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    Dilma caiu, mas com o benefício da dúvida. Já Temer entra na mira da população…

    Estava escrito nas estrelas que o impeachment seria aprovado. Mas não estava em nenhum roteiro prévio o que aconteceu na quarta-feira no plenário do Senado: a manutenção dos direitos políticos de Dilma. Proposta pela bancada do PT como votação em separado, e com apoio contundente e declarado do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), a inabilitação para a vida pública por oito anos de Dilma não conseguiu os dois terços dos votos e caiu. 46 senadores votaram a favor e 36 contra. No caso de Collor nos anos 1990 não foi assim: cassado, o ex-presidente perdeu junto seus direitos políticos por quase uma década.

    Fruto de negociação ou da iniciativa de senadores que querem ficar bem com todos os lados, a manutenção dos direitos públicos de Dilma transmite uma mensagem truncada para a população: a de que a presidente caiu por conta da política, mas não por crimes assim tão graves. Lhe confere, de certa forma, uma aura de inocência. É como se Dilma tivesse sido punida sem punição, tirando, é claro sua própria destituição. O resultado surpreendente vai dar muito pano para manga ainda, mas de imediato confere um refresco a Dilma e ao PT em meio a uma derrota amarga. Dá sobrevida ao discurso do golpe, por um lado, ao mesmo tempo em que oferece uma porta giratória para muitos senadores que até ontem faziam parte do governo Dilma e votaram pela sua destituição. Um modo de estar bem com todos os lados, enfim. Mais cálculo político do que qualquer outra coisa.

    Seja como for, o impeachment põe fim a treze anos de governos do PT e joga água na fervura de acirradas disputas iniciadas em 2015. Controvérsias à parte, o fato é que a partir de agora o foco muda – e este será Temer. Daqui para frente o peemedebista será diretamente avaliado pela população como presidente: o emprego, o preço do feijão, a saúde. Seu principal nó é a economia. O que virá pela frente?

    O governo Temer começa sob o espectro do pessimismo da população com a situação do país que, embora venha diminuindo lentamente segundo pesquisas, ainda segue em patamares elevados. De acordo com o último levantamento da consultoria Ipsos, 87% acreditam que o Brasil está no rumo errado (eram 94% em março). Até aqui Temer não cativou a opinião pública no seu ponto mais sensível, o bolso. Pelo contrário: de junho para agosto cresceu o número de pessoas que desaprovam a maneira como ele conduz o combate ao desemprego (64% contra 44% dois meses atrás) e à inflação (61% desaprovam contra 56% no início da sua então interinidade). Sobre aposentadorias a população começa a ficar mais informada sobre os planos futuros e não vem gostando do que lhe chega aos ouvidos: 64% desaprovam os esboços governamentais, vinte pontos mais do que em junho.

    Do ponto de vista da economia real Temer deverá colher, ironia do destino, os frutos do enorme contingenciamento de gastos promovido por Dilma em 2015, um dos mais radicais da história recente. Por conta, entre outros fatores, da retração de investimentos públicos e da recessão econômica, a inflação já vem dando sinais, desde o início do ano, de queda. Temer deverá se favorecer ainda do propalado otimismo do mercado financeiro transmutado em manchetes e notícias mais favoráveis na imprensa, ao menos no que diz respeito às chamadas expectativas de futuro – as reformas da Previdência Social e a PEC 241 que congela (e no longo prazo diminui) os gastos públicos.

    Na vida real Temer tem pela frente uma agenda impopular. Reformar a Previdência significa aumentar a idade mínima de aposentadoria, lembrando, não custa frisar, que o próprio Temer requereu sua aposentadoria como procurador do estado de São Paulo em 1996 aos 55 anos, passando a receber R$ 9.330,00 mensais. Outro ponto, talvez com mais efeitos práticos imediatos, é a desvinculação dos benefícios previdenciários do salário mínimo. A medida – prometida no documento Ponte para o Futuro, espécie de pré-programa de governo de Temer lançado quando ainda era vice – atingiria diretamente a vida de milhões de pessoas. Com particular agudeza na área rural onde a Previdência, na prática, se configura como o maior programa social do Estado brasileiro. Irá Temer adiante com isso? Não é certo. Ao menos até outubro quando ocorrem eleições municipais. Reformas da Previdência vem acontecendo desde os tempos de FHC – Lula e Dilma também fizeram as suas – sempre encontrando enormes resistências. É possível que no mundo mágico das expectativas de mercado, Temer venha acenando com mais do que ele próprio e o novo establishment político estejam de fato propensos a entregar.

    Nos últimos dias do processo de impeachment, tanto nos discursos de Dilma, de senadores do PT e da própria nova situação (PSDB e PMDB), prevaleceu a ideia de que o impeachment marcará também uma guinada de projeto político de longo prazo para o país. Aquele projeto escolhido pelos eleitores em 2014, e que mal ou bem sinalizava para um país mais justo socialmente e menos desigual, parece arquivado. Sem o aval explícito da urna, vai se desenhando um horizonte diferente, certamente mais conservador no âmbito da moral e liberal do ponto de vista econômico. A proposta de reduzir gastos públicos de forma estrutural, a PEC 241, aponta nesta direção como a mãe de todas as metas. Mas como de hábito nossos liberais costumam gostar bastante da máquina do Estado – de seus cargos, benesses, isenções, estímulos – não é nada claro até onde a corda será esticada.

    Agora definitivamente instalado no centro do poder central, o PMDB não dá sinais de que deixará de fazer da ambigüidade sua força motriz. Haja vista o surpreendente resultado do impeachment no Senado de Renan e que afastou Dilma dando-lhe o benefício da dúvida. A ver cenas dos próximos capítulos. (Yahoo)

    por Rogério Jordão

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