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    Marta dos Santos :A experiência de uma jurista na literatura infanto-juvenil

    Marta dos Santos

    Depois da filha ter aprendido a ler aos cinco anos de idade, o pai de Marta Santos ofereceu-lhe aquele que foi o seu primeiro livro, um exemplar da colecção infantil “Anita”, o primeiro que leu em toda a sua vida.
    Nascida no município luandense do Cazenga, aquele que era então denominado de “Congo pequeno”, a escritora Marta Maria Manuel da Silva dos Santos recorda o papel determinante que o pai teve no seu gosto pela leitura: “Ele incentivou-me a fazer sempre muitas redacções”, salienta.
    Com o apoio desse estímulo paterno, Marta foi escrevendo coisas para a família e os acontecimentos do dia-a-dia, ao mesmo tempo que lia imparavelmente e ia aperfeiçoando as suas composições, ao ponto de acabar por ganhar vários prémios na escola. “Os professores corrigiam e elogiavam os textos”, adianta.
    Apesar desse gosto pela escrita e pela leitura, confessa que nunca lhe passou pela cabeça vir a ser escritora. A sua imaginação estava mais voltada para a magia da rádio, que escutava atentamente, intrigada com aquelas vozes que tanto a fascinavam. “Dentro daquele aparelho havia um grande mundo, o que me levou, muitas vezes, a pedir ao meu pai que me permitisse um dia viver dentro do rádio”, afirma, com o sorriso de quem recorda hoje as coisas que a sua imaginação infantil era capaz de produzir.
    Pessoa modesta, simples e simpática, Marta confessa que não se vê como escritora. “As pessoas é que viram isso em mim e tentam fazer-me acreditar que tenho a arte de escrever o imaginário nos papéis virgens”.
    Com parte da vida dividida entre Angola e Portugal, a escritora deixou Luanda aos nove anos de idade para viver na província do Bié. Cinco anos mais tarde, segue para a cidade do Porto, em Portugal, onde viveu muitos anos e deixou também a sua marca. “Em Portugal, participei num concurso de talentos promovido pela revista ‘Maria’. Enviei-lhes uma simples história sobre a minha irmã e ganhei. Apesar de não ter ido receber o prémio, senti-me motivada para continuar a escrever pequenos contos, cartas e dedicatórias para pessoas que comemoravam os seus aniversários”.

    O encontro com
    Dario de Melo
    O último conto escrito por Marta Santos relaciona-se com a vida da sua mãe e chamou-lhe “O silêncio de uma lágrima”. Deu-o ao irmão, já falecido, que gostava de coleccionar os seus trabalhos. “O Zé trouxe de Portugal para Angola todos os meus trabalhos e mostrou-os a Luísa Françony, na altura directora da Luanda Antena Comercial (LAC). Através dela, os escritos chegaram às mãos do escritor Dario de Melo. Quando vim de férias a Luanda, Dario de Melo disse que precisava de falar comigo”.
    O encontro deu-se na União dos Escritores Angolanos (UEA) e foi muito marcante. “Dario de Melo olhou para mim e disse: ‘sabes o que é lixo?’. Permaneci a olhar para ele, pensando que tudo aquilo que tinha escrito era, para o Dario de Melo, lixo. Fiquei chocadíssima. Ele disse-me para pegar numa caixa e escrever nela a palavra lixo, com letras grandes, e para tudo o que escrevesse depositar dentro dela. De boca aberta, fiquei a olhar para ele, à espera do que viria a seguir. Foi então que ele me disse: ‘Quando um dia recolheres tudo o que escreveste depositado na caixa de lixo, vamos ter grandes obras’. Isto foi há 12 anos”.
    Depois da lição, Marta manifestou a Dario de Melo o desejo de escrever a biografia do músico Elias dya Kimuezo, “A Voz e Percurso de um Povo”. Em resposta, ele disse: “Se não escreveres a biografia do Elias dya Kimuezo, ninguém mais o fará porque tu és uma escritora”. Aí, eu acreditei, afirma.
    Na cidade do Porto, casou, constituiu família e formou-se em Direito pela Universidade Moderna do Porto. Concluiu, igualmente, o curso de artes plásticas que a tem ajudado muito a fazer as ilustrações das suas obras.
    Marta diz que não fica muito tempo concentrada no computador para esboçar os seus escritos, porque isso acontece em qualquer momento, “no metro, na casa de banho, a fazer limpeza, principalmente quando estou a conversar com a minha mãe, uma palavra apenas pode dar origem a um livro, pois faço anotações em papéis, até mesmo em guardanapos. Inclusive quando estava a fazer o curso superior tinha sempre tempo. Em qualquer sítio onde estiver escrevo um pouco, porque duma única frase nasce uma rica história que pode ser desenvolvida para fazer um livro.”

    Prioridade à criança
    A escolha de Marta pela literatura infantil surgiu pela constatação de “estarmos no seio de uma sociedade na qual a educação deve ser a prioridade. Em Portugal, visitei centros de acolhimento de idosos e bebi as experiências dos mais velhos, que considero bibliotecas vivas. No passado, eles foram crianças que tinham carinho e um mundo imaginário, um mar de rosas”.
    A isto, a escritora junta o facto de ver muitas crianças deixarem a escola muito cedo e dedicarem-se a trabalhar para ajudar no sustento da família. “Tudo isto me impulsiona a escrever livros infanto-juvenis, de maneira a mostrar o verdadeiro mundo às crianças, com as ilustrações, porque quando vejo alegria no rosto de um mais velho e numa criança tenho um livro infantil”, concluiu.

    Marta Santos     Responde

    Qual foi o livro que levou
    mais tempo a escrever
    ?
    Foi o “Chico Zé”. Doía-me muito escrever a história, porque a vida do “Chico Zé” são coisas que ouvi da vida do meu pai no tempo da PIDE e dos acontecimentos do tempo colonial. De cada vez que pegava na obra sofria. Por isso é que demorou muito para ser escrita. Escrevia os textos em folhas soltas e quando passava para o computador via que surgiram novas ideias que me levavam a alterar a história do livro e demorou muito em relação a outros livros.
    É difícil ser escritora?
    Quando se escreve por gosto, penso que não. O importante é saber escrever o nosso imaginário como mandam as regras literárias. Mas quando escrevemos coisas que são ficção, que se baseiam numa realidade, acredito que é difícil pensar em ser escritor.

    O que acha das obras que estão a ser publicadas por jovens escritores?
    Julgo que temos muitos bons escritores da nova geração. Mas temos outros cujas obras ainda não foram publicadas por falta de patrocínio.

    Mário Cohen

    Fonte: Jornal de Angola

    Fotografia: Rogério Tuti

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