Acho oca a expressão “país dividido” que se espalhou para “explicar” o cenário pós-eleitoral. A começar porque a ideia parte da premissa de que a “nação” pode ser UMA. Como se existisse uma síntese nacional, um TODO com o qual todos os brasileiros pudessem se identificar, sem distinções ou “divisões” (em plena era das redes sociais, do boom de imagens, informações e quetais).
Prefiro imaginar a “nação” brasileira cindida no interior de si própria. O país não está dividido, ele é dividido. Fragmentado, em disputas permanentes de grupos, classes, gerações ou o que seja – e isto não é uma ameaça, pelo contrário, é a força da sociedade. Morei seis meses nos Estados Unidos e jamais vi uma sociedade tão fragmentada (no sentido de INDIVIDUALIZDA) como a americana – e tão forte.
Para encaminhar o argumento: acho que o problema mesmo é a intolerância. Não tolerar o outro, o jeito do outro, a cultura do outro. Penso nas intolerâncias cotidianas no Brasil. Na dificuldade que uma mulher tem, por exemplo, de se vestir como quer e andar na rua. Observada, cantada, espiada e como é comum, também agredida fisicamente. O homem que olha a mulher na rua está invadindo o espaço privado dela. É uma espécie de intolerância que permeia todas as nossas relações sociais: contra as mulheres, contra os gays (não podem se beijar em público; sofrem agressões verbais e físicas), contra os negros (um homem negro dirigindo um carro tem mais chances de ser parado pela polícia do que um homem branco, isto é intolerância, é não aceitar, não permitir, que o outro seja o que é).
Não será o chacoalhar disso tudo o que se reflete nas ruas? Algo que mexe com tudo e com tantos ao mesmo tempo e agora, como um terremoto cultural-político? Parte da tal MUDANÇA que os políticos tentaram captar na TV nos últimos meses?
Nestes termos a intolerância brasileira é cordial. A palavra vem de coração: impulso tanto de amor como de ira, paixão e fúria. A ‘cordialidade brasileira’ acontece quando este impulso passa da esfera privada para a pública. Você não pode ser assim porque eu (o antigo coronel; o homem; o patriarca; aquele que manda) não quero, embora às vezes eu possa até querer. Cordialidade. O nosso inferno. (noticias.yahoo.com)