“Papéis da Prisão: apontamentos, diário, correspondência (1962-1971)”, de Luandino Vieira (Prémio Nacional de Literatura 2007) será lançado em Luanda a 8 de Janeiro, na União dos Escritores Angolanos, em homenagem ao Dia Nacional da Cultura, confirmou ao Cultura o Secretário-geral da UEA, Carmo Neto. Durante os anos de cárcere, José Luandino Vieira coligiu um acervo de textos constituído por 17 cadernos.
O processo de escrita destes Papéis tem como termos cronológicos e fronteiras espaciais a entrada no Pavilhão Prisional da PIDE em Luanda (1961) e a sua saída do Tarrafal (1972).
A materialidade destes cadernos é composta por aproximadamente 2000 frágeis folhas manuscritas onde José Luandino Vieira anotou a sua visão do cárcere como observatório excepcional da nação angolana, manifestou os seus projectos políticos e literários, evidenciou o projecto comunitário de Angola como o veículo da união e resistência colectiva e expressou as angústias e sonhos pessoais.
Os cadernos estão datados e apresentam um assinalável valor humano, literário e político no que diz respeito às lutas de libertação, a questões de história e literatura angolana.
Margarida Calafate Ribeiro considerou a obra “inédita e inclassificável que coloca a literatura em língua portuguesa a par por exemplo dos diários de Gramsci ou de Nelson Mandela” e destaca ainda “a grande diversidade até do ponto de vista linguístico” de “Papéis da Prisão”.
O EMAIL DE BUCA BOAVIDA
Joaquim Couto de Assis Boavida, um dos fundadores da Brigada Jovem de Literatura de Luanda, nos idos anos 80, mais conhecido por BUCA BOAVIDA, disse-nos ter-se sentido muito feliz por ter assistido, no passado dia 24 de Novembro, à apresentação da mais recente obra de Luandino Vieira “Papéis da Prisão” na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.
Buca Boavida escreveu-nos, via mail: – a “palavra que o Luandino disse que não gosta” é… sofrimento.
Entendi que ele quis explicar-nos que a sua estadia na prisão (14 anos!) não o foi…!
Parece que isso se percebe ao se ler o livro (1086 páginas)
– “Arnaldo-Santos-do-Kinaxixe” é como ele disse que devia ser conhecido o seu amigo convidado especialmente para o evento. explicou-nos que o Kinaxixe não é um lugar, uma praça, como adoptámos.
é algo imaterial, e que devia ser o nome do Arnaldo Santos. Explicou ao longo da noite a importância que o kimbundo tem para ele e que ele acha que devia (mais) ter para a cultura angolana
– as frases do Zeferino Cruz e da Margarida Calafate Ribeiro nas suas intervenções de apresentação, e que eu nem ousei transcrever no mail abaixo foram muito similares, e diziam
algo assim: “há muitas coisas para fazer, muitos livros para editar e publicar, e a publicação e a edição é a nossa vida, mas se tivesse que terminar a minha carreira profissional por alguma razão, depois de ter editado este livro, poderia parar” claro que não foram estas as palavras textuais de cada um, mas foi isso o que foi dito. cada um a seu turno. eu… se arrepiei. estava desprevenido…;
OBS.: a MR foi a coordenadora da equipa que preparou ao longo de 3 anos a obra; o ZC, Caminho/Leya (que eu tinha conhecido pessoalmente quando trabalhei com o Júlio Guerra na preparação do Tchiweka 80)
….
quando o Luandino começou a falar e pôs a mão no compacto e espesso livro que ele nunca certamente havia imaginado que resultaria dos seus papéis da prisão, acho que ele sentiu algo como o jogo ter acabado. e ao evocar a palavra “morrer” na sua intervenção (acho que fez mesmo de propósito de quase soletrá-la) estava a jogar com ela. a brincar com ela. Imensamente satisfeito de estar ali bem vivo.
em grande forma. e por ter, com a vossa preciosa ajuda, tê-la aldrabado, como sem dúvida diria o João Vêncio se pudesse ter falado.” (Cultura)
A viagem de encontro com o extraordinário e humanista Escritor que é Luandino Vieira e depois o reencontro com Escritor Arnaldo Santos, Buca Boavida, o histórico e brilhante Jornalista angolano que é Luís Alberto Ferreira e demais compatriotas e demais Mulheres e Homens que se encontravam naquele simbólico Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, fizeram daquele entardecer e anoitecer lisboeta, um espaço de Memória que quem o viveu recordará para sempre. Pelas palavras ditas e pensadas, pelas palavras não ditas, mas pelos silêncios e emoções trocadas, ficará para sempre a saudade da repetição daqueles momentos. Porque fica. Porque toca o coração e relembra tudo. Tempos perdidos e tempos que virão com ou sem História. Parabêns Luandino, Arnaldo Santos, Buca, Luís Alberto, Regina Corado ( sobrinho do histórico António Cardoso ) e à Fundação Gulbenkian, como à Dra. Margarida Calafate Ribeiro e Dr. Zeferino Cruz.