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    Barros Licença: “Os casos de contrafacção são numerosos”

    Barros Licença, director geral do Instituto da Propriedade Intelectual. Foto: Quintiliano dos Santos
    Barros Licença, director geral do Instituto da Propriedade Intelectual.
    Foto: Quintiliano dos Santos

    A insensibilidade e mesmo desconhecimento por parte da classe empresarial, segundo Barros Licença (director-geral do Instituto Angolano da Propriedade Industrial – IAPI), no registo da propriedade industrial remete-os ao risco de contrafacção de produtos sem que a protecção necessária do Estado se faça sentir.

    O que significa “propriedade industrial”?

    Quando falamos de propriedade industrial estamos a falar de patentes, marcas ou sinais distintivos de comércio e indústria, de novos estabelecimentos, insígnias e os nomes que se atribuem aos produtos.

    Estamos a falar de invenções e os aperfeiçoamentos que possam ter, como acontece em todos os países. Os sinais distintivos de comércio estão sempre em número superior relativamente às patentes e na nossa realidade a diferença é ainda abismal.

    Porquê?

    Estamos a falar de cerca de 33 mil processos de marcas. Nas patentes só temos três mil. Por exemplo, até Outubro de 2012 tínhamos 33.710 processos respeitantes às marcas. Nas patentes registamos apenas 2.691 processos e o facto a reter é que, desse número, 92 dizem respeito a nacionais, sendo os restantes estrangeiros. Esta é a propriedade industrial que temos em termos quantitativos. Está ainda muito aquém daquilo que é a grandeza do nosso país – que precisamos transformar em desenvolvimento. E só vamos transformar se diversificarmos a actividade económica e investirmos na inovação.

    E de que forma se pode alterar esse quadro?

    Com educação, consciencialização e também com a tomada de medidas pertinentes. Temos por exemplo a estratégia nacional de ciência, tecnologia e inovação. É preciso operacionalizá-la, o que significa criar outros instrumentos como aconteceu noutros países.

    As experiências boas devem ser aproveitadas para a nossa realidade.

    Conhecemos com alguma profundidade o Brasil e a China, onde realizamos visitas de estudo comparado.

    Que ilações retiraram das visitas aqueles países?

    Constatámos que, a partir de determinada altura, apresentou-se um grande desafio ao Estado brasileiro.

    Tinha sido despoletado um conflito na indústria farmacêutica em que os americanos acusavam os brasileiros de estarem a imitar ou a contrafazer os seus produtos.

    Mas o Brasil tinha necessidade de se inserir no mercado internacional. Então a presidência da República brasileira chamou a si a questão da propriedade industrial e intelectual. Ter uma estratégia nacional, sem operacionalizá-la, não faz sentido.

    O que falta para isso acontecer?

    Não temos uma lei de patentes, nem de marcas, nem sobre indicações geográficas. O nosso país tem potencialidades agrícolas e as indicações geográficas configuram aquilo que chamamos de marcas colectivas. Devemos indicar a proveniência do produto. Por isso é que vemos aquela expressão Made in Angola ou Fabricado em Angola, que se enquadra nas indicações geográficas. A essência é a qualidade que os produtos apresentam em função da região em que são produzidos ou das especificações técnicas.

    Neste contexto, o que significam “especificações técnicas”?

    Quando falamos das questões técnicas referimos, por exemplo, as marcas ISO. Os produtos elaborados segundo esta norma já têm garantia de qualidade e o consumidor atento vai comprar em função daquela indicação.

    E como se protege?

    É com base nas relações bilaterais ou multilaterais. Muitas vezes reclama-se que a Europa não aceita que os nossos produtos vão para lá. Se você não produzir segundo uma norma que dê garantias de qualidade, o produto não tem qualquer aceitação no mercado internacional.

    Se satisfazer aqueles requisitos pode exportar. Muitas pessoas ficam reticentes alegando estarmos a proteger interesses alheios.

    Não são interesses alheios. Aqui é recíproco, porque se o Estado fala em inserir competitivamente o país no contexto regional e mundial, isto terá que ser feito com qualidade, inovação e produzindo Segundo determinados padrões internacionalmente aceites.

    As marcas estrangeiras com presença em Angola também estão obrigadas a se registar no IAPI?

    Toda e qualquer marca precisa merecer o reconhecimento do IAPI, caso contrário não há protecção.

    Que vantagens nos trazem essa protecção?

    Barros Licença2Qualquer um de nós tem interesse em proteger o seu bom nome. Se não proteger a sua marca ou patente, mesmo que o produto tenha muita aceitação, um terceiro elemento poderá aproveitar-se da situação fabricando produtos iguais, mas com baixa qualidade, e colocar a sua marca vendendo-o a baixo custo. Isto não é só prejudicial para o empresário cujo produto está a ser contrafeito, como para o próprio Estado, porque quem faz a contrafacção tendencialmente desencadeia a fuga ao fisco. Outra das hipóteses é, por exemplo, começar a surgir no Mercado um produto nefasto.

    Que consequências pode trazer?

    Se tiver o nome de uma empresa notável, a mesma será responsabilizada. Daí que as marcas não são concebidas de qualquer maneira, havendo características e códigos próprios que permitem distinguir o verdadeiro do falso.

    Têm surgido muitos casos de contrafacção em Angola?

    Sim. Os cidadãos nacionais procuram imitar aquilo que já existe. Para os nacionais acho que é alguma ignorância, mas também existem alguns cidadãos estrangeiros residentes aqui que, por manifesta má-fé, falsificam bens. Há a tentativa de registar como suas marcas e patentes já existentes. Temos procurado, na medida do possível, chamar as pessoas para tentar aproximá-las.

    Não acha que a fraca aderência se deve à falta de visibilidade do IAPI?

    De certa maneira sim, embora discordemos um pouco. Nós aparecemos em vários órgãos de comunicação social só que não podemos obrigar as pessoas a lerem os jornais.

    Realizamos algumas acções mas temos também consciência de que não são suficientes. Precisamos divulgar mais o nosso papel e até promover nos currículos escolares a introdução destas matérias.

    A retracção que existe não se deve aos elevados custos praticados?

    Até há cerca de três anos esta era uma das razões – temos que reconhecer. O IAPI estava muito pressionado com trabalho acumulado. Muitos que aqui afluíam acabaram por desistir. Mas essa situação já foi invertida. Se em 2009 a media anual era 2 mil processos, nestes últimos anos já representa quase o dobro. Está em curso o processo de informatização em que a comunicação privilegiada será por via electrónica. Relativamente à questão de custo: não se coloca.

    Porquê?

    Para o registo de uma marca, desde o início até ao fim do processo, o usuário não paga mais do que o equivalente a 100 dólares. Quando há serviços da Conservatória do Registo Comercial em que, se for uma sociedade comercial que tenha de capital de 100 mil kwanzas, paga-se o equivalente a mil dólares. É o mínimo que paga um comerciante individual.

    O país tem poucas indústrias ainda. Até que ponto isso interfere na vossa actividade?

    Em Angola, mesmo não sendo um país industrializado, a actividade económica é intensa, porque quando falamos de marcas estamos a falar de distintivos da actividade económica, onde estão inseridos a indústria e o comércio. E se estamos a dizer que o nosso país está a crescer economicamente é porque está a resultar de alguma actividade: e os indicadores dão-nos conta que não é só o sector petrolífero. Já estamos a sair da dependência quase exclusiva do petróleo e dos diamantes. Até 2009 tínhamos 22 mil processos, hoje estamos a falar de 37 mil processos.

    Angola está muito atrasada em relação aos países da SADC, nomeadamente a África do Sul e Namíbia?

    A única excepção é a África do Sul. Este país está muito desenvolvido nas matérias de protecção intelectual.

    Os demais países não têm grande avanço comparativamente a Angola. Nas questões de análise de patentes o que é aceitável é, no mínimo, ter licenciatura. O único técnico que aqui está nem é licenciado. Já tivemos um período crítico com reclamações por parte dos usuários. HORTÊNCIO SEBASTIÃO (Novo Jornal)

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