fatores decisivos para o desenvolvimento sustentável de qualquer país.

    João Barbedo*
    *Coordenador para a área do Desenvolvimento Sustentável
    Portal de Angola

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