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    E se Moco fosse PGR?

    “Marcolino Moco pode ser a aposta do Presidente da República, João Lourenço, para dirigir a Procuradoria-Geral da República (PGR), soube ontem o Jornal de Angola de fonte segura.” Este foi o lead da notícia com o título “Novo PGR é conhecido em Dezembro. Marcolino Moco é hipótese”, publicada no único diário angolano a 17  de Novembro de 2017.

    A referida notícia publicada três meses após as eleições desse ano cheio de expectativas, dizia mais: “O jurista e docente universitário é uma das três individualidades que merecem a confiança do Presidente da República, para dirigir a PGR. Outros nomes avançados são os do actual vice-procurador-geral e procurador das Forças Armadas Angolanas, Hélder Pitta Grós, e do procurador-geral adjunto da República, Luís de Assunção Pedro da Mota Liz.”

    E mais abaixo, podia ler-se: “O procurador-geral da República recebe instruções directas e de cumprimento obrigatório do Presidente da República e é independente dos órgãos do poder local. Está representado junto dos tribunais e a nível do Tribunal Supremo.

    Um dos compromissos assumidos pelo Presidente da República é o combate à corrupção e a Procuradoria-Geral da República é uma instituição que tem a função de acusar em caso de suspeita de crime. Marcolino José Carlos Moco é considerado o mais cotado, entre os nomes avançados, para os desafios do Ministério Público, órgão dirigido pela Procuradoria-Geral da República. Marcolino Moco nasceu no município do Chitue, Ekunha (Huambo), a 19 de Julho de 1953.

    Foi Primeiro-Ministro, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996, e secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), de 1996 a 2000.”
    Estamos em 2020. Três anos se passaram sobre aquele vaticínio do Jornal de Angola. Marcolino Moco é “apenas” um dos administradores da SONANGOL, ao lado de outro ex-primeiro-ministro, Lopo do Nascimento.

    Colocadas pelo Presidente João Lourenço as peças no seu tabuleiro de xadrez político, ocorre-nos perguntar: o que terá levado o PR a abdicar de Marcolino José Carlos Moco, um quadro intelectual versado em ciências jurídicas, “considerado o mais cotado, entre os nomes avançados, para os desafios do Ministério Público”, para o cargo de PGR?

    Marcolino Moco e o combate à corrupção: “É preciso zerar o mal e começar novamente”

    A resposta é a mesma que impediu Marcolino Moco de entrar para a Academia Angolana de Letras, em Setembro de 2017. Marcolino Moco “fala muito”, na óptica dos académicos que votaram contra a sua inclusão na AAL. Aos outros três académicos votados, Marcolino Moco não ficava a dever nada. Pelo contrário, Moco sempre foi muito mais actuante em defesa da justiça e da verdade em fóruns públicos. Portanto, o sentimento do voto contra não pode ser justificado pela falta de academicismo.

    Marcolino José Carlos Moco é considerado o mais cotado (Foto: D.R.)

    O que é isso de “falar muito”? É um jargão sintético que resume aquilo que os guardiões do templo partidário nas associações culturais utilizam para marcar um território indemne ao pluralismo e à verdadeira democracia. Esse jargão é um dos apêndices da ampla marca territorial partidária utilizada noutras esferas da vida nacional.

    Graças a esse sitiamento dos intelectuais orgânicos (os que defendem os interesses da maioria), em 1991, o economista Filomeno Vieira Lopes, então funcionário da SONANGOL, não foi admitido como administrador da estatal petrolífera, apesar de ter ganho as eleições para o cargo, com 51% dos votos.

    Nunca tomou posse. Filomeno Vieira Lopes, brilhante economista, era secretário-geral da Frente para a Democracia (FpD). “Não fazia parte do clube”, como ele próprio afirmou em entrevista a um programa televisivo.

    Este impedimento dirimente da cidadania continua vigente em pleno século XXI, quanto às condições de militância partidária activa e submissa para o exercício do direito ao trabalho e à carreira profissional nas instituições e empresas públicas e com uma abrangência mitigada nas associações de âmbito cultural.

    Em entrevista à DW África, em Julho de 2017, Moco lamentou: “o MPLA é um partido muito intolerante para com qualquer ideia diferente lá dentro“, mesmo tendo partido do princípio de que a saída de José Eduardo dos Santos constituía uma oportunidade para retomar o seu curso dentro do partido e “ajudar o MPLA a voltar ao processo de abertura”.

    A acomodação na SONANGOL surgiu, desse modo, como uma espécie de “prémio” pelo apoio prestado durante a campanha eleitoral do actual PR, mas não augura nada de concreto quanto àquela intuição de “o MPLA voltar ao processo de abertura”.

    Na verdade, Moco nunca poderia ter sido elevado ao cargo de PGR na presente magistratura de João Lourenço. O que Moco defende é totalmente contrário à estratégia do PR.

    Marcolino Moco defende a implementação de uma justiça restaurativa (oposta à justiça punitiva-retributiva) no país, para sanar o passado e evitar condenações excessivas de ex-dirigentes.
    Em entrevista dada à Rádio Luanda Antena Comercial, o ex-secretário-geral do MPLA é adepto de uma “justiça transicional”, que, em nome da reconciliação, evite o julgamento de crimes cometidos por dirigentes do anterior Governo, inclusive do antigo Presidente da República. “É preciso zerar o mal e começar novamente”, afirmou.

    Com essa visão do combate ao fenómeno corrupção em Angola, se Marcolino Moco fosse PGR entraria em choque directo com o seu chefe, o PR. Mas o combate à corrupção teria outro paradigma e outros efeitos sobre a economia do país.

    Talvez mesmo começar do zero, criando uma instituição forte e actuante para prevenir e fiscalizar os actos do Governo e o fazer diário da Administração Pública, para retirar protagonismo ao vício da “gasosa” e ao sistema do “cabritismo” fossem mais eficientes do que as condenações mediáticas hoje em vigor.

    Como previra Moco, a “guerra” dos cartéis cabritistas dentro do MPLA, ou a chamada “justiça selectiva”, abalou profundamente a economia nacional. E não foi preciso a pandemia da Covid-19 ter chegado a Luanda.

    Em meados deste ano, Moco mostrou-se decepcionado com o combate à corrupção levado a cabo pelo Presidente João Lourenço, e com o facto de o poder político continuar a interferir nos tribunais. Esta tomada de posição pública pode representar o início de uma ruptura com o consulado de João Lourenço. Moco havia avançado há tempos que sairia da SONANGOL se João Lourenço não cumprisse com as promessas eleitorais. Será que esta decepção se enquadra naquela “ameaça” de ruptura?

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