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    Lokua Kanza na segunda edição do JAZZING: “Com os africanos de toda a África”

    A segunda edição do JAZZING aconteceu no dia 29 de Outubro do ano que finda. A Baía de Luanda voltou a ser o palco desta empreitada da Showbiz, que não mediu esforços para mais uma vez os luandenses estarem em contacto com o melhor da música africana, uma experiência bem vivida, dando-nos no cardápio daquela noite a dulcíssima voz da angolana Selda, a mexida marrabenta do moçambicano Stewart Sukuma e o canto maravilhoso do congolês Lokua Kanza, a grande atracção da noite.

    Mas, se nos atermos aos factos anteriores, o destino desta noite teria sido outro se a cantora nigeriana Ayo não desistisse por alegadas “súbitas razões de saúde”, sendo assim substituída pelo moçambicano, que acabou por dar um toque muito mais lusófono ao show e nem por isso menos carismático.

    Selda (Foto: D.R.)
    Selda
    (Foto: D.R.)

    Selda, aquela morena de cá que fica descalça em palco para ter, talvez, mais intimidade com as notas quando se solta pela voz, brindou os presentes com temas do seu álbum, numa actuação em que ficou registada a prestação de Toty Samed na guitarra, que mais uma vez provou ser um dos talentos a contar para o futuro musical que se evidencia neste presente.

    Stewart Sukuma, que veio acompanhado pela sua banda Nkhuvu, trouxe-nos de Moçambique o seu canto, tecido com o laborioso trabalho de investigação e causas humanitárias voltadas ao continente africano. Foi uma actuação híbrida, oscilando entre ritmos moçambicanos e angolanos, e, para aqueles que não o conheciam, de arrepiar pelo seu valor étnico. É em Moçambique uma voz autorizada, com shows em várias partes do mundo.

    E a responder à rajada de perguntas dos jornalistas, quando ainda ganhava fôlego, respondeu sobre o intercâmbio e perspectivas de voltar a Angola: “Eu sinto que deveríamos vir mais vezes a Luanda, e em particular Angola.

    Quanto a projectos, está tudo em aberto. Nós estamos à espera que as pessoas enderecem convites, que será um prazer voltar. São mais músicos angolanos em Moçambique do que músicos moçambicanos em Angola.

    Não estou aqui a fazer crítica, mas é a realidade. As duas partes deveriam trabalhar um pouco mais para haver uma miscelânea melhor, um conjunto de acções que fossem regulares e equilibradas. Logo após a independência houve várias delegações de Moçambique que vieram a Angola e vice-versa, com o Grupo da Juventude e JMPLA. A verdade é essa: tem de começar a vir mais moçambicanos em Angola”.

    Stewart Sukuma (Foto: D.R.)
    O moçambicano Stewart Sukuma
    (Foto: D.R.)

    Lokua Kanza se fez acompanhado pela sua banda, onde se destaca no coro a voz imperiosa da filha Malaika Lokua, que faz o canto chegar vibrante aos ouvidos, e René Lokua, o seu irmão.

    Do álbum Nkolo, o seu ultimo e que é sobejamente conhecido entre os angolanos, explorou ´Elanga Ya Muinda´ e o sucesso ´Nakozonga´, uma das propostas mais bem conseguidas deste álbum, onde o tom característico da guitarra kongo obriga a dançar; do aprimorado álbum Toyebi Té escolheu a penetrante canção ´Le Bonheur, a dançante ´Mbiffé´, a versar o amor, e ´Good Bye´; de Plus Vivant explorou apenas a faixa que dá título ao álbum, e de Wapi Yo mimou os presentes com as faixas ´Wapi Yo´, cuja ternura da melodia incitou muitos trovadores angolanos a serem intérpretes dedicados, e a insaciável ´Shadow Dancer´; e do álbum Lokua Kanza explorou ´Never Lose Your Soul´, ´Mutoto´, ´Moninga´ e a conhecidíssima ´Meu Amor´, que é rosto de cartaz para o público angolano amante do se canto maravilhoso com o qual nos eleva, alevanta e arrebata.

    A plateia não ficou satisfeita e prontamente, toda em pé, pediu bis. Propositadamente, a organização decidiu dar a surpresa exactamanete nesta música: o também filho do Reino do Kongo, o próspero Kyaku Kyadaffi acompanhou Lokua para serem condutores daquele mar de vozes, cantando em uníssono este sucesso bilingue, dado que Lokua canta em lingala, swahili, inglês, francês e português.

    No dia seguinte, 30, fomos ao encontro de Lokua, que se encontrava hospedado numa das unidades hoteleiras de Luanda. Enquanto tomávamos os primeiros contactos, quase todos à volta, no hal do hotel, vinham pedir uma foto. Lokua recebia os com um à-vontade distinto, como se de parentes próximos se tratasse.

    É fácil no trato e sempre recebe os fãs com sorrisos. Os fãs tratam-no com uma magnanimidade irrepreensível, embora Lokua responda-os já com avançada intimidade, permitindo abraços e conversas curtas. Dessa sua estadia em Angola, viemos a saber que nas noites que se seguiriam poderia trocar experiência com músicos locais e frequentar sítios onde a comunidade congolesa é a freguesia da casa.

    Nos dias que se seguiram, pelo facebook e outras redes socias várias fotos e momentos do Lokua em Angola se tornaram virais, e uma destas foi a simbiose entre Lokua e Ndaka Yo Wini, este angolano que tem se esforçado com perícia artesã na construção do seu canto singular com raízes do sul de Angola e que tem Lokua como um mestre superior na sua educação musical.

    Jornal CULTURA – Como revê Angola nesta breve passagem ?

    Lokua Kanza – Revejo com um olhar alegre. Quando se chega ao aeroporto se pode perceber como Angola cresceu e mudou muito, no bom sentido do termo. E o público angolano tem por mim um carinho inexplicável. Eu já tive o privilégio de tocar em vários lugares do mundo, e particularmente em África, mas o público angolano reage a mim de uma forma muito diferente, sem precisar esforçá-lo com músicas de fazer dançar. Canto e ele canta comigo. A música ficou no coração das pessoas.

    JC – Falamos em mais de 20 anos de carreira. Já se sente feliz como músico?

    (Foto: D.R.)
    (Foto: D.R.)

    L.K -A minha felicidade ou realização vem do público. Porque eu, enquanto músico, tenho muita coisa para aprender. Nunca estou satisfeito ou realizado com o que faço. A criação é contínua. Meu prazer e felicidade vem do carinho dos amantes da minha música, e neles que me revejo como funciono. Isso me fortifica e me dá sempre segurança sobre o futuro.

    JC – A sua estada no Brasil e carinho do público dos países africanos de expressão portuguesa é notória. Nunca se sentiu seduzido a fazer um álbum maioritariamente português?

    L.K – Pergunta incrível e oportuna (risos). Porque no meu próximo disco pretendo marcar a diferença oferecendo aos amantes da minha música um disco bilingue passado em três línguas: com tradução em francês, ingles e português. Porque eu morei no Rio por 2 anos e participei do ambiente cultural brasileiro de forma muito efusiva, resultando participações e composições com grandes da música brasileira como Vanessa da Mata, Gal Costa, Djavan… Agora falo português. Mas quando cantei com Vander Lee ainda não falava português. É uma lingual que eu gosto e é um público que me ama. É momento de fazer isso. Eu falo português há sensivelmente 7 anos.

    JC – O retornar às coisas de África…

    L.K – Eu amo a África. Minha terra e expressão, e é aqui onde eu também um dia gostaria de morrer. Eu viajei em muitos lugares. Tem gente que ama e ouve a minha música com profundidade.

    E aqui encontro jovens talentosos que poço ajudar. Eu cresci com a guitarrada à moda do Kongo, é parte profunda da minha vida. Quando era jovem eu lidava com muita gente que cantava, e ouvia música quase sempre, principalmente aos sábados.

    JC – Acha que a música está a ajudar a trazer o sentimento africanistas?

    L.K – A música pode ajudar a puxar gente para dentro do continente ou a olhar para as questões chaves do continente. Por exemplo, quando falamos de amor ou de paz, a música é o grande vector. Quanto a patriotismo, eu acho que é uma dualidade de perigo e bem.

    É bem, mas é perigoso porque é o momento para os africanos ficarem juntos.

    Porque nos nossos países precisamos estar unidos e mantermo-nos unos. Não podemos alimentarmo-nos sozinhos. Sou congolês, mas a minha mãe é do Ruanda e canto com o Dodó, o Kyaku, a Irina, Paulo Flores, Richard Bona, Toto. O africano precisa estar com os africanos de toda a África.

    JC – Tem contacto constante com Richard Bona e outros?

    L.K – A nossa relação é muito simples e aberta. Nós nutrimos grande admiração uns pelos outros, conhecendo e respeitando o trabalho dos outros. Richard Bona, por exemplo, é uma pessoa que eu admiro muito. Ele é um grande batalhador e um grande artista, que faz parte de um número de pessoas que faz crescer a África, pela maneira eficiente e elegante que ele trabalha. África precisa de gente um pouco louca. Mas louca no melhor sentido e acepção do termo.

    JC – A vocês que têm dado uma vida pela música, numa arte sofisticada e que ganha boa crítica em qualquer parte do mundo, os africanos conseguem retribuir à altura do vosso trabalho, vos amando como deveriam?

    L.K – Hoje eu trabalho sozinho. Apenas trabalho. Não tem pessoas africanas que nos vieram ajudar pelos nossos trabalhos pela África. Não é problema.

    Eu vou continuar. A música é a minha razão de viver. Só vou continuar. E sei que um dia se alguém quiser ajudar, eu não vou dizer não. Hoje eu não tiro nada, eu só ponho. Só Deus Sabe.

    JC – Com que África sonha?

    L.K – O meu sonho de África é muito grande. Mas primeiro, dado que a África é muito rica, queria um dia que nenhuma criança fique sem escola ou morra de fome. Isto é incrível. Não é normal. Em África temos riquezas naturais de sobra. Depois, quando as crianças tiverem escola e pão, tudo começa e só Deus saberá o futuro.

    JC – O rótulo ou saco world music não o incomoda?

    L.K – A minha música eu chamo de canção africana. Eu acho que quando você é músico, é importante trabalhar primeiro a arte, com dedicação e disciplina. Mas a matriz deve ser fundamental. Nesse momento só queria paz e amor nas nossas famílias. Paz é importante, sem ela não se constrói nada.

    JC – Quando pensa regressar a Angola?

    L.K – Vou voltar a Angola, talvez em Dezembro, para comemorar os meus 20 anos de carreira. Estou a negociar com os patrocinadores. (cultura)

    Por: Matadi Makola

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