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    Entenda a denúncia envolvendo o Governo Bolsonaro e a Covaxin

    Vacina Covaxin foi a mais cara entre todas as contratadas pelo Ministério da Saúde, e processo de negociação, o mais rápido

    Embaixada do Brasil na Índia alertou sobre “dúvidas” em relação à eficácia, à segurança e ao preço da vacina

    MPF apura indícios de crime na compra feita pelo Ministério da Saúde de 20 milhões de doses da vacina, no valor total de R$ 1,6 bilhão

    O Ministério Público Federal (MPF) apura indícios de crime na compra feita pelo Ministério da Saúde de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. O governo do presidente Jair Bolsonaro comprou a vacina produzida pela farmacêutica indiana Bharat Biotech por um valor 1.000% maior do que o estimado pela própria empresa seis meses antes.

    O contrato para a compra da Covaxin totalizou R$ 1,6 bilhão e foi firmado entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa, que representa o laboratório indiano no Brasil, durante a gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello.

    Entenda os indícios de irregularidades e as investigações em andamento:

    Valor da vacina
    A dose da Covaxin é a mais cara entre todas as que foram contratadas pelo Ministério da Saúde, e o processo de aquisição o mais célere de todos, apesar dos alertas sobre “dúvidas” em relação à eficácia, à segurança e ao preço da Covaxin.

    O Ministério da Saúde do governo Bolsonaro pagou 15 dólares por cada dose da vacina, valor que correspondia, na época, a R$ 80,70.

    Segundo telegrama da embaixada brasileira em Nova Déli, de agosto de 2020, a Bharat Biotech estimava que cada dose da Covaxin custava 100 rúpias, valor que equivale a aproximadamente 1,34 dólares. Outro comunicado diplomático, de dezembro de 2020, garantia que o imunizante seria mais barato que uma garrafa de água.

    A Pfizer, por exemplo, vendeu cada dose por 10 dólares e o valor foi considerado um problema pelo governo federal.

    Foi o próprio presidente Jair Bolsonaro quem deu a ordem para a compra da vacina Covaxin contra a covid-19.

    Presidente Jair Bolsonaro citou Covaxin como uma das vacinas “escolhidas” pelo governo.
    (Foto: REUTERS / Adriano Machado)

    Rapidez na negociação
    O processo de negociação para compra da vacina indiana Covaxin foi o conduzido mais rápido pelo governo federal, mesmo após alertas de “dúvidas” em relação à eficácia, à segurança e ao preço do imunizante.

    Segundo documento do Ministério da Saúde, o período entre a negociação e a assinatura do contrato para aquisição da Covaxin levou 97 dias. Por outro lado, o processo para compra do imunizante da Pfizer demorou 330 dias, o prazo mais longo entre todas as vacinas.

    Nenhuma outra negociação demorou menos de 100 dias, aponta uma nota informativa da Saúde enviada à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado.

    Telegramas diplomáticos enviados à comissão mostram que a Embaixada do Brasil em Nova Déli alertou o governo brasileiro sobre dúvidas envolvendo as condições da aprovação da vacina na Índia. Os problemas foram informados ao Itamaraty no mesmo período em que o presidente Jair Bolsonaro citava a vacina como uma das “escolhidas” pelo governo brasileiro, junto à Oxford, em carta ao premiê indiano.

    Deputado Luís Miranda, irmão do servidor do Ministério da Saúde responsável pelos processos de importação.
    (Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados)

    Pressão sobre servidor
    Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, relatou em depoimento ao MPF ter “sofrido pressão atípica” de superiores para garantir a importação da vacina Covaxin. Além disso, ele afirmou que houve ingerência de superiores junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). As pendências existentes eram uma responsabilidade da empresa.

    Segundo o funcionário, um dos responsáveis pela pressão foi o tenente-coronel do Exército Alex Lial Marinho. O militar chegou em junho de 2020 ao cargo de coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde pelas mãos do general da ativa Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde. Pazuello foi demitido em março deste ano. Marinho perdeu o cargo no último dia 8, já na gestão de Marcelo Queiroga.

    Luís Ricardo Miranda é irmão do deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), que disse que o caso é “bem mais grave” do que a pressão para fechar o contrato, sem detalhar as demais irregularidades.

    Líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros.
    (Foto: REUTERS / Ueslei Marcelino)

    Presença de intermediário
    O contrato de compra da Covaxin foi o único fechado pelo governo federal que contou com um intermediário. Documentos obtidos pela CPI da Covid mostram que a representante Precisa Medicamentos lucrou com a transação.

    Enquanto a Pfizer se reuniu dez vezes com representantes do governo Bolsonaro, enviou mais de 100 emails e esperou sete meses para conseguir fechar um contrato com o Ministério da Saúde, a Precisa Medicamentos fez apenas seis reuniões e liquidou a fatura em menos de quatro meses.

    Detalhe que chamou a atenção de investigadores é que a vacina da Pfizer obteve registro definitivo da Anvisa em fevereiro. Já o contrato com a Precisa foi fechado pelo governo federal quando a vacina Covaxin ainda estava em estágio inicial de desenvolvimento, apesar dos alertas da Embaixada do Brasil na Índia.

    No fim de março, a Anvisa negou a certificação de boas práticas de fabricação ao seu desenvolvedor, o laboratório Bharat Biotech, por conta de riscos sanitários e ausência de controle de qualidade após visitar suas instalações.

    O Ministério da Saúde pediu à Anvisa a autorização do uso emergencial da Covaxin um mês após adquirir as doses do imunizante, mas a agência anunciou que os dados estavam incompletos.

    No início deste mês, o imunizante do laboratório indiano Bharat Biotech recebeu autorização para uso emergencial, com restrições – e antes mesmo da conclusão da fase 3.

    Senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid no Senado.
    (Foto: REUTERS / Adriano Machado)

    Empresa investigada
    O dono da empresa Precisa, Francisco Maximiano, é o mesmo da Global Gestão em Saúde, alvo de uma investigação do Ministério Público Federal em Brasília por suspeita de improbidade administrativa na gestão do ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP-PR), hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara.

    A Global recebeu cerca de R$ 20 milhões antecipados, em 2017, para a entrega de medicamentos para doenças raras ao SUS, o que nunca aconteceu.

    Inclusive, a importação da Covaxin foi possível graças a uma emenda de Ricardo Barros.

    A Medida Provisória (MP) permite que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) conceda “autorização para a importação e distribuição de quaisquer vacinas”, insumos ou medicamentos sem registro na Anvisa desde que aprovadas pela autoridade sanitária em outros países. A emenda de Barros acrescentou a Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), da Índia, no rol de órgãos habilitados para dar essa autorização.

    Em fevereiro, o deputado chegou a dar uma declaração de que ia “enquadrar” a Anvisa, referindo-se a uma suposta demora da agência em eliminar burocracias para aprovação de vacinas contra a Covid-19.

    “Estou trabalhando. Eu opero com formação de maioria. O que eu apresentar para enquadrar a Anvisa passa aqui (na Câmara) feito um rojão. Eu vou tomar providências, vou agir contra a falta de percepção da Anvisa sobre o momento de emergência que nós vivemos. O problema não está na Saúde, está na Anvisa. Nós vamos enquadrar”, disse o deputado, em entrevista ao “Estadão”.

    Doses não foram entregues
    A vacina indiana até hoje não chegou ao Brasil. O desembarque dos primeiros lotes estava previsto para março. Pouco antes do vencimento do prazo de entrega, a diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, disse em audiência o Senado Federal que o governo da Índia priorizaria o Brasil na entrega de doses. Posteriormente, o prazo foi revisto para abril, e a promessa novamente não foi cumprida.

    O valor referente à aquisição das doses já foi empenhado pelo Ministério da Saúde, ou seja, está reservado, mas só poderá ser repassado de fato aos fornecedores após a eventual aprovação emergencial ou o registro definitivo do imunizante pela Anvisa.

    CPI
    O empresário Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, não compareceu ao depoimento à CPI da Covid no Senado marcado para esta quarta-feira (23). Ele alegou que está em quarentena em razão de uma viagem recente à Índia.

    Segundo o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), o depoimento deve ser remarcado para a próxima semana.

    Integrantes da CPI estudam pedir a condução coercitiva da Maximiano, caso ele se recuse a depor. O empresário foi convocado para esclarecer se houve algum tipo de irregularidade no processo de compra da vacina Covaxin.

    Omar Aziz também afirmou que a comissão vai ouvir na próxima sexta-feira (25) o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Mirando e o deputado Luís Miranda, que pediu para depor ao lado do irmão.

    O técnico, responsável pelos processos de importação no ministério, depôs ao MPF em 31 de março, no inquérito que investiga favorecimento e quebra de cláusulas contratuais para o fornecimento da Covaxin. A oitiva, enviada juntamente com o inquérito à CPI da Covid no Senado, é mantida em sigilo pelo MPF.

    MPF
    Em despacho que encaminha a investigação para a esfera criminal, a procuradora da República Luciana Loureiro afirma que “a omissão de atitudes corretivas” e o elevado preço pago pelo governo pelas doses da vacina tornam necessária a investigação criminal.

    “A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa PRECISA e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”, diz a procuradora em despacho assinado no dia 16 de junho.

    Além de ser um dos alvos da CPI da Covid, Pazuello já é investigado pela Justiça Federal pela crise de falta de oxigênio em Manaus e responde a questionamentos no Tribunal de Contas da União (TCU).

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