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    O uso das redes sociais na formação de perfis marcados pela intolerância

    Hoje socorremo-nos de um estudo sobre “Ódio e intolerância nas redes sociais digitais” realizado por Jaqueline Carvalho Quadrado e Ewerton da Silva Ferreira, ambos do programa de Pós-graduação em Políticas Públicas, da Universidade Federal do Pampa, São Borja, RS, Brasil.

    O ponto de partida do seu trabalho é a pergunta “em que medida o ódio e a intolerância nas redes sociais digitais constituem um risco frente ao Estado democrático de direito?” Ao mesmo tempo que a Internet se vai afirmando cada vez mais como um espaço do contraditório e de denúncia também cresce o uso intensivo das redes sociais digitais na formação de perfis marcados pela intolerância, ódio e pelo radicalismo.

    De acordo com os autores, as redes sociais digitais explicitaram a emergência de produção e de circulação de enunciados de protesto, portanto, situações de enfrentamento, lutas políticas e ideológicas.

    Evidencia-se, assim, o potencial dessas redes sociais de se constituírem como espaços contemporâneos para publicitar a produção dos próprios sujeitos envolvidos no evento como alternativa a outras mídias como, por exemplo, jornais e revistas, pertencentes às grandes empresas de comunicação que, por vezes, corroboram os interesses de uma classe hegemónica representante do discurso oficial. Diariamente, surgem polémicas e debates nas redes cujos participantes parecem tomados por uma fúria cega contra toda e qualquer opinião divergente.

    Há uma relação directa entre esse tipo de comportamento e a racionalidade dos algoritmos, responsáveis pela distribuição e organização de dados nas redes sociais. O problema é que quase ninguém tem consciência disso. O algoritmo contribui para a busca do reconhecimento dos discursos e acções odiosas por outros sujeitos, que pensam de forma homogénea e em oposição às diversidades e o pluralismo social.

    Ao encontrar eco estas vozes ampliam os espaços para a livre manifestação e o apoio de outros sujeitos. Há um clima de radicalização política permanente na web e, de repente, em torno de qualquer assunto, formam-se dois ou mais blocos de opinião diametralmente opostos, sem nenhum espaço para mediações.

    As pessoas refutam, com os argumentos mais simplistas, todo questionamento às suas opiniões a respeito do assunto do dia, ainda que seu nível de conhecimento sobre o mesmo seja mínimo.

    Portanto, concluem os autores, a Internet está a contribuir para a banalização de um tipo de maniqueísmo político radical, que inconscientemente acaba por impugnar o debate de ideias, o espaço do contraditório, e isso tem muito a ver com o funcionamento dos mecanismos de selecção de dados e informação utilizados por plataformas como o Google ou o Facebook. (…)

    “A maior contribuição prestada por esse modo de se comunicar, foi a mudança comportamental, uma vez que passou a pôr em evidência um comportamento mais inflexível, insensato, no qual os indivíduos tanto são um produto da sociedade quanto um iniciador de normas sociais.

    De acordo com o psicanalista Contardo Calligaris (apud PEREIRA, 2017), “nas redes sociais, é possível expressar o seu ódio, dar a ele uma dimensão pública, receber aplausos pelos seus amigos e seguidores.

    Ou seja, as redes sociais produzem uma espécie de validação do seu ódio. Para Santos e Silva (2016, p. 05), o discurso do ódio é a “prática social que reutiliza da linguagem e da comunicação para promover violência aos grupos, classes e categorias, ou ainda, a sujeitos que pertencem a estas colectividades, sendo algo que pode estar relacionado ao desrespeito à diferença e à identidade”.

    Nas redes sociais digitais, este tipo de discurso realiza-se pautado em estereótipos e estigmas sociais como se fosse uma disputa na qual quanto mais odioso o discurso, mais aceite e prestigiado é o emissor por grupos de pessoas que compartilham de suas ideias.

    A linguagem opressora do discurso de ódio não é mera representação de uma ideia odiosa; ela é em si mesma uma conduta violenta, que visa submeter o outro, desconstruindo a sua própria condição de sujeito, arrancando-o do seu contexto e colocando-o em outro onde paira a ameaça de uma violência real a ser cometida – uma verdadeira ameaça, por certo (1997, p. 185).

    Outra característica constatada no cerne da negação desta cultura é a “crença na autoridade da palavra” (SANTOS; SILVA 2014, p. 32). O agressor ou opressor exterioriza seus pensamentos livremente nas redes sociais digitais sem levar em conta de que aquele é um espaço público.

    Segundo Santos e Silva (2014, p. 05), a estrutura argumentativa do discurso do ódio comporta:[…] banimento do outro, ou a tentativa de banimento (I) que se revela numa atitude de intolerância quanto ao diferente geralmente considerado como inimigo.

    O accionamento do pânico, tanto moral quanto social (II) instiga intencionalmente o medo entre a maioria dominante com o objectivo de torná-la opressora. O argumento ideológico (III) de cunho político, social ou religioso mira a manutenção de um estado de coisas para um grupo dominante.

    São seis características a serem destacadas quando se trata de um discurso que demonstra intolerância: o discurso do ódio; a proposição de revisionismo histórico; a utilização de argumentação depreciativa; retórica contraditória; o raciocínio maniqueísta; e a divulgação de informações falsas (fake news).

    Dessa forma, o fake news vira a não-notícia e pode ser dividida em quatro categorias de acordo com a intenção de quem a veicula: (I) os que intencionalmente buscam enganar através de manchetes tendenciosas; (II) os de reputação razoável que compartilham boatos em larga escala sem verificar correctamente os factos; (III) os que relatam de forma tendenciosa factos reais, manipulando a informação; e (IV) os que humoristicamente trabalham com situações hipotéticas.

    Em resumo: aquilo em que as pessoas escolhem acreditar importa mais do que a verdade dos factos. Dessa forma, ao encontrar uma notícia que se adequa às suas convicções pessoais, as pessoas não hesitam em compartilhá-la sem ao menos verificar a procedência dos factos.

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