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    A “Silicon Valley” das farmacêuticas onde é produzida a vacina da Pfizer

    Nos solos arenosos à volta da pequena cidade de Puurs produzem-se espargos. São reconhecidos como dos melhores da Bélgica: com tenros rebentos e um caule de fibras suaves. São uma iguaria que há vários anos conta com um festival gastronómico, a abrir a época estival.

    Mas, em 2020, o município foi forçado a anunciar o adiamento da festa que tem até uma gala de prémios para distinguir notáveis da região. A razão, como todos podem imaginar, foi a pandemia. A festa do witte goud, – que quer dizer ouro branco, numa referência à cor da variante de espargos mais produzida por ali – ficou, por isso, adiada.

    Mas a expectativa é que se possa realizar já em 2021, tal é a importância na cultura local, mas também o impacto económico gerado pelo cultivo industrializado de espargos, desde o século XIX, e que, em 1952, formaram a base do menu servido aos convidados na cerimónia de coroação da rainha Isabel II, de Inglaterra.

    Mas o nome da cidade belga é ainda mais conhecido por associação à cerveja Duvel, que sai dali directamente para mais de 40 países, engrossando as exportações de um sector que vale 4000 milhões de euros, equivalentes a cerca de 1% do PIB do país. Porém, ao chegar a Puurs, são as fábricas do sector farmacêutico que mais se destacam, no perfil do horizonte, na zona industrial.

    São um motor para a economia da região, gerando empregos para milhares de pessoas. É em Puurs que está instalado o Pharma Valley, com três gigantes do sector e “inúmeras startups” farmacêuticas. No conjunto, geram-se “mais de 5.500 empregos”, conta, ao DN e à TSF, o autarca da cidade, que, em vários roteiros turísticos, é confundida como uma aldeia, dada a sua dimensão.

    Koen van den Heuvel é o burgomestre há 24 anos e conhece a cidade como ninguém. A recente fusão alargada de freguesias na Flandres fê-lo autarca de quase 27 mil munícipes. Assistiu ao boom das farmacêuticas que cresceram à volta da fábrica da Pfizer de Puurs, que é uma das maiores unidades de produção de medicamentos em todo o mundo.

    A fábrica de Puurs “é especializada na produção de vacinas”; no ano passado, saíram daqui “mais 400 milhões de doses” da Prevenar-13, destinadas à imunização de bebés, crianças e adultos, “nos países em desenvolvimento”, contra uma variante de pneumonia causada pela bactéria Streptococcus.

    “Na Primavera” deste ano, já com metade do mundo confinado, “em Maio”, o administrador da Pfizer telefonou a Van den Heuvel para lhe dar uma notícia.  “Até ao final do ano, a fábrica de Puurs produziria milhões de doses” da vacina da Covid-19, que já se encontrava em investigação. A decisão vinha de cima, “do quartel-general da Pfizer, em Nova Iorque”.

    Com as várias etapas de produção da vacina a decorrer em simultâneo, em Outubro, a unidade de Puurs pôs as máquinas a todo vapor, para multiplicar o material biológico, a partir do qual está a produzir milhões de doses da BNT162b2, a molécula de RNA mensageiro, que contém as instruções genéticas que dão origem aos característicos espinhos do novo coronavírus.

    “Quando uma pessoa recebe a vacina, as suas células leem as instruções genéticas e produzem a proteína spike (espinhos). O sistema imunitário da pessoa vai então tratar essa proteína como estranha e produzir defesas naturais (…).

    Se, posteriormente, a pessoa vacinada entrar em contacto com o Sars-CoV-2, o sistema imunitário reconhecerá o vírus e estará preparado para o atacar”, descreve a Agência Europeia de Medicamentos sobre a vacina que a Pfizer desenvolveu, em conjunto com o laboratório alemão BioNTech.

    O burgomestre não esconde o “orgulho e a satisfação” por a fábrica, que se instalou em Puurs há década e meia, quando adquiriu as instalações da histórica farmacêutica Upjohn, estar a produzir “a vacina”. Van den Heuvel conta que a história da indústria farmacêutica em Puurs se iniciou “no final dos anos de 1950, início dos anos 60, quando a vila ficou acessível, através de um conjunto de novas estradas”, nomeadamente, “para Antuérpia e para Bruxelas”.

    O período coincidiu com um conjunto de iniciativas do Governo a meio da década de 60, que “lançou uma série de novas leis, para tornar a Bélgica atractiva para o investimento estrangeiro”. Naquela altura, os grupos farmacêuticos viram em Puurs o local ideal para se instalarem.

    “O nosso melhor activo é que se pode exportar produtos desde Puurs, por barco ou por avião, de forma muito rápida. Em menos de 30 minutos, chega-se ao aeroporto de Bruxelas ou ao porto de Antuérpia. É algo muito importante e é uma enorme mais-valia, se estiver a produzir para exportar globalmente”, salienta o autarca, a pensar em particular na produção da Pfizer que, a partir dali, “envia 99% das vacinas para o resto do mundo”.

    De acordo com os dados da agência belga para o Comércio Externo, em 2018, o sector biofarmacêutico representou 117,5 milhões de euros de exportações por dia, com 46,3% de todas as exportações biofarmacêuticas do país destinadas ao mercado fora da União Europeia, principalmente os Estados Unidos, o Canadá e a China.

    “Esses números de exportação somam um saldo comercial farmacêutico positivo de 6,8 mil milhões de euros. A Bélgica ocupa o terceiro lugar nas exportações mundiais de produtos biofarmacêuticos, que totalizaram 42,9 mil milhões de euros em 2018”, refere a agência.

    Nos últimos anos, só a Pfizer investiu mais de “700 milhões de euros, em Puurs”, e cerca de “14% do investimento é dedicado à investigação” de novos produtos farmacêuticos. Em Puurs, produz-se “ampolas, frascos para injectáveis, frascos de plástico, seringas e cartuchos para canetas injectáveis”. Recentemente acrescentaram uma unidade para a produção de seringas já preparadas com a vacina.

    “Sim”, responde o autarca, entre uma gargalhada, à observação de que a cidade é algo como um Silicon Valley da indústria farmacêutica. “Costumo dizer sempre que temos um pequeno Pharma Valley em Puurs”, afirma. “Também temos uma fábrica da empresa Alcon, que é uma unidade da farmacêutica americana.

    E temos algumas startups locais, da Flandres, no sector farmacêutico. Juntas têm mais de 5.500 pessoas a trabalhar”, afirma o burgomestre, salientando que “mais de metade dos funcionários da Pfizer vive à volta da fábrica, num raio de dez quilómetros”.

    Silicon Valley, ou Vale do Silício, em Português, está localizado na parte sul da região da Baía de São Francisco, na Califórnia, EUA, e abriga muitas startups e empresas globais de tecnologia. Apple, Facebook e Google são algumas das mais conhecidas.

    Na região, também há instituições com foco em tecnologia, estabelecidas próximas à Universidade Stanford, em Palo Alto. O Museu da História do Computador e o NASA Ames Research Center ficam em Mountain View. O Tech Museum of Innovation fica em San José.
    Muito emprego
    Só a Pfizer emprega mais de 3.000 funcionários e está a contratar. Na frente envidraçada da entrada principal, onde funciona a recepção do complexo fabril, vê-se uma tarja em que, pela transparência possível do reflexo espelhado, se pode ler o endereço de e-mail para novas candidaturas, em que a palavra “emprego” salta à vista: jobs@pfizer.com.

    “No mês passado, já houve contratações suplementares para produzirem a vacina”, anuncia o autarca sobre “a fábrica da Pfizer, que aumentou para o dobro, na última década, de cerca de 1.500 trabalhadores, até agora mais de 3.000”. “Temos uma taxa de emprego superior a 80%, o que é muito elevado para a Bélgica.

    E temos uma taxa de desemprego à volta de 3%. É um dos melhores resultados no nosso país. Isso deve-se ao sector farmacêutico, nomeadamente à fábrica da Pfizer”, considera. “É muito importante para a economia local”, pois não se trata apenas de trabalhadores altamente qualificados nos laboratórios.
    “Há também emprego para pessoas na manutenção, limpeza, há pessoas a trabalhar nas cozinhas. É muito diversificado. Depois há também trabalhos suplementares para fazer, por exemplo, na logística. Há pessoas a trabalhar no sector da logística para transportar as vacinas para o aeroporto.” A azáfama é grande por estes dias.

    Quem por ali passa nota que não é só um movimento ora constante ora espaçado de camiões. Há também funcionários da segurança e, algumas vezes, Polícia nas imediações. Mas o reforço para garantir a protecção do sector estratégico não é de agora.

    “Desde o 11 de Setembro, há quase 20 anos, mais ou menos, a fábrica da Pfizer é estritamente protegida”, esclarece Van den Heuvel . Ou seja, o nível de segurança “já era alto, antes da protecção da vacina da Covid”. Porém, é verdade que “nas últimas semanas os nossos agentes de Polícia estão a controlar e passam um bocado mais do que antes”, reconhece, embora sem registo de incidentes.

    Em Puurs a expectativa em torno da vacina “é grande”, afirma o burgomestre. “Recebo muitas perguntas e pedidos dos habitantes: Presidente, pode fazer alguma coisa para sermos vacinados antes de todos?”, conta o autarca, num tom humorado.

    “Mas, como se está a ver, a resposta é não, porque a Pfizer tem contratos com os Estados Unidos, com o Reino Unido, com a União Europeia. “Os munícipes de Puurs receberão a vacina ao mesmo tempo que todos os outros, de acordo com a lista de prioritários, definida pelo Governo federal”, acrescenta.

    Sem uma certeza sobre o grau de imunidade que virá a ser alcançado com os programas de vacinação, mas tendo como referência o aviso da Organização Mundial da Saúde, de que o primeiro semestre de 2021 ainda será fatalmente marcado por muitas infecções, o futuro do festival do espargo, agendado para Maio, em Puurs, arrisca-se também à incerteza.

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