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    Os gays na sociedade russa: total liberdade, mas em sigilo

    (Foto: Flickr.com/Ben Werdmuller/cc-by-nc)
    (Foto: Flickr.com/Ben Werdmuller/cc-by-nc)

    Não é uma tarefa fácil explicar aos leitores ocidentais os motivos que levaram os deputados russos a aprovar uma lei que limita as manifestações homossexuais em público. Mas vamos tentar fazê-lo.

    Comecemos pelos fatos.

    A lei foi aprovada praticamente por unanimidade na câmara baixa do Parlamento no verão passado e tem a seguinte designação: “Lei da Defesa dos Menores relativamente à propaganda das relações sexuais não-tradicional”. A verdade é que, para além de a lei não mencionar sequer a palavra homossexual ou gay, o documento não prevê qualquer tipo de repressão da comunidade LGBT, ou seja é perfeitamente legítimo manter este tipo de relações. Passa unicamente a ser interdita a propaganda (divulgação pública de informação) das relações homossexuais quando dirigida a menores ou na presença de menores. As multas, neste caso, variam entre 85 e 110 euros. Se a divulgação for na mídia ou na Internet, as multas aumentam significativamente.

    A lei não prevê sanções caso esta divulgação seja dirigida estritamente a adultos. Diversos clubes gay continuam funcionando nas cidades russas. Para além disso, a responsabilidade pela violação da lei é puramente administrativa e não penal, como acontecia na União Soviética e acontece hoje em alguns outros países.

    A lei não foi adoptada por imposição do governo ou do presidente. Há muito que na sociedade russa e nos órgãos de poder local se faziam tentativas para regulamentar esta questão. Assim, desde 2006 até 2011, foram vários os territórios e repúblicas russas que adoptaram leis similares a nível local (Carélia, região de Rostov, de Tyumen, de Ryazan, de Arkhangelsk, São Petersburgo e outras).

    Por que motivo há então tantas cenas de agressividade na Rússia contra gays?

    Há quem tenha levado a lei muito ao pé da letra. Alguns cidadãos irresponsáveis, muitos dos quais jovens de extrema-direita, ouvindo falar vagamente sobre as novas regras, “resolveram manter a vigilância”. Entre estes grupos radicais, há quem confunda práticas homossexuais com pedofilia. Um exemplo (muito pouco edificante) é o grupo “Occupy Pedophilia”, fundado em 2010 por Maxim Martsinkevich (supostamente para desmascarar pedófilos) mas responsável por ataques, abuso físico e humilhação pública de gays. Maxim Martsinkevich, um moscovita de 29 anos, é conhecido como activista de várias organizações radicais de direita, em particular um grupo de skinheads. Ele foi condenado várias vezes por extremismo e incitação ao ódio. Saiu da prisão em 2010 depois de cumprir pena de três anos e meio.

    Julgo que não há ninguém que defenda a acção de tais elementos radicais e neonazistas, que representam o pior que a sociedade pode gerar. No caso de Martsinkevich, não temos nada a apontar às autoridades: ele foi condenado, tal como seria em qualquer outro país europeu.

    Algumas cenas de policiais arrastando manifestantes gays que podemos ver na Internet têm outra explicação. Na Rússia, todas as manifestações têm quer ser autorizadas pelos órgãos municipais. Quando não o são, os agentes da ordem podem legitimamente dispersar tais ajuntamentos, ou seja, as pessoas são dispersas ou detidas para identificação não por serem gay, mas porque violam as normas que regulam as manifestações de rua.

    Por que razão a sociedade russa não aceita os homossexuais?

    Esta é a questão mais complexa de todas. Como disse Masha, uma jovem moscovita:

    “Os russos são daqueles povos que nunca vão entender o feminismo e a homossexualidade. A explicação dessa incompreensão está na nossa história, que é muito diferente da do Ocidente. A sexualidade na Rússia foi durante muitos séculos vista de outra forma aqui, de maneira muito mais tradicional.”

    De acordo com uma pesquisa do Centro Levada em Fevereiro de 2013 (antes da aprovação da lei) em 45 regiões da Rússia, 4% dos respondentes têm uma atitude positiva em relação aos homossexuais, 23% diz ser indiferente, 18% mostra desconfiança, 50% expressa irritação e repulsa. Um total de 85% é contra os casamentos de pessoas do mesmo sexo e de paradas gay; 80% são contra a adopção de crianças por casais homossexuais.

    Segundo várias outras pesquisas, a lei aprovada no ano passado é apoiada por mais de 80% da população russa.

    Questão ideológica?

    Vejamos a opinião de três personalidades russas sobre esta questão.

    Alexei Martynov, director do Instituto Internacional de Novos Estados, considera que a tolerância em relação aos homossexuais é, segundo ele, um dos traços característicos dos adeptos do liberalismo e da política de multiculturalismo.

    “Há uma razão pela qual as minorias sexuais têm crescido e se tornado recentemente mais activas na defesa dos seus direitos e liberdades. Por um lado, essas actividades são um resultado lógico da revolução sexual que abalou os países europeus em meados do século XX. Por outro lado, o apoio à comunidade LGBT é um efeito colateral da política europeia de multiculturalismo. A política de tolerância total do europeu médio resultou na crença de que os europeus não só não devem ter nacionalidade como não devem ter identidade sexual. Grosseiramente falando, um europeu é um It.”

    O analista político Grigori Trofimchuk acrescenta:

    “O apoio aos casamentos homossexuais e à protecção dos direitos das minorias sexuais é hoje, em grande parte, motivada politicamente. Os tradicionalistas foram obrigados a seguir na esteira do espírito dos tempos e tornar-se pró-LGBT. Todos os países que aderiram à União Europeia devem aceitar esse ponto por padrão, que de certa forma é ainda um teste de lealdade mais importante do que a adesão à OTAN.”

    Filipp Ryabykh, representante do Patriarcado de Moscovo no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, refere:

    “Foi exercida uma enorme pressão sobre o Tribunal Europeu para avançar com a noção de homofobia. Homofobia significa não só a prática de violência contra os homossexuais, mas também quaisquer declarações críticas sobre minorias sexuais. Em outras palavras, qualquer sacerdote, mufti ou rabino que declare publicamente que a homossexualidade é pecado será visto como homofóbico, com sanções posteriores.”

    Em conclusão, eu diria que na conservadora sociedade russa, o tema dos direitos dos homossexuais é mais um ponto de crítica à cultura ocidental. Os russos não querem viver segundo as regras de outras sociedades, preferem ter as suas próprias. Julgo que não irão aceitar de ânimo leve nem a eutanásia, nem a prática de pedofilia, nem a liberalização de drogas, temas hoje em dia frequentes na Europa Ocidental.

    Vladimir, um jovem jornalista moscovita a quem pedi a opinião, disse:

    “Eu conheço várias pessoas que são homossexuais, homens e mulheres. Nem sempre sabia tal fato de antemão, às vezes sim, às vezes não. A maioria das vezes, não se diferenciam em nada do resto dos meus conhecidos. Acho, na verdade, que a “orientação sexual” é algo íntimo. Isso é relativo à “orientação” pessoal, cada pessoa é sentimentalmente livre. No que toca ao chamado “orgulho gay”, às “comunidades LGBT” e coisas do estilo, eu acho que há algo desviado nisso. Que eu saiba, o “ponto de ebulição” da polémica foi o assunto de casamento de pessoas do mesmo sexo. A ideia soa meio louca, eu não imagino visitar, com minha mulher, um casal de gays ou lésbicas com criança adoptada (ou sem criança). Porém, mesmo se for assim, não sei qual seria minha reacção, sinceramente. Mas casamento é uma das convenções da sociedade, por assim dizer, um preconceito; se você foge de um preconceito, porque se integrar num outro? E as paradas, reclamam o quê? Reclamam respeito, dizem os participantes e os organizadores. Porém, eu conheço várias pessoas homossexuais que dizem que eles nunca participaram nem participariam de uma “passeata” dessas, porque estão indignadas, não querem tornar pública a sua vida íntima e entrar em uma sociedade separada. E nisso, eu concordaria.

    Mas uma coisa louca é o “igualitarismo léxico”, promovido, por exemplo, na Suécia, onde eles examinaram um projecto de lei que vetaria o uso de pronomes pessoais “sexuados” (ele, ela) e introduziria um único pronome “assexual” (em sueco “ele” é “han”, “ela” é “hon”, e o “assexual” que eles propunham, era “hen”, que, aliás, tinha sido já usado pela LGBT local).

    Minha atitude para com os homossexuais, eu diria, é neutra. Se a pessoa não se insinua para mim ou para outros, eu a vejo a como uma pessoa comum como qualquer outra.” (ruvr.ru)

     

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