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    Ex-militares contestatários sentem-se à deriva e sem alento

    Kalandula dá agora o nome às mais famosas quedas de água de Angola, que no tempo colonial se chamavam Duque de Bragança. Deu também o berço em 1964 a João Albano Bonda, que se define hoje como um “morto-vivo”.

    “Não sou um morto. Não sou um vivo. Então sou um morto-vivo”, e define-se assim porque um “morto-vivo é aquele que está na cadeia e não tem direito a liberdade”.

    O seu caso é um dos 60 mil, segundo a Comissão de Ex-Militares Angolanos (COEMA), que colocam lado a lado irmãos de armas outrora inimigos e que hoje prometem sair pela terceira vez à rua na capital, à semelhança do que fizeram a 7 e 20 de junho passado.

    Nessas duas ocasiões surpreenderam os serviços de informações e de segurança e aproximaram-se do Ministério da Defesa, situado numa das entradas da Cidade Alta, onde está sediada a Presidência da República.

    João Bonda nasceu no município de Kalandula, na província de Malanje, mas a guerra civil apanhou-o então com 15 anos, e pô-lo a carregar equipamento militar, até que em 1982 foi incorporado nas então Forças Armadas de Libertação Popular de Angola (FAPLA), braço armado do regime que travava com a guerrilha da UNITA uma luta fratricida que chegou finalmente ao fim em 2002.

    Para João Bonda, a guerra ainda não terminou porque nunca foi desmobilizado.

    Clamam por justiça e por que lhes paguem o que consideram ser-lhes devido, depois de terem dado os melhores anos das suas vidas e agora acumulam anos de pagamentos em atraso.

    Oficialmente ex-militar que nunca foi desmobilizado, João Bonda depende da mulher que tem uma venda ambulante e dos biscates que arranja para atender os desejos dos cinco filhos.

    “Somos pessoas sem alento”, suspira.

    Álvaro Vilhena, 52 anos, entrou para as FAPLA em 1975 e foi afastado em 1977, pela sua intervenção no “27 de Maio”, quando o regime foi interpelado por ideais que consideravam os guardiães da pureza ideológica que questionaram o rumo da então República Popular de Angola.

    Em 1992, no rescaldo das primeiras eleições, foi novamente incorporado, porque faltavam homens que pudessem percorrer os musseques (bairros populares) para dar morte aos efetivos com que Jonas Savimbi contava para ganhar no terreno militar o que lhe fugiu nas urnas.

    “Muitos ficaram no terreno. Outros perderam a vida e estamos aqui à deriva, sem ocupação e sem saber viver. Temos que utilizar um certo modo de vivência e convivência”, confessa.

    Já foi taxista, já foi candongueiro (condutor de pequenos autocarros de transporte público) e serviu as forças armadas até à morte de Savimbi em combate, em fevereiro de 2002.

    Casado, com oito filhos, vale-lhe a mulher, que ajuda a trazer o que falta para a mesa. Álvaro Vilhena já perdeu as contas das vezes que lhe disseram que era demasiado velho.

    Álvaro Vilhena foi militar e agora juntou-se a outros como ele, cansados de irem ao banco com as guias que lhes deram e que não passam de papéis que não servem para nada.

    Os 60 mil antigos combatentes que a COEMA alega representar, vieram das FAPLA, FALA e ELNA, os antigos braços armados do MPLA, UNITA e FNLA e exigem o pagamento das pensões, subsídios ou vencimentos a que consideram ter direito e querem ser integrados na Caixa de Previdência e Segurança Social do Ministério da Defesa, em vez de continuarem inscritos nos serviços de segurança social dos Antigos Combatentes ou do regime geral, tutelado pelo Ministério da Administração Pública, Emprego e Segurança Social.

    O coordenador da COEMA, Silva Simão Mateus, furriel no exército colonial, de que desertou em 1973 para se juntar em Brazzaville ao MPLA e depois comandante das FAPLA, onde chegou a comissário político, chegou a general no âmbito do processo de reconciliação e entendimento com o regime, para ultrapassar as feridas do “27 de Maio”.

    General na reforma, Silva Mateus diz que a COEMA continua à espera de uma resposta do Presidente da República e comandante-em-chefe das Forças Armadas Angolanas, José Eduardo dos Santos, às várias cartas que lhe remeteu.

    A COEMA propõe a criação de uma comissão multissetorial que avalie a situação de todos os ex-militares, mas sem respostas de José Eduardo dos Santos, diz que lhe resta a rua para dar voz ao descontentamento.

    Silva Mateus e a COEMA veem nas eleições de 31 deste mês a oportunidade para pressionar o Governo a olhar finalmente para eles, porque, frisa “Angola e o mundo todo está com os olhos postos no que vai acontecer em relação às eleições”.

    FONTE: Lusa

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