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    A Riqueza das Nações

    Em março de 1776, foi publicado o livro “Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”, mais conhecido como “A Riqueza das Nações”, escrito pelo economista e filósofo escocês Adam Smith. O livro marcou um momento importante de inflexão no pensamento económico, no início da revolução industrial na Inglaterra e no mesmo ano da Declaração de Independência dos Estados Unidos. A revolução Industrial, e com ela o capitalismo, teve Adam Smith como o seu grande teórico. Portanto, não é de admirar que o livro de Adam Smith tenha gerado grandes debates e inúmeras controvérsias entre os seus defensores e críticos, incluindo Karl Marx.

    Hoje, o livro é amplamente considerado como um dos pilares da economia moderna. Mas não aconselhamos o leitor a lê-lo. É uma obra volumosa, escrita no estilo pesado e pomposo da época, que nem mesmo as versões modernas conseguiram suavizar. Mais importante, o estado actual do pensamento económico sobre o assunto deve mais às contribuições dos críticos de Adam Smith do que aos seus seguidores, como acontece muitas vezes no desenvolvimento do conhecimento.

    Apesar de ter sido escrita há mais de dois séculos, a questão levantada por Adam Smith ainda é actual: O que explica a riqueza das Nações? Por que existem nações ricas e nações pobres? Hoje talvez o termo seja entendido como desenvolvimento sustentável, e é nesse sentido que o utilizamos aqui.

    Achamos que seria pretensioso tentar responder a essas questões. O motivo é simples, não existe receita mágica. No máximo, os longos debates e contribuições de várias gerações de economistas permitem hoje uma melhor compreensão dos mecanismos que determinam a riqueza das Nações.

    Vamos começar com uma premissa muito simples. A riqueza é criada e é a actividade económica que a cria. Ela não é encontrada no subsolo, em estado bruto, em poços de petróleo ou gás. Antes da revolução industrial o petróleo tinha pouco valor económico e esperamos que deixe de tê-lo num futuro próximo se a humanidade quiser evitar uma catástrofe iminente causada pelas mudanças climáticas.

    A actividade económica envolve essencialmente o trabalho e o capital, grosso modo, as ferramentas que utilizamos para produzir todos os tipos de bens e serviços. Os grandes avanços no desenvolvimento da humanidade devem-se ao progresso tecnológico incorporado nessas ferramentas, desde os instrumentos rudimentares no Neolítico, passando pela máquina a vapor na revolução industrial até a grande revolução digital actual. Esses avanços tecnológicos são, eles próprios, produtos do conhecimento e trabalho humanos. À medida que os trabalhadores se apropriam dessas novas ferramentas, absorvendo novas tecnologias, a produção aumenta devido ao aumento da produtividade. Claro, existem outros factores que explicam o aumento da produtividade do trabalho. Chegaremos lá em breve. A conclusão que tiramos aqui é que se houver adequação dos conhecimentos e habilidades dos trabalhadores, o que chamamos capital humano, ao capital físico o progresso económico acelera, caso contrário, é lento.

    O capital humano, fundamentalmente consubstanciado na educação, formação e saúde, é assim o grande impulsionador do desenvolvimento. O crescimento económico sustentado por um longo período, e com ele a acumulação da riqueza, pode ser comprometido e até revertido se a nova geração não for mais educada do que a geração anterior. É o que acontece quando a educação é de má qualidade ou quando centenas de milhares de crianças e jovens estão fora do sistema escolar.

    Limitar a questão da riqueza das Nações apenas ao capital humano, embora a nosso ver este seja o factor determinante, seria uma simplificação exagerada da realidade. Por si só, isso não daria início a um processo de crescimento económico sustentado que duraria décadas. De facto, a experiência mostra que a fase inicial de crescimento pode ser ditada por vários factores. No início da revolução industrial, o debate girava em torno do conceito de “acumulação primitiva de capital” que, ao contrário da crença popular, foi introduzido não por Karl Marx, mas por Adam Smith. A colonização foi um dos fatores apontados para explicar a acumulação primitiva de capital. No caso dos países ricos em recursos naturais, tema que abordaremos mais adiante em relação a Angola, é a própria existência do recurso que gera um rendimento que permite lançar o crescimento económico.

    Mas para alcançar um crescimento económico sustentado, os países têm de resolver questões complexas como a alocação de recursos – mão de obra, capital, terra e recursos naturais –, a formação do capital humano, a divisão do trabalho e a organização dos mercados, entendidos no sentido mais amplo como a organização e estrutura económica nacional.

    Adam Smith respondeu a estas questões com a teoria da livre concorrência, da iniciativa privada e do livre funcionamento dos mercados onde uma espécie de “mão invisível” permitiria encontrar um equilíbrio óptimo. Os críticos de Adam Smith discordaram dessa versão excessivamente simplista da realidade e criaram outros paradigmas onde o Estado substitui o mercado ou desempenha um papel relevante na economia.

    Hoje, com poucas excepções, a forma dominante de organização económica dos países é baseada em economias mistas orientadas para o mercado, mas com forte intervenção do Estado, que varia de um país para outro. Nos países desenvolvidos membros da OCDE, a despesa publica representa a volta de 50% do produto interno bruto.

    A administração do Presidente Biden nos Estados Unidos preside talvez a maior intervenção do governo federal na economia dos EUA desde o “New Deal” lançado na década de 1930 sob Franklin D. Roosevelt em resposta à Grande Depressão. Recentemente, a Secretaria do Tesouro Janet Yellen chamou à política económica americana de “modern supply side economics”, para descrever a prioridade dada pelo Presidente Biden à oferta de mão de obra, capital humano, infraestrutura pública, R&D, e investimento em energias renováveis. Segundo ela, todas essas áreas de foco visam aumentar o crescimento económico e abordar problemas estruturais de longo prazo, particularmente a desigualdade.

    Na Europa, a União Europeia segue uma política económica altamente intervencionista para consolidar o mercado único e relançar a reindustrialização dos países europeus. Nesse processo a formação do capital humano constitui um elemento determinante. Na China, o crescimento económico, inicialmente baseado na mão-de-obra barata e no acesso aos mercados internacionais, tornou-se altamente intensivo em capital humano e físico, criando condições para um crescimento económico sustentado.

    O que se passa lá fora pode servir de inspiração para Angola, sobretudo o modelo de crescimento seguido por muitos países asiáticos. Se o acesso aos mercados internacionais (a “cadeia de abastecimento global”) foi para estes países o elemento que desencadeou o processo de crescimento, o investimento no capital humano foi o elemento determinante que permitiu o crescimento sustentado ao longo de décadas. Hoje, países como Coreia do Sul, Taiwan, China e Índia, sem falar no Japão, são líderes mundiais em tecnologias e indústrias de ponta. Mas como disse o economista americano Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2001, os modelos podem servir de inspiração, mas a história económica não se repete e a África deve encontrar o seu próprio modelo de crescimento.

    Em Angola, o processo de crescimento económico pós-independência foi desencadeado pelos recursos naturais, especialmente o petróleo. Hoje, Angola está entre as cinco maiores economias da África Subsariana, ao lado da Nigéria, África do Sul, Quénia e Etiópia. Segundo o FMI, Angola poderá voltar a ocupar a terceira posição daquela lista em 2023. Isso torna Angola um parceiro estratégico a nível internacional no continente africano.
    Mas, a “maldição dos recursos naturais” pesa fortemente na economia e sociedade angolanas. O petróleo sufocou o desenvolvimento de outros sectores da economia, criou receitas que estiveram na base da corrupção, desvio de fundos públicos e saídas financeiras ilícitas de Angola, e agravou as desigualdades sociais.

    Segundo a organização internacional “Global Financial Integrity”, países ricos em recursos naturais e altamente dependentes deles para financiar as suas economias tendem a ter problemas profundos de fluxos financeiros ilícitos e corrupção. A principal razão apontada pela organização é o facto do sector de recursos naturais estar normalmente sob controle político discricionário ao mais alto nível, fazendo com que o sigilo dos contratos gere receitas que escapam aos mecanismos de controle dos fundos públicos.

    O combate à corrupção, prioridade na agenda política do governo angolano, não deve fazer esquecer que a questão dos fluxos financeiros ilícitos abrange não só o desvio de fundos públicos através da corrupção, mas também que grande parte desses fluxos provém das operações ilícitas das próprias multinacionais que actuam no sector de recursos naturais pela fuga aos impostos, facturação fraudulenta das importações e exportações e preços de transferência entre subsidiárias de uma mesma empresa que permite a transferência de lucros para o exterior por meio de um complexo mecanismo de alocação de custos.

    O sector extractivo é particularmente técnico e complexo e requer um alto grau de especialização. Monitorar e entender as redes corporativas, acordos contratuais e implicações fiscais pode ser difícil para o governo e o publico em geral.

    Ao nível da África Subsariana, dados da OCDE e de outras organizações internacionais indicam que os fluxos financeiros ilícitos se situam entre 70 e 80 mil milhões de dólares anuais, muito mais do que o total da ajuda ao desenvolvimento que estes países recebem.

    A corrupção e os fluxos financeiros ilícitos em geral têm um custo económico que excede em muito os custos financeiros envolvidos. Para descrever o custo económico, os economistas usam o termo “custo de oportunidade”, que representa o custo associado a uma determinada escolha medida em termos da melhor oportunidade perdida.

    No caso de Angola, o custo de oportunidade da corrupção e dos fluxos financeiros ilícitos são as escolas, centros de saúde e infra-estruturas que não foram construídas. Desperdiçou-se, assim, um elemento, as receitas do petróleo, que poderia desencadear um processo de crescimento sustentável se tivesse sido devidamente utilizado para esses fins. A economia de Angola pode crescer, mas é extremamente vulnerável às fluctuações do preço do petróleo.

    A tão desejada diversificação da economia poderá esbarrar na falta de mão de obra qualificada e de infraestruturas, inclusive para o acesso dos produtos agrícolas aos mercados urbanos, caso não sejam tomadas medidas robustas para corrigir a situação. Diante do forte crescimento demográfico, as políticas nacionais de redistribuição do rendimento não serão suficientes para resolver os problemas de desigualdade e pobreza extrema. A educação e a formação da mão-de-obra permitem acelerar o crescimento económico e criar oportunidades iguais.

    Como já referimos, nas economias modernas é o Governo que impulsiona os mecanismos de desenvolvimento, quer directamente através do Orçamento do Estado, quer indirectamente através da regulação e enquadramento da actividade privada. Em última análise, é na capacidade do Governo de criar uma visão, definir objectivos e traçar o caminho, num processo participativo amplamente inclusivo de toda a sociedade, incluindo o sector privado, que reside a resposta à questão de como criar a riqueza das Nações.

    José Correia Nunes*
    *Director Executivo do Portal de Angola

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