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    Miguel Díaz-Canel assume presidência de Cuba

    Quase seis décadas depois, a liderança de Cuba deixou de estar a cargo de um Castro. Raúl Castro entregou esta quinta-feira o poder a Miguel Díaz-Canel, um engenheiro afastado das lides militares que nasceu depois da revolução. Apesar das diferenças, mantém o pensamento castrista. Tem à sua frente longos desafios políticos e económicos e, pelo menos nos próximos anos, continuará a contar com a sombra de Raúl Castro. Será um trunfo ou uma limitação?

    Sem qualquer surpresa, a Assembleia Nacional de Cuba aprovou esta quinta-feira a eleição de Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez como presidente do Conselho de Estado e de Ministros de Cuba. Aquele que já era o número dois de Raúl Castro desde 2013 assume-se agora como o primeiro de Chefe de Estado cubano desde a revolução que não transporta consigo o apelido Castro.

    Apesar de fiel seguidor do pensamento de Fidel e Raúl, o percurso de Diaz-Canel dificilmente poderia ser mais diferente. O novo presidente cubano nasceu já depois da revolução de 1959, que conduziu Fidel Castro ao poder. Formado em engenharia eletrónica, começou a sua carreira como professor universitário.

    Chegou em 1994 ao cargo de primeiro secretário do partido único cubano na sua província, num momento difícil para Havana. O país vivia uma crise profunda no seguimento do colapso da União Soviética e do fim dos subsídios atribuídos por Moscovo.

    A entrada na política nacional vai-se desenhando. Em 2003, Diaz-Canel ingressa na Comissão Política do partido, principal órgão de direção, no qual têm assento apenas 15 membros, entre eles o primeiro-secretário do partido.

    A sua ascensão junto dos dirigentes cubanos e da família Castro prossegue até que, em 2009, é convidado por Raúl Castro para assumir a chefia do Ministério do Ensino Superior. O ano de 2012 traz-lhe nova promoção: uma das oito vice-presidências do Conselho de Ministros.
    Herdeiro de Castro

    A derradeira prova de confiança e a convicção de que seria ele herdar a dinastia Castro surgem em 2013. Surpreendentemente, Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez acede ao cargo de vice-presidente do Conselho de Estado. Ou seja, a número dois do regime cubano, ficando mesmo acima de José Ramon Machado Ventura, companheiro de luta da família Castro e reputado membro do Partido Comunista Cubano.

    A sua nomeação é, em si, uma pequena revolução. Ao contrário dos Castro, o caminho de Díaz-Canel fez-se na academia e na burocracia partidária. O novo Presidente de Cuba não carrega com ele o longo caminho revolucionário perpetuado por Raúl e Fidel.

    Antes da revolução, Fidel foi condenado a 15 anos de prisão, tendo cumprido apenas dois anos, exilando-se no México até à eclosão da Revolução Cubana, no início de 1959. Ao seu lado estiveram sempre Ernesto “Che” Guevara, mas também o irmão, Raúl Castro.

    Fidel foi a voz de Cuba durante momentos tão marcantes como a invasão da Baía dos Porcos ou a Crise dos Mísseis de Cuba, que colocou Estados Unidos e União Soviética em rota de colisão, preparadas para um confronto nuclear no auge da Guerra Fria. O irmão Raul seguiu sempre de perto a vida política e acompanhou Fidel nos principais momentos – antes e pós-revolução – mas dedicou-se sobretudo a dirigir as Forças Armadas durante as várias décadas de poder de Fidel.
    Na sombra de Raúl?

    Diaz-Canel não viveu de perto os grandes momentos da história cubana mas assimilou o pensamento dos heróis da revolução. Tem sido devidamente preparado para assumir a função e por várias vezes representou Raúl Castro em deslocações ao estrangeiro. Não tem o dom para a oratória com que Fidel seduziu Cuba mas tem trabalhado a sua presença mediática nos últimos tempos.

    Não se esperando – pelo menos para já – grandes alterações no regime cubano, a verdade é que Diaz-Canel traz um novo ar de modernidade ao regime. Tem sido um grande defensor do acesso à internet na ilha, troca a farda militar dos dirigentes atuais pelas calças de ganga e aparece frequentemente acompanhado de um tablet. Diaz-Canel defende ainda que se permita o surgimento de uma imprensa minimamente mais crítica do regime.

    Apesar dos pequenos avanços, o sucessor dos Castros é parco nas entrevistas e opõe-se à existência de portais de informação independentes na internet. Foi também muito crítico em relação a diplomatas pouco contidos nas críticas ao regime e à oposição, que continua a ser ilegal na ilha.

    Apesar de chegar ao mais importante cargo do país, Miguel Diaz-Canel apresenta-se de poderes limitados. O presidente de Cuba liderará o Conselho de Estado e de Ministros mas não será o primeiro-secretário do partido único. Até 2021, Raúl Castro deverá permanecer no cargo.

    A sombra castrista estará ainda bem presente no Ministério do Interior, entidade que tem a tutela da polícia e das ações de repressão dos cidadãos e que tem Alejandro Castro, filho de Raúl, como uma das personalidades mais influentes.

    Raúl, um trunfo de Miguel?

    Neste novo momento da vida cubana, a presença de Castro poderá ainda ser um trunfo para Miguel. O auxílio necessário para construir a imagem presidencial de Diaz-Canel, num país habituado a líderes fortes e a uma grande influência das fileairas militares por onde o novo Presidente tem escassa experiência. “O perfil de Miguel Diaz-Canel é mais fraco. Não tem um poder para lá daquele que lhe é atribuído”, explica o especialista em assuntos cubanos Arturo Lopez-Levy, ouvido pela France Presse.

    “Vamos ver qual a capacidade de afirmação de Miguel Díaz-Canel e se a sombra de Raúl Castro será mais um empecilho ou uma tutela que o ajudará a consolidar o seu poder os próximos meses e anos”, explicita Filipe Vasconcelos Romão, especialista em Assuntos Internacionais.

    Ouvido pela Antena 1, o comentador Filipe Vasconcelos Romão considera desde já que o facto de a liderança do país ficar a cargo de uma pessoa mais nova tem “sempre um peso importante”. No entanto, avisa que “no essencial, as grandes linhas políticas do regime estão para manter-se”.

    Esta é também a opinião apresentada pelo New York Times. O diário norte-americano conta que o partido construiu de Díaz-Canel a imagem de um político “modesto e moderno”, que “usa um iPad, é fã dos Beatles e dos Rolling Stones”, mas não deixa de ser um discípulo, seguidor imaculado dos dois únicos líderes que viu ocuparem a Presidência do país.

    “Não é de esperar uma rutura significativa com o passado, até porque a maioria dos responsáveis – incluindo os líderes históricos da velha guarda – nasceram da barriga da Revolução”, escreve Christopher Sabatini no diário norte-americano.

    É ainda de sublinhar que Miguel Díaz-Canel chega à presidência de Cuba sem apresentar qualquer programa, pelo que seguirá as diretrizes adotadas pelo partido e preparadas pelos Castro. O comentador Filipe Vasconcelos Romão considera que é no domínio económico que se podem esperar mudanças mais significativas, dando seguimento ao que já tem vindo a ocorrer desde a chagada ao poder de Raúl Castro.

    A economia cubana permanece com parco crescimento, baseando-se atualmente num sistema de duas moedas: o peso cubano, de valor insignificante, e o peso internacional, que está quase ao nível do dólar. Havana nunca conseguiu recuperar totalmente do fim dos subsídios que recebia da União Soviética nos anos 90. Mais recentemente tem ainda sido afetada pela crise política e social da Venezuela, seu grande aliado.

    Entre as reformas encetadas por Raúl Castro encontram-se a abertura da economia às pequenas empresas privadas, para além do processo de normalização das relações diplomáticas com Washington. Iniciado por Barack Obama, o processo sofreu retrocessos com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, apesar da reinstalação de Embaixadas e de terem sido retomados os contactos diplomáticos. (RTP)

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