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    PPP – Nem oito nem oitenta

    Agora que começa a ser dada expressão, em forma de lei, às Parcerias Público-Privadas, vale a pena tentar descarná-las com algum detalhe para não as encararmos como a panaceia dos nossos problemas infra-estruturais e de gestão, nem as vermos como mais uma tragédia à vista.

    Agora que, assentes em PPP – seja na Refinaria de Cabinda, seja no Metro de Superfície de Luanda, seja na cadeia logística do Kero, seja nas Minas de Ferro de Cassinga – começam a chegar ao mercado alguns gigantes que as vão corporizar, vale a pena tentar aprofundar seu significado e alcance para que, à sua volta, não se criem nem fantasmas, nem falsas expectativas.

    Agora que estão em marcha novos e grandes projectos estruturantes inspirados neste modelo, vale a pena tentar equacionar algumas medidas de prevenção de modo a que ao lidar com elas nem o Estado saia prejudicado, nem os privados sejam diabolizados. Ao aprovar a lei, o Estado, entre vários regimes de parcerias, estabelece o regime de “concessão de obras públicas, concessão de exploração de serviços públicos, aquisição de serviços e de gestão e outros contratos públicos compatíveis com o regime jurídico das PPP”.

    E, entre os vários objectivos, persegue “a economia e o acréscimo de eficiência na afectação de recursos públicos face a outros modelos de contratação; a melhoria qualitativa e quantitativa do serviço orientada por métodos de controlo eficazes que permitam a sua avaliação permanente por parte do parceiro público e dos potenciais utentes e a valorização económica dos bens patrimoniais”

    Na implementação destes regimes e objectivos, a experiência aconselha a que na gestão das PPP não deixemos de olhar para um ponto crucial. Porquê? Porque, como aconteceu noutros países, se não formos cautelosos corremos sempre o risco de assistirmos à estatização dos prejuízos e à privatização dos lucros…

    Porquê ainda? Porque tendo os negócios públicos e privados adquirido a mesma dignidade, em muitos casos esquecemo-nos, no entanto, de que a sua promiscuidade degenera em fonte de compadrio, de despesismo e, quase sempre, de corrupção. Basta questionar por que são inúmeros os casos em que os contratos com os privados são quase sempre alvo de renegociação com novos e ainda mais ruinosos encargos para o Estado.

    Basta questionar por que razão são poucas as obras públicas envolvendo privados que não têm derrapagens de custos e de prazos. Porquê? Porque nestas parcerias há (quase) sempre gato escondido com rabo de fora… E, deixando o rabo de fora, o Estado, cúmplice das derrapagens físicas e orçamentais das obras, ao não ter capacidade para avaliar e medir devidamente os seus impactos negativos nos cofres públicos e nas necessidades dos cidadãos, acaba por comprar gato por lebre.

    E porque o Estado, ao fazer essas parcerias, confronta-se ainda com outros dois problemas. Por um lado, não dispõe de recursos humanos treinados e preparados tecnicamente para “as estudar, monitorizar, negociar, gerir e controlar”.

    Por outro, aqueles que deveriam defender os interesses públicos, fecham os olhos às derrapagens orçamentais e sentem-se como peixe na água a acomodar vantagens pessoais…

    Mas isto não é tudo. Fazer obras à pressa para agradar aos eleitores como, em muitos casos tem sido apanágio no nosso país – obras “sem o devido discernimento, serenidade, tempo e melhor contexto” – tem também saído demasiado caro aos cidadãos e é sempre mais lucrativo para os privados.

    Como alerta o Professor Carlos Moreno, antigo Presidente do Tribunal de Contas de Portugal, ”enquanto o privado pauta a sua conduta pela maximização do lucro e da racionalidade económica, o sector público cede, demasiadas vezes sem justificação, a motivações e compromissos dissociados dos princípios da eficiência e da economia da despesa pública”.

    Mais uma vez aqui a culpa não é do sector privado. A culpa é dos gestores públicos, que, ao tratarem a transparência e o controlo financeiro com opacidade, provocam má gestão de riscos, a qual, por sua vez, tem como consequência a duplicação de encargos suportados pelo Estado.

    Com a duplicação desses encargos, a insustentabilidade financeira dos projectos torna-se quase sempre inevitável. Por tudo isso e por outras incongruências, agora que as PPP estão em Angola revestidas de cobertura legislativa, não podemos deixar de as gerir com recomendáveis reservas face aos riscos associados decorrentes, designadamente da taxa de inflacção ou do aumento das taxas de juro dos financiamentos.

    Outra variável que aconselha a máxima prudência no estabelecimento das PPP prende-se com a ausência por parte do Estado de experiência para assegurar a sua competente gestão e também com a falta de capacidade humana para as fiscalizar. N

    este capítulo, são várias e inúmeras as cascas de banana que o privado coloca na montagem das PPP. Ao escorregar nestas cascas de banana, há sempre o risco de o Estado ficar refém e na total dependência de consultores externos, como aconteceu no passado em Portugal e como acontece hoje em Angola em vários outros domínios.

    Nestas circunstâncias, devidamente domesticada, a parte pública, pelo preço de um Ferrari corre sempre o risco de transportar ao colo um “gira- -bairro” em segunda mão, que lhe há-de querer ir aos bolsos todos os dias. Sobram os ossos para o Estado, banqueteia-se o privado com o “filet mignon”…

    Tendo isto acontecido no passado, é isto que, por aqui, pode agora voltar a acontecer com as futuras PPP. Quer essas parcerias sejam implementadas com estrangeiros, quer sejam materializadas com angolanos. É por isso que, sem as demonizarmos, devemos ter muito cuidado a lidar com elas. Muito cuidado, mesmo sabendo que todo o cuidado é pouco.

    E há que ter muito cuidado para quê? Para não cairmos no deslumbramento político e não as banalizarmos como um “bibelot” importado à pressa para acompanhar e florear a moda. Há que ter também muito cuidado face à sua complexidade na gestão técnica e negocial.

    Há que ter ainda muito cuidado porque se esta componente não for devidamente acautelada, assistiremos à explosão, em catadupa, de derrapagens financeiras envoltas em criminosa opacidade, que serão pagas pelas próximas gerações. Mas, há um ponto que, em sentido oposto, não podemos deixar de considerar.

    O ponto é este: se com muitas e reconhecidas ONG essas parcerias têm sido bem sucedidas, nada impede que, no domínio empresarial, os operadores privados não as possam também implementar com a mesma dose de eficácia, de competência e de rentabilidade.

    O sector privado, ao participar nas PPP, não pode ser visto como o polígno do tiro de alguns dos nossos fundamentalistas, que gostariam de ver perpetuada a omnipresença do Estado em todos os domínios da nossa vida económica. Para esses fundamentalistas, em defesa dos seus interesses, o ideal seria continuarmos a acantonar em hasta pública a iniciativa privada.

    E, de preferência, em horário nobre para assegurar, em directo, com a presença da imprensa internacional, uma ampla cobertura mediática do seu julgamento e fuzilamento. É claro que esse cenário em grande medida faz parte do passado, mas, dos saudosistas da sua reposição, ainda não nos livramos de todo.

    Não tenhamos ilusões… É bom, por isso, que comecemos a olhar para os agentes privados (nem todos é certo) como gente séria, gente que gosta de dobrar a mola, que abraça o sacrifício, prioriza o trabalho, cultiva a exigência, defende a disciplina, impõe a pontualidade e recompensa a produtividade.

    Gente que dá emprego, paga impostos devidos – ainda que nalguns casos lhe sejam aligeirados como forma de os atraírem para investirem o nosso país – e participa de modo decisivo na criação do PIB, gerando valor e riqueza nacional.

    Não devemos, por isso, cair na tentação de querer ver o sector privado como o elefante que temos no meio da sala. Como aliado do Estado, o sector privado precisa antes de ser encorajado para ajudar a ressuscitar as pequenas e médias empresas.

    Precisa de ser apoiado para que, através da revitalização das pequenas e médias empresas, possa participar na redução do desemprego, da fome e da delinquência, até porque com isso o país deixa de assistir à crescente e perigosa potenciação de uma iminente explosão social.

    Ao accionar a chave de ignição, contribuindo para que a economia, paulatinamente, saia dos cuidados intensivos e deixe de estar ligada às máquinas, o sector privado deve ser visto essencialmente como um aliado de bem para o Estado.■

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