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    O humor que (não) vamos tendo

    Em Angola também é a rir que a malta por vezes se entende melhor, sendo bem conhecida a tendência que os angolanos têm de gozar o prato e estigar o parceiro em qualquer lado e a qualquer hora, incluindo nos funerais e nos cultos religiosos, sem falar já das reuniões políticas.

    O jornalista Reginaldo Silva (dw.de)
    O jornalista Reginaldo Silva (dw.de)

    Os angolanos são verdadeiramente divertidos e por vezes ultrapassam mesmo algumas barreiras do som, com esta sua capacidade de brincar com coisas sérias, contando piadas sobre o tudo e sobre o nada O que os angolanos não gostam muito é de ser gozados, quando chega a vez de serem eles próprios o tema da gozação, como diriam os outros gozadores que são os brasileiros e que passam a vida a infernizar os nossos amigos comuns portugueses com todo o tipo de paródia ou de chiste para voltar a usar mais um brasileirismo.

    Na hora de ser gozado, o angolano perde rapidamente a compostura e o sentido de humor que o caracteriza, quando é ele que está na montagem a dirigir a orquestra de todas as estigas, onde o prato forte são as alcunhas Do sorriso inicial para a cara trancada ou mesmo para a ameaça com porrada pode as vezes não demorar muito tempo, pelo que o maior risco que se corre agora é gozar com um kaenche na cara dele, sobretudo se os nossos bíceps não estiverem a altura de um diálogo mais musculado Gozar sim, mas ser gozado pode não ser bem a vocação natural do nosso angolano, pelo que o seu comportamento encaixa muito bem na história do macaco que só gosta de olhar para o rabo do outro esquecendo se que ele tem uma mukila igual ou ainda maior

    No outro dia alguém no facebook usou esta analogia para me tentar chatear, mas foi tão a despropósito/martelada a sua utilização, que eu de facto não achei graça nenhuma à comparação feita com aquele primata que tem a mania de ser muito espertalhão E não achei graça, porque de facto não fazia qualquer sentido o seu recurso no contexto da discussão que estávamos a ter, pelo que pareceu-me que a intenção do meu “challenger” era apenas a de insultar-me com a tal patetice Como é evidente levou o troco pelo câmbio mais alto, já que angolano que se preze dificilmente leva desaforo para a casa, o que teria outros riscos.

    Mas se calhar e no limite, aí poderá estar mais um exemplo de como os angolanos não acham muita graça a algumas piadas quando eles são os destinatários das mesmas onsiderando o potencial humorístico existente na nossa sociedade, com as nossas atenções de algum modo concentradas em Luanda, fácil é concluir que toda a comunicação mediática que é feita com recurso ao humor também fura muito melhor, independentemente da mensagem que se pretenda transmitir.

    A história do humor que teve por palco os médias no pós-independência, ainda está por se fazer, mas estou certo que ela reflecte bem o nosso espírito aguçado e iconoclasta, mesmo nos momentos mais soturnos do monopartidarismo, que alguns de nós gostam de tratar como tendo sido os nossos anos de chumbo, que se seguiram ao “PREC” (processo revolucionário em curso) Nunca me esqueço de ter sido chamado à segurança de estado por ter escrito (anos 80) no “nosso Pravda” uma crónica sobre a utilização do famoso cartão de abastecimento (para os bens não perecíveis), que era como ele se chamava no tempo das egrosbais e das erebimbes, apenas por ter dito que naquele ano não tinha conseguido comprar nenhum dos eletrodomésticos constantes da lista

    O meu interrogador disse-me que eu não devia ter escrito aquilo, porque o país estava em guerra e o inimigo podia-se aproveitar daquela preciosa informação Felizmente que o processo ficou por ali No humor que vamos tendo hoje via comunicação social ainda há muito poucas referências, ressaltando o facto da sua parte mais política ser a principal nota de realce, pela ausência de qualquer programa mais específico, num país onde até parece que é proibido gozar com a figura do Presidente da República Diante desta limitação, o humor político praticamente está congelado o que é muito mau para o arejamento da própria democracia, onde por razões evidentes os políticos são o centro das atenções, pelo que só mesmo por milagre passariam despercebidos das atenções sempre cirúrgicas dos humoristas de serviço Fica-se com a impressão que aqui na banda os nossos “bobos da corte” podem gozar com tudo menos com a política e os políticos, o que em termos práticos representa a retirada de circulação do naco mais saboroso de qualquer humor mais estruturado que se preze.

    Um outro reparo a fazer a este humor que (não) vamos tendo, é a ausência de um texto sólido nos programas gravados, elaborado por quem saiba escrever bem, com piada e com a profundidade/ abrangência necessária, que tem de ser o mais sintética possível, por causa do tempo que é sempre limitado.

    Do tempo e da paciência de quem consome o produto É na escrita humorística que melhor se aplica o principio do curto e grosso, pelo que muito dificilmente o improviso pode estar a altura deste desiderato Sente-se, que por ausência deste texto, há um desperdício muito grande sobretudo do tempo de televisão, pois os diálogos são geralmente fracos e pouco reveladores/criativos da realidade que se quer caricaturizar com toda a graça que for possível introduzir no sketch. (opais.net)

    por Reginaldo Silva

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