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    Silva Candembo: Quo vadis, Huíla?

    Na década de 1980, Angola contava tostões, não tinha o volume de produção de petróleo que tem actualmente, além de que o preço do crude era irrisório, se comparado com o de há uns anos. Então, O País passava por privações sérias e sofria na região meridional uma agressão bárbara por parte do exército regular da África do Sul racista.

    As carências eram tantas que, por exemplo, adquirir dois quilinhos de carne era um luxo ao alcance de alguns poucos que, para o efeito, utilizavam um cartão afim que não era para qualquer gato pingado. Vivíamos, então, os tempos do racionamento alimentar resultante da ditadura democrática revolucionária imposta pela romântica governação do País que sonhava com a construção de um estado socialista!

    Como é óbvio, essas carências eram transversais a todos os sectores da sociedade. E o desporto não podia ser excepção. Lembro-me de que naquela época, em regra, os jogadores deixavam no clube os calçados utilizados nos jogos ou trinos. Os calçados passavam de pé para pé, ou seja, serviam indistintamente juvenis, juniores e seniores. Lembro-me, por isso mesmo, de comunicados de federações nacionais no Jornal de Angola, intimando atletas a devolverem material desportivo utilizado durante determinada competição, sob pena de serem castigados. Houve uma vez que, após vitória, um jogador atirou a sua camisola para a bancada e foi obrigado a ir buscá-la porque não havia mais. A Selecção tinha apenas uma muda… Ainda está bem vivo na minha memória a imagem do Prof. Victorino Cunha andar no porta-bagagem do seu modesto Fiat-128, sem ar condicionado, com bolas de basquetebol para as ter sob o seu controlo absoluto. Eram poucas as bolas e não iria o diabo tecê-las…

    Naquele contexto político e social extremamente adverso, havia desporto em quase todo o País e, apesar de Luanda ser o principal centro desportivo, as assimetrias não eram tão acentuadas como na actualidade. Naqueles tempos, a ninguém espantava o facto de determinado campeão ser de outra província, que não a capital. E nesse sentido, estou lembrado da equipa sénior feminina de voleibol do 1.º de Maio de Benguela ou a voleibol do Dínamo de Benguela. Ambas marcaram época, conquistando títulos nacionais. Benguela chamou também a si títulos nacionais de futebol, sendo, neste particular, a primeira província a desafiar o que viria a ser hegemonia absoluta de Luanda no desporto nacional. No desporto escolar, havia distribuição mais equitativa de títulos. Por exemplo, Malanje era potência no andebol, a Huíla no atletismo, o Namibe no basquetebol e por aí adiante. Então, Luanda não era dona e senhora de tudo como acontece nos dias de hoje.

    Em tempos idos, as autoridades desportivas (e não só) defendiam que a massificação era a base do sucesso na arena desportiva continental. Não é sem razão que, logo após a independência nacional, lançaram o movimento “Desporto para Todos”, cujo objectivo era colocar todo o País a praticar desporto, para legitimar a opção socialista do nosso Governo, mas também por razões de saúde pública. Na sequência disso, surgiram os primeiros frutos desse porfiado trabalho, traduzido em títulos continentais. O basquetebol é bem o exemplo de dedicação e paixão pelo desporto. A ponto tal que, mesmo sob bombardeamento da aviação do exército regular da África do Sul do tempo do Apartheid, a província do Cunene ter um técnico saído propositadamente de Luanda para prospectar talento e, principalmente, homens cuja estampa física fosse adequada à prática da modalidade.

    Hoje, o País leva quase duas décadas de paz efectiva, embolsa muitos milhões de petrodólares, a aviação militar sul-africana já não aterroriza as populações do Sul de Angola e ninguém mais precisa de contender numa qualquer bicha para comprar dois quilinhos de carne. Estranhamente, porém, o Cunene desapareceu do mapa competitivo do País. Apenas uma vez por outra se ouve uma ou outra referência da província no noticiário desportivo nacional e, mesmo assim, só no futebol do escalão secundário.

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