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    Lucas Ngonda não disse a verdade

    O que Lucas Ngonda não queria dizer é o essencial da vida política do partido que “preside”. Não responder à perguntas que interessam à opinião pública, sedenta de saber as razões profundas das divergências do movimento mais influente no início da luta de libertação nacional, é um crime contra os votantes e aqueles que anseiam uma participação no processo de democratização do país. Sem a verdade, nada se pode obter mesmo quando se diz que política é uma sequência de mentiras que levam ao poder.

    No processo da vida das pessoas e das instituições, são muitos os momentos altos e baixos. Passar por eles impune é um exercício difícil mas que orgulha os vencidos e vencedores. Ter dado o contributo para causas nobres é um atributo de um vencedor mesmo quando perdemos uma batalha. Saber o norte das coisas contribui para ensinar o caminho aos outros, orientar para o benefício comum.

    Imaginemos a caminhada iniciada por homens e mulheres que conduziu o país a gesta maior, a conquista da Independência nacional. Quantos dos iniciadores viram esse dia e ou mesmo comemoraram-no com o júbilo sonhado e que os norteou na luta travada? Quantos deles vivem na indigência e esquecidos pela situação? E quantos deles continuam a sentir-se orgulhosos pela contribuição desinteressada dada ao processo e continuam eles mesmos. Muitos deles repetiriam o mesmo gesto se tudo iniciasse hoje.

    Mas, vamos então pedir ao “irmão” Lucas Ngonda que nos ajude a descobrir as grandes causas da divergência no seu “partido”. Como se transformou num tabu, vamos avivar a memória pois, assim, talvez possamos descobrir e tirar dos desavindos algumas respostas e pronunciamentos.

    O que é a FNLA afinal? Será que ela existe ainda? Quem afinal fundou o quê e quando? Pelo que sei, a FNLA foi uma frente criada para sanar a crise dos partidos políticos no então Congo sob gestão de Kasavubu e depois Mobutu Sese Seko. Os mais proeminentes eram a UPA de Holden Roberto e PDA de Kunzika Emanuel. O primeiro, com toda a história conhecida, vinha de guerras internas de liderança pois, nunca foram aceites por todos, as formas utilizadas para a sucessão dentro da “união”.

    Só justificava a criação da “frente”, as divergências e a conotação regionalista das instituições em causa pois lideravam grupos ou tendências definidas e marcadamente divergentes: a UPA liderada por Holden Roberto, originário da actual Província do Zaire, e o PDA de Kunzika Emanuel, emanação moderna do ALIAZO – Aliança dos Naturais do Zombo, referência feita aos originários da actual província do Uíge.

    Todo este movimento tem origem na chegada da colonização e a sua entrada pelo norte do actual território que constitui a República de Angola.

    Do mesmo modo o Cristianismo influenciou todo este movimento pois, com a entrada do catolicismo no século XV, houve uma alteração grande no comportamento dos habitantes da região. A fase mais marcante aconteceu no final do século 19 quando os “protestantes” da BMS – Baptist Missionary Society, chegaram a Mbanza Kongo com uma expedição vinda dos Camarões.

    Desde esta altura, processaramse vários actos dignos e plenos de liberdade, integração da população em campanhas de alfabetização e escolarização pois era objectivo dos “Baptistas” dar a conhecer o Livro Sagrado e todo o conhecimento que ajudaria a melhorar a qualidade de vida da população. Com a contribuição de autóctones, a Bíblia fora traduzida em Kikongo. Criou-se o dicionário e gramática da língua.

    Todo este movimento levou à expansão para outras regiões e foi assim que se criaram Estações Missionárias em Kibokolo e Bembe, na actual província do Uíge. Criaram-se, assim, centros do saber e cultura que ajudaram no desenvolvimento da consciência das populações e, concomitantemente, o nascimento de movimentos proféticos – Tocoísmo, e políticos – UPNA, cujos integrantes, na sua maioria, eram fruto da educação deste movimento religioso.

    Podemos afirmar que as “universidades” de Mbanza Kongo e Kibokolo disputaram a partir de uma dada época a liderança no usufruto do saber adquirido. Nos finais dos anos 40, Simão Toko cria o movimento messiânico mais importante da cultura angolana, “rebelando-se” com a liderança Baptista da altura.

    Com a criação em 1954 da UPNA, configura-se uma via de alcance da liberdade e independência para a região norte, ideia abandonada com a reconversão para UPA, incluindo neste caso todo o território, num movimento liderado na sua maioria pelos originários de Mbanza Kongo.

    Com o início da luta armada e consequente fuga dos angolanos para o Congo, acirraram-se as contradições nos movimentos que conduziam a luta pela Independência de Angola.

    Se as coisas eram mais marcantes entre os grandes movimentos em presença, se mostrava mais grave que dois co-regionais se digladiassem para a liderança necessária. Foi assim que esforços foram levados pela liderança congolesa a fim de congregar dois principais movimentos sedeados no seu território, a UPA e o PDA, criando assim a Frente Nacional de Libertação de Angola. Essa frente teve uma vida efémera apesar de continuar a ser considerada como tal. As divergências continuaram no interior da mesma. Os signatários do acordo cedo foram abandonando a ideia de união. A liderança foi ofuscando a parte liderada pelo PDA, maioritariamente constituída pelos Bazombos, originários da província do Uíge. Kunzika Emanuel e outros líderes do PDA deixam a frente. Holden Roberto é criticado pela excessiva autoridade. Os Bazombos se dispersaram em vários partidos políticos, todos contra a liderança de Holden Roberto e da estratégia adoptada para a luta contra a dominação colonial.

    Os Bazombos congregaram-se mais na UNTA – União Nacional dos Trabalhadores Angolanos e no PDA de Kunzika Emanuel.

    É com esse quadro que chegamos à Independência e subsequentemente à derrocada do protagonismo da FNLA que, no esforço para a reconstituição, continua sendo fraccionado pelos mesmos problemas que originaram a sua criação. A luta pela liderança, agora marcada pela disputa das duas regiões que demarcam bem a área Kongo de Angola. Por um lado Ngonda, “Bazombo” considerado fantoche e corrupto pelos comparsas da outra ala, sendo mesmo conotado como vendedor da causa pois aventam ter sido “comprado” com somas avultadas de dinheiro que usa para seu enriquecimento e, por outro, Kabangu, apoiado pela ala dos de Mbanza Kongo, um “infiltrado” que “aproveitando-se” da fragilidade e falta de astúcia de Holden Roberto, conseguiu penetrar na família deste, casou com uma irmã e ganhou o trono. Como “família”, mais fácil se reconhece nele conhecimentos transmitidos pelo “velho Líder” com quem conviveu até assistir ao último suspiro do “Irmão Presidente”. Os da outra ala o consideram também corrupto, arrogante e que usa mal o dinheiro do partido em seu benefício e da “família”.

    A Frente deixou de existir pois os fundamentos da sua criação morreram à nascença. De nada serve continuar com um projecto que peca pela concepção.

    Nkundula Mvemba*
    Fonte: O País
    Foto: O País

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