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    Paulo Jazz: Morreu o exorcista da vida intensa

    Personagem da Mutamba e nome importante da arte angolana, Paulo Jazz será lembrado pela obra, incluída no acervo de vários coleccionadores particulares.

    Vestia-se quase sempre de preto, em memória (ou exorcismo) das tragédias familiares que o afectaram profundamente, andava sempre com uma sacola ao ombro, onde guardava inúmeras recordações e despojos essenciais para fazer o seu caminho, venerar as cores, reflectir sobre a nossa existência. Em vida artística, chamou-se Paulo Jazz. Morreu ontem, em Luanda.

    O pintor e desenhista, que está entre as principais referências e fonte de inspiração para a nova e talentosa geração de artistas angolanos, morreu, ontem de manhã, aos 63 anos, vítima de doença, no Hospital Américo Boavida, na capital do país.

    Nascido em 1957, também em Luanda, foi membro fundador da União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP), criada em Outubro de 1977, para defender os interesses dos profissionais do sector.

    Acabou por trabalhar durante muitos anos (até ser “desalbergado”, realidade que motivou certas mágoas) no edifício que acolhe a instituição, em plena Mutamba, o ponto nevrálgico onde tudo se decide e tudo pode acontecer. Este manancial de possibilidades nem sempre inspirava Paulo Jazz, por vezes enredado num certo fel.

    Mas, em certos dias, parecia que os espíritos se alinhavam à volta daquele edifício branco e muito antigo e (agora) mal amanhado, com o estúdio do artista a pegar fogo-rock, as janelas abertas, o palco montado e apontado para a rua.

    Era a inspiração à flor da pele, uma euforia claramente incontida, a felicidade. Sentimentos que revelam a descoberta de novas possibilidades. Dali mesmo, da varanda, Paulo Jazz conversava e chamava quem passava na rua, para manter conversas indizíveis.

    Em declarações ao Jornal de Angola, a irmã e jornalista Paula Esteves explicou que Paulo Jazz encontrava-se doente, tendo sido hospitalizado no sábado (depois de vários episódios ao longo dos últimos meses) e falecido quatro dias depois.

    Consternado com a notícia ficou o também artista plástico e secretário-geral da União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP), António Tomás Ana “Etona”, que se mostrou preocupado pela forma como o país perdeu um dos seus melhores artistas.

    “Quando entro para a UNAP já o encontrei e tive a felicidade de partilhar vários momentos com o Paulo Jazz”, recorda. “Infelizmente, esse é o caminho de todos. Paulo Jazz deixou, seguramente, um legado que deve ser transmitido às novas gerações pelo conjunto das suas obras”.

    Fonte de inspiração Para o artista e empresário Guilherme Mampuya, apesar da obra de Paulo Jazz ser pouco divulgada e analisada nas suas diferentes vertentes (privilégio apenas disponível para alguns, poucos, artistas plásticos angolanos), Paulo Jazz deixou um legado que mostra a importância do seu percurso artístico.

    Há alguns anos, recorda Mampuya, adquiriu uma obra de Paulo Jazz denominada “Adão e Eva”, onde são utilizadas cores e traços incomuns, “que transportam as pessoas para um imaginário surreal” que o fascinava.

    “O malogrado tinha um estilo próprio, único e forte”, defende Guilherme Mampuya. Sendo uma das suas “maiores referências nas artes plásticas”, manifestou o desejo de realizar uma grande exposição no seu atelier, como forma de homenageá-lo, pelo seu percurso artístico e pelo contributo que ofereceu às artes plásticas”, ressaltou.

    Em 2018, Paulo Jazz foi homenageado pela galeria Hall de Lima Pimentel, do coleccionador e empresário angolano Nuno Pimentel, em Luanda, onde apresentou 97 obras, durante uma exposição

    que ficou conhecida como “O Anjo Colorido”.

    Natural de Luanda, José Paulo Esteves, artisticamente conhecido como Paulo Jazz, destacava-se pelo seu cubismo “estético” e por um quase radical afastamento do realismo que marcou uma época nas artes plásticas angolanas. Esta fractura criativa marcou de forma evidente a nova geração, muito mais agarrada à liberdade de cruzar técnicas, estilos e referências.

    Com 54 anos de carreira, obteve nomeação do Centro Internacional das Civilizações Bantu (CICIBA), em 1987. Participou em exposições em Sevilha, Portugal, ex-Jugoslávia e Brasil.

    Além da técnica mista, o co-fundador da UNAP era exímio em pinturas a óleo, acrílico e aguarela. Os quadros em tela, desenhos em papel e cartão fazem parte do conjunto de obras do artista plástico que marcou a pista de dança do Elinga Bar (antigo local de peregrinação nocturna e de união popular, na baixa de Luanda, na Mutamba) com os seus toques.

    Até Jazz!

    Condolências O Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente apresentou, ontem, uma nota de condolências, à família enlutada, pela morte do artista plástico, um dos co-fundadores da UNAP. O titular da pasta, Jomo Fortunato, enalteceu os feitos e o trabalho do pintor e desenhista angolano.

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