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    A tradição e a modernidade do Carnaval de Luanda

    Resultante das festividades afins do Entrudo português, caracterizado por grandes bailes, o Carnaval de Luanda sofreu várias mudanças ao longo do tempo, mas conserva as marcas da ancestralidade.

    Por António Neto, jornalista da ANGOP

    O acto central do Carnaval da Vitória, ocorrido a 27 de Março de 1978, marcou a ruptura com a tradição carnavalesca trazida pelo colono português.

    A história desta festa do povo está intrinsecamente ligada à figura do primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, que, num discurso realizado no município do Cazenga, apelou à celebração das vitórias conquistadas pelo país, sendo assim designando ‘Carnaval da Vitória’.

    Actualmente, a festa tem o ponto alto nos desfiles de carros alegóricos e de grupos de dança na Nova Marginal de Luanda.

    Engalanados com diferentes fantasias, regadas de cores vivas, os grupos carnavalescos desfilam com trajes tradicionais, batuques, latas, reco-reco, marimba e apitos e, ao som de diversos estilos musicais, como a Kazukuta, a Dizanda e o Semba, partilharam a conquista de todos.

    Ao longo dos anos, o Carnaval de Luanda tende a agregar valores que o levam à modernidade, com a sonoridade, entre outros aspectos técnicos, tanto nos grupos como no local de desfile, a proporcionar uma ruptura positiva em relação ao Carnaval antes dançado.

    A metamorfose na forma de dança

    Segundo a anciã e conselheira do grupo União Kiela, Isabel Ventura, que faz parte da segunda geração do Carnaval de Luanda, o colectivo dança predominantemente o estilo Semba, mas antes era o Kabrota.

    Conta que, certo dia, no óbito de um dos mais velhos (João) do bairro, os homens questionaram o facto de as mulheres cantarem apenas nesse tipo de cerimónia.

    Em consequência disso, segundo Isabel Ventura, as mais velhas aconselharam as jovens a darem por terminado o Kabrota e abraçarem o Kiela.

    Quanto à forma de se dançar, a conselheira defende a sua época, considerando que os grupos dançavam melhor, referindo, no entanto, que cada tempo tem uma maneira.

    “Naquele tempo, a nossa forma de dançar era outra; neste as meninas dançam de outra forma”, sublinha.

    A mais velha recorda, com nostalgia, o período em que o Carnaval era dançado nas ruas, quando os colectivos se ‘digladiavam’ em busca da proeza.

    O desfile dos agrupamentos acontecia na Avenida 4 de Fevereiro, onde apenas se representavam com bandeiras e batuques, sem os actuais carros alegóricos nem outros meios.

    A presidente e comandante do União Kiela, Maravilha dos Santos, que faz parte da terceira geração do Carnaval de Luanda, lembra que começou a dançar com cinco anos.

    Relativamente à diferença entre as épocas (segunda e terceira), diz que hoje, na terceira geração, o quesito dança ganhou mais velocidade, embora os grupos continuem a dançar mais o Semba.

    “Antes, os grupos dançavam com uma cadência mais lenta, mas hoje decidimos acelerar um pouco mais, para ficarmos mais próximos do ritmo mais juvenil”, esclarece.

    Em relação à música, a comandante do Kiela considera ter havido mudanças significativas, uma vez que se cantava mais em português do que em kimbundu.

    Neste quadro, a responsável lamenta que alguns grupos estejam a perder a essência e a tradição do Carnaval, na medida em que muitos fogem do padrão da cultura nacional.

    Sobre o Carnaval de Rua, declara que a sua agremiação continua a praticá-lo, mas somente a nível do bairro (Sambizanga), visto que a sua extensão para as outras zonas depende da segurança.

    “Temos medo, porque determinadas pessoas procuram atingir-nos com pedras e garrafas”, desabafa.

    Informa que a sua agremiação não dançava apenas o Carnaval de Rua no Sambizanga, mas também em vários pontos, entre Cazenga, Kinaxixi e Prenda, e a festa ia até à madrugada.

    Já o presidente do grupo União Kazukuta, do Sambizanga, David Júnior, que faz parte da segunda geração, avança que existia uma diferença entre o Carnaval da primeira e segunda gerações, visto que a primeira actuava nas ruas e os colectivos contavam com a ajuda dos comerciantes na época.

    Relativamente à competitividade, considera que era forte, dado que não havia gravação das músicas e os grupos tinham de dançar ao som dos instrumentos tradicionais.

    “Actualmente, não fazemos gravações, o que tira a essência do Carnaval”, lamenta.

    Para o preparador e vocalista do grupo, Pedro Mateus, actualmente os foliões estão atentos apenas ao Carnaval na Marginal de Luanda, sendo que, no passado, as pessoas esperavam pela festa nas ruas, à porta e varanda de casa.

    Quanto aos passos de dança, o vocalista declara que sofreram mudanças, exemplificando com o facto de que os passos da Kazukuta antiga não sejam, actualmente, classificados pelo júri.

    Poly Rocha, um dos rostos mais visíveis do grupo União Recreativo Kilamba, entende que o Entrudo é, hoje, visto de uma forma mais evoluída, uma vez que foram queimadas etapas que levaram ao Carnaval que agora se faz.

    A festa, reforça, acarreta consigo uma grande influência da globalização, o que aponta como um ganho.

    “Hoje, estamos no século XXI e, obviamente, muitas coisas devem mudar em relação ao Carnaval do século XX. Agora há mais cor, mais alegria, mais folia”, considera.

    Poly Rocha sublinha que o trabalho deve estar dentro daquilo que são os conceitos dos usos e costumes do Carnaval de Luanda, em particular, e de Angola, em geral.

    “Ainda estão bem patentes os hábitos do nosso Carnaval. Ainda se encontram nos grupos os gentios, a corte, as bessanganas, os pescadores, a ala do xinguilamento, traços marcantes da nossa cultura”, descreve.

    Poly Rocha, que faz parte da terceira geração, é de opinião de que a falta de apoio aos grupos constitui uma das grandes preocupações.

    A grande festa do povo está marcada para sábado (18), com o desfile dos grupos infantis. Domingo (19) e segunda (20) estão reservados para as classes B e A, respectivamente.

    Os desfiles decorrem a partir das 16 horas, na Nova Marginal de Luanda, e, no dia 21, será realizado o Carnaval de Rua.

    No dia 22, serão divulgados os resultados e a cerimónia de entrega de prémios está agendada para 25 de Fevereiro.

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    FonteANGOP

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