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    Investigação. Veiga foi testa de ferro de Nguesso na Trump International Tower

    Novos documentos analisados pelo Expresso mostram como José Veiga mentiu ao jornal em outubro de 2017, quando garantiu ser ele o dono de um apartamento na Trump International Tower em Nova Iorque.

    A offshore de onde saíram 7,1 milhões de dólares para pagar o imóvel em 2014 tinha como último beneficiário uma filha do presidente congolês Denis Sassou-Nguesso. O dinheiro foi desviado dos cofres públicos do Congo e serviu também para pagar dezenas de milhares de euros em despesas de condomínio à Trump Organization

    stá agora mais completa a história que o Expresso publicou a 21 outubro de 2017 sobre como o antigo agente de futebol José Veiga comprou um apartamento de luxo para a família do presidente do Congo na Trump Internacional Hotel & Tower, no número 1 de Central Park West, em Nova Iorque.

    Nova documentação a que a organização não-governamental Global Witness teve acesso e que foi analisada pelo Expresso prova o que faltava ainda demonstrar: o T2 de 164 metros quadrados localizado no 32.º andar da Trump International (como também é conhecida a torre) que tinha sido aparentemente comprado em julho de 2014 pelo empresário português por 7,1 milhões de dólares para ser usado pela família do presidente do Congo foi, na verdade, adquirido de facto e de forma oculta por Claudia Sassou-Nguesso, filha daquele chefe de Estado.

    O cruzamento entre documentos do registo comercial do Chipre e um conjunto de acordos secretos assinados em Brazzaville, no Congo, permite revelar em detalhe como a companhia offshore que serviu para José Veiga pagar o imóvel no condomínio de luxo construído por Trump no Central Park era secretamente detida pela filha de Denis Sassou-Nguesso. O empresário limitou-se a ser um testa de ferro para que ela recebesse pagamentos alegadamente corruptos de uma empresa brasileira, a Asperbras, como contrapartida de obras públicas concedidas pelo governo de Brazzaville.

    Nos Estados Unidos, onde o “New York Times” publica esta história à mesma hora que o Expresso em Portugal e o “Libération” em França, em simultâneo também com a divulgação de um relatório de investigação da Global Witness, são esperadas reações ao longo desta quarta-feira sobre o modo de atuação aparentemente desleixado da organização detida pelo presidente norte-americano perante um caso de corrupção internacional.

    No momento da compra do apartamento já era público que a família de Denis Sassou-Nguesso estava a ser investigada desde 2010 pelo Ministério Público em França, num inquérito sobre branqueamento de capitais baptizado com o nome Affaire des Biens Mal Acquis, relacionado com a aquisição de mais de 60 milhões de euros em propriedades e bens de luxo.

    A Trump Organization esteve envolvida a dois níveis na história do apartamento, de acordo com o que o Expresso já tinha publicado em outubro de 2017. Embora o imóvel tenha sido adquirido por Sassou-Nguesso a uma terceira parte — uma outra companhia, a One CPW View LTD, cujo beneficiário é desconhecido — um vendedor da Trump International Realty, a agência imobiliária de luxo da família do presidente, teve intervenção no negócio como intermediário. Por outro lado, a Trump International Management Corporation fez a gestão da aprovação da nova residente — que numa primeira fase foi identificada como sendo Cláudia e depois foi substituída pela sua filha Lauren — tendo-lhe sido concedida autorização para consultar registos criminais, participações accionistas ou património imobiliário da ocupante do imóvel.

    “A Trump Organization deve ser confrontada seriamente sobre a qualidade dos seus procedimentos de verificação dos antecedentes do comprador deste apartamento e explicar por que permitiu esta transação, apesar dos riscos evidentes de lavagem de dinheiro e de corrupção que estavam associados a ela”, sublinha Mariana Abreu, responsável por esta investigação na Global Witness, uma organização com sede em Londres e em Washington que se dedica a expor esquemas de corrupção a nível global.

    “Claudia Sassou-Nguesso e José Veiga usaram muitas das ferramentas que estão à disposição no sistema financeiro global para desviar, esconder e eventualmente lavar milhões de dólares de fundos aparentemente públicos através de um imóvel de luxo do universo Trump. Esse dinheiro devia ter sido gasto para servir o interesse dos cidadãos congoleses.”

    Desde pelo menos 2012 que havia artigos na imprensa sobre suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais à volta da família presidencial de Brazzaville. Em dezembro de 2013, oito meses antes da compra do apartamento no Trump International Hotel & Tower, e numa de várias histórias publicadas em diversos países depois das primeiras revelações trazidas pelo Liberation, o The Telegraph descrevia como o presidente congeles tinha gasto mais de 1,1 milhões de euros em fatos e camisas num intervalo de apenas seis anos, com o seu filho Denis Christel a gastar 474 mil euros só em camisas, para as poder trocar três a quatro vezes por dia sem nunca ter de as voltar a usar.

    UM NEGÓCIO “TOTALMENTE ALHEIO A TERCEIROS”?

    De acordo com os novos elementos descobertos pela Global Witness, a Sebrit Limited, uma companhia com uma conta bancária no Banco Internacional de Cabo Verde (antigo BES de Cabo Verde) de onde saíram os 7,1 milhões de dólares para a compra do apartamento em Nova Iorque, está registada no Chipre como sendo administrada e detida indiretamente por José Veiga, através de um esquema em cascata que envolve mais duas outras empresas cipriotas, a Leezu Limited, incorporada a 15 de janeiro de 2013, e a Voxxi Limited, criada nove dias depois.

    Veiga estava registado como dono da Leezu, que por sua vez era dona da Voxxi, sendo que a Voxxi tornou-se a única accionista da Sebrit Limited logo na data de criação desta empresa, a 9 de dezembro de 2013.

    Em paralelo com isso, a 16 de julho de 2013 foram registados em dois notários em Brazzaville acordos parassociais assinados por Claudia Sassou Nguesso e por José Veiga. Consultados pelo Expresso, os documentos assumem que 100% do capital da Voxxi e da Leezu foram transmitidos à filha do presidente congolês e que o empresário português era apenas um portador de ações. Desses acordos resultou que todo o património detido pela Sebrit Limited passou a ter Cláudia como beneficiária última. Veiga era, no entanto, obrigado a manter-se como titular oficial das ações até indicação em contrário por parte dela, a única pessoa com poder de denunciar os acordos (a Sebrit foi depois extinta em 2018). Além da filha do presidente, Cláudia é deputada e diretora de comunicações da presidência. Veiga foi assim formalizado em Brazaville como testa de ferro da família do chefe de Estado.

    Isso significa que Veiga mentiu quando foi confrontado em outubro de 2017 pelo Expresso sobre por que razão financiou um apartamento em Nova Iorque para a família do presidente do Congo. Na altura, o empresário respondeu de forma clara: “O pressuposto da pergunta está errado. Não financiei, seja em Nova Iorque, seja em qualquer outro local, um apartamento, ou, já agora, qualquer outro imóvel, para a família do presidente do Congo. O apartamento em causa é propriedade de uma sociedade, da qual eu sou o acionista. A aquisição efetuada por esta sociedade foi financiada com meios próprios, num negócio que é totalmente alheio a terceiros, nomeadamente à família do presidente do Congo. Nunca assumi que a compradora fosse outra entidade ou pessoa.”

    Confrontado desta vez pela Global Witness, José Veiga não respondeu. O mesmo aconteceu com a Trump Organization, que há um ano e meio não tinha contestado as perguntas do Expresso. A K&L Gates, o escritório de advogados contratado pelo empresário português para gerir o processo de aquisição, criando para isso uma empresa de propósito para ser dona do imóvel, a Ecree LLC, optou também por não fazer comentários.

    Além de contradizerem a versão de Veiga, estes factos reforçam o modo como a Trump Organization — quando este grupo de empresas era ainda liderado por Donald Trump, antes da sua ida para a Casa Branca — negligenciou cuidados mínimos na verificação dos seus clientes imobiliários. Não só a Trump Organization aprovou quem iria morar no apartamento em causa, apesar de o nome dado como residente ser de uma das netas do presidente do Congo, Lauren, filha de Cláudia, e tal como ela uma pessoa politicamente exposta (PEP), como também recebeu depois disso largas dezenas de milhares de euros de despesas de condomínio com origem ilícita, numa média de 2832 dólares por mês, perfazendo mais de 164 mil dólares até ao momento.

    DINHEIRO FOI CANALIZADO PELA ASPERBRAS

    José Veiga trabalhava desde 2011 no Congo para a empresa brasileira Asperbras como consultor de negócios. Ao todo ajudou a obter junto de Sassou-Nguesso cerca de 1,5 mil milhões de dólares em contratos públicos, a esmagadora maioria deles com preços muito inflacionados, recebendo com isso comissões elevadas.

    Especializada em fabricar tubos de PVC e sistemas de irrigação agrícola, a Asperbras alargou rapidamente as suas actividades no Congo para outras áreas, incluindo obras públicas e a realização de estudos geológicos para futuras prospeções de minério. E foi aí que entrou a Sebrit Limited, administrada no Chipre por Veiga mas secretamente detida por Cláudia Sassou-Nguesso.

    Extratos bancários a que a Global Witness teve acesso e que o Expresso analisou expõem como uma companhia offshore subsidiária da Asperbras registada em Delaware, nos Estados Unidos, a Asperbras LLC, recebeu 491,1 milhões de euros a 28 de novembro de 2013 numa conta do Banco Espírito Santo (BES) em Portugal com origem na “DGT [Direction des Grands Travaux] Services Virement Congo Brazzaville”, os serviços de pagamento do Departamento de Grandes Obras do Congo, que fazem parte do Ministério das Finanças congolês.

    Duas semanas mais tarde, a 13 de dezembro de 2014, saiu dessa conta do BES titulada pela Asperbras LLC uma verba de 22,7 milhões de euros para uma outra companhia subsidiária da Asperbras, a Energy & Mining, registada nas Ilhas Virgens Britânicas.

    Isso aconteceu apenas dois dias depois de a Energy & Mining ter assinado, por sua vez, um contrato com a Sebrit Limited (então acabada de ser criada, a 9 de dezembro) para que esta offshore administrada por José Veiga fizesse parte do estudo de mapeamento geológico que tinha sido encomendado pelo governo do Congo aos brasileiros.

    De acordo com esse contrato estabelecido entre as duas empresas, a Energy & Mining comprometia-se a pagar 19,5 milhões de dólares a troco dos supostos serviços a serem prestados pela Sebrit: uma parte, 6.815.000 dólares, para a realização de um relatório geológico, e uma outra parte correspondendo a 10% do montante global de novos negócios angariados pela Sebrit para a Energy & Mining, tendo ficado determinado logo ali uma antecipação de honorários relativos a essa taxa de sucesso no valor de 12.728.000 dólares.

    Não existem documentos que comprovem que a Sebrit tenha realizado qualquer espécie de trabalho na sequência do contrato com a Energy & Mining. Vindos originalmente dos cofres públicos do Congo, esses 19,5 milhões de dólares (14,3 milhões de euros ao câmbio da altura) foram transferidos pela subsidiária da Asperbras a 6 de Janeiro de 2014 para a Sebrit Limited. O dinheiro foi, assim, canalizado pelos brasileiros para Cláudia Sassou-Nguesso seis meses antes de a Sebrit Limited ter transferido 7,1 milhões de dólares para a K&L Gates, a sociedade de advogados em Nova Iorque que ajudou Veiga a comprar o apartamento no Central Park.

    Numa resposta enviada por email para a Global Witness, a Asperbras afirma que “as relações do senhor José Veiga (e das sociedades por ele detidas) com a Asperbras resumem-se à prestação de serviços de intermediação e prospeção de negócios no Congo”, acrescentando que a empresa “nunca se envolveu nos negócios pessoais ou empresariais” do ex-agente de futebol português, “sobre os quais nada pode adiantar para além do que se pode ler na comunicação social”. E concretiza: “A Asperbras desconhece quaisquer operações financeiras realizadas pelo senhor José Veiga com eventuais relações desse com pessoas politicamente expostas no Congo. De resto, a Asperbras não conhece os negócios desenvolvidos pelo senhor José Veiga ou pelas sociedades por ele detidas e muito menos sabe se o senhor José Veiga tem qualquer relação com a aquisição de um apartamento na Trump International.”

    INVESTIGAÇÃO CONTINUA ABERTA
    Por causa das suas actividades no Congo, o empresário português acabaria por ser detido em Portugal a 3 de fevereiro de 2016 no âmbito do inquérito-crime Rota do Atlântico, juntamente com Paulo Santana Lopes (irmão do ex-primeiro-ministro Pedro Santana Lopes), por suspeitas de corrupção no comércio internacional, branqueamento de capitais e fraude fiscal, ficando em prisão preventiva até 22 de julho desse ano, primeiro na cadeia e depois com pulseira electrónica em casa, até sair em liberdade a troco de uma caução de 1,2 milhões de euros. Três anos depois, a investigação ainda não está terminada.

    Na sequência de buscas feitas pela Polícia Judiciária foram encontrados cerca de sete milhões de euros em dinheiro vivo — parte em euros e parte em dólares — em dois cofres numa moradia de luxo na Quinta da Marinha, em Cascais, alegadamente transportados num avião privado a partir do Congo, além de mais 11 milhões de euros depositados em contas bancárias portuguesas. Foram ainda arrestados 101 milhões de dólares na Suíça e 55 milhões de dólares em Cabo Verde ao empresário.

    Um relatório produzido em 2017 por uma ONG suíça chamada Public Eye transformou a ligação entre Veiga e o presidente do Congo num assunto internacional, descrevendo o antigo agente de futebol e ex-diretor do Benfica como “o gestor de Sassou” —um misto de facilitador de negócios e testa de ferro.

    Já em relação a Trump, em dezembro de 2016, poucas semanas antes da sua tomada de posse, o porta-voz de Denis Sassou-Nguesso chegou a anunciar um encontro entre o presidente eleito dos Estados Unidos e o chefe de Estado do Congo para discutirem a situação na Líbia, mas a assessora de imprensa do então ainda futuro ocupante da Casa Branca desmentiu na altura que isso tivesse sido planeado.

    Mais tarde, a 22 de junho de 2017, o Center for Public Integrity, a organização de jornalismo de investigação que fundou o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), publicou que um lobista polémico, de nome Jack Abramoff, tentou de facto que Sassou-Nguesso pudesse fazer uma visita a Donald Trump no final de 2016, de acordo com um documento do Departamento de Justiça, sendo que não existem provas de essa visita ter alguma vez acontecido.

    Ao contrário de Portugal e de outros países, a legislação norte-americana não obriga as agências imobiliárias, incluindo aquelas que gerem condomínios, nem os escritórios de advogados a cumprirem com regras de due diligence, deixando apenas para as instituições financeiras a necessidade de verificarem se os seus clientes poderão estar a lavar dinheiro de origem criminosa.

    “Na Austrália, no Canadá e nos EUA, a lei não exige que agentes imobiliários, advogados, contabilistas, notários ou qualquer outra pessoa envolvida na venda de imóveis identifiquem o verdadeiro beneficiário de empresas suas clientes”, constatava em 2017 um relatório da Transparency International. Para Mariana Abreu, da Global Witness, o caso dos Sassou-Nguesso na Trump International “reforça a necessidade urgente de abordar as formas pelas quais empresas opacas podem movimentar fundos pelo mundo à vontade, sem que sejam questionadas sobre a sua proveniência ou legitimidade, apesar dos múltiplos sinais de alerta de corrupção que possam existir”.

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