O jornalista Rafael Marques, que durante os últimos anos denunciou actos de corrupção e desvios de fundos públicos, defendeu, ontem, na cidade do Lubango, província da Huíla, mais transparência na divulgação de informações sobre os capitais recuperados a favor do Estado angolano.
Rafael Marques, que falava à margem do encontro sobre “Cidadania e segurança pública”, promovido pelo Centro de Estudo para Boa Governação (UFOLO), afirmou que “não está satisfeito com o processo de recuperação de capitais, pela falta de transparência sobre os montantes recuperados até agora”.
Referiu que a sua insatisfação tem duas razões de ser: “Não estou satisfeito, primeiro porque não há um anúncio claro sobre quanto já foi recuperado até agora em termos de valores; segundo, nenhum cidadão deve estar satisfeito quando temos uma crise económica e a fome no seio das famílias”. “Só vamos ficar satisfeitos quando virmos resultados deste processo a garantir mais empregos aos jovens e mais comida na mesa das famílias”, argumentou.
O também activista de Direitos Humanos disse, ainda, que “não é a detenção ou o julgamento de um ou outro cidadão acusado de pilhagem que satisfaz os anseios dos cidadãos”, porque “a verdadeira justiça, em última instância, assenta no bem-estar dos angolanos”.
Para Rafael Marques, “estamos muito longe de alcançar este desiderato”. O jornalista mantém a expectativa de maior abordagem, a nível da sociedade, sobre “a melhor forma de recuperar os activos e de transformar a fortuna acumulada, de forma primitiva em riqueza útil para o país, porque os processos judiciais podem demorar muitos anos”.
Sugeriu que deve haver, da parte do Governo, uma política clara e de diálogo com os responsáveis suspeitos de desvios de fundos públicos e pensar como este dinheiro pode chegar ao país.
“Deve haver medidas políticas para sermos mais céleres. Hoje o poder está limitado pelo calendário eleitoral. Em 2022, o Presidente João Lourenço cumpre o mandato e deve apresentar resultados. Então, temos que criar mecanismos mais expeditos para recuperar e colocar estas fortunas ao serviço do bem-estar social”, defendeu.
O activista negou ter sido comprado para afrouxar o ímpeto de denúncias de casos de má governação e desvios de fundos, após o encontro com o Presidente da República, João Lourenço.
Rafael Marques disse que houve, a partir de finais de 2017, “um travão porque há muito pouco dinheiro para pilhar”, impulsionado pela política de combate à corrupção, assumida pelo actual Presidente da República.
“Não afrouxei, não estamos acomodados, como a sociedade diz. Nunca, em momento algum, fui visto como alguém que estava a fazer o trabalho certo. Os mesmos que diziam ser homem da CIA, antipatriota e ao serviço de interesses externos, hoje dizem que o Rafael Marques está vendido a João Lourenço”, afirmou.
À pergunta sobre se teria se vendera à nova governação, o jornalista quis saber quanto é que João Lourenço pagou, pois “estou a precisar e, como cidadão, também tenho dificuldades financeiras”.
Rafael Marques alertou que a corrupção continua, porque a estrutura governativa é, mais ou menos, a mesma, apenas mudou o Presidente da República.
Ainda assim, reconheceu que o momento é diferente e exige adaptação e uso da inteligência para haver boa governação e uma administração pública ao serviço do interesse dos cidadãos.
“Devemos aproveitar este momento de forma inteligente e reflectir como podemos nos adaptar à nova situação”, defendeu o activista de Direitos Humanos.
Bom senso no exercício do direito à manifestação
O bom senso deve prevalecer entre o direito à manifestação consagrado na Constituição da República e o momento de pandemia que o país e o mundo enfrentam, defendeu, ontem, no Lubango, o jornalista Rafael Marques.
Ao falar como presidente do Centro de Estudo para a Boa Governação (UFOLO), o activista em Direitos Humanos afirmou, num encontro com 55 jovens manifestantes da província da Huíla, que a Constituição da República estabelece quando os direitos dos cidadãos devem ser restringidos.
O jornalista acrescentou que, neste momento que o país vive com a pandemia, deve haver bom senso. Por isso, disse ser fundamental pensar como organizar espaços adequados de diálogo para os cidadãos exercerem direitos sem afectar a saúde pública, devido aos ajuntamentos.
“Isto é uma questão de bom senso. Não é uma questão de legislação porque a Constituição é clara. Estamos numa Situação de Calamidade Pública em que se podem limitar os direitos dos cidadãos. Então, é uma questão de bom senso, pois o manifestante está, também, preocupado com a sua saúde e dos seus. Aqui o diálogo e o bom senso devem ser o ponto de equilíbrio”, insistiu.
Plataformas de diálogo
Rafael Marques defendeu “a criação de plataformas de diálogo construtivos que permitam, aos cidadãos, colocar questões de forma livre e soberana, reivindicar direitos e da parte dos governantes encontrar a resposta adequada”.
Disse que as plataformas de diálogo permitem criar mecanismos de prevenção de conflitos e promovem um ambiente favorável para a solidariedade e o entendimento sobre os direitos e deveres que devem ser protegidos e respeitados pelo Governo, pelas forças da ordem e pelos cidadãos.
Rafael Marques sublinhou que o diálogo é importante, neste momento, porque Angola vive uma crise económica que preocupa os cidadãos, seja por falta de emprego, seja por dificuldade de muitas famílias em alimentarem-se.
“Temos uma oportunidade histórica de transformar o país num espaço em que os cidadãos tenham esperança, confiança e participação na construção do Estado”, disse.
Polícia elogia encontro
O comandante provincial da Polícia Nacional, comissário Divaldo Martins, destacou que encontro permitiu a aproximação, esclarecimentos e compreensão sobre o direito de manifestação.
Divaldo Martins deixou claro que a Polícia não faz detenções arbitrárias. “Só há detenção quando há um comportamento ilícito no seio dos manifestantes”, esclareceu o comandante, para quem “nem sempre o uso da força representa uma actuação violenta”.
O Centro de Estudos para a Boa Governação (UFOLO), fundado, no ano passado, tem o objectivo de garantir que haja, da parte da sociedade, esforço concertado para o exercício da boa governação.