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    Doutoromania africana

    Vou notando que muitos angolanos estão a gostar da história de um académico português ser arguido, por ter facilitado o doutoramento a falsos alunos da África lusófona em troca de diamantes. Para alguns, isto só prova o que sempre se suspeitava: que alguns doutores que passavam o tempo a fazer pose de grandes intelectuais são autênticos charlatães!

    Na África anglófona, a questão da validade das qualificações académicas estrangeiras — e locais tem ocupado a mente de muita gente por muito tempo. Em 1972, o Marechal Idi Amin deu-se a si próprio um doutoramento em Direito da grande Universidade de Makerere, na capital ugandesa, Kampala.

    De todos os títulos que Idi Amin gostava (Marechal, Conquistador do Império Britânico, etc.), o que mais ele preferia era de Doutor! O antigo cozinheiro do Exército Colonial britânico pegava o seu coração quando figuras internacionais tinham que lhe chamar de Doutor.

    A Universidade de Makerere não concede facilmente o título de Doutor honorífico desde então. Só que muitos chefes no Uganda fazem agora tudo para obterem doutoramento de certas faculdades do Ocidente, porque notaram que a avidez que a elite africana tem para os grandes títulos pode ser um negócio altamente rentável.

    Muitos chefes, na África anglófona, não querem títulos de Doutor Honoris Causa, eles querem dar a impressão que são mesmo intelectuais que passaram horas e horas estudando vários assuntos para dar o seu contributo ao mundo académico. Só que muitos duvidam se estes têm mesmo a ver com o caso.

    Naquele meu outro país, na Zâmbia, falou-se muito das qualificações académicas do Presidente Rupiah Banda. O Presidente Banda, depois de assumir o poder, teve vários títulos honoríficos — mas o que mais inquietava os seus críticos era a licenciatura em História Económica, obtida da Universidade de Lund, Suécia, em 1964.

    Muitos insistiam que era difícil acreditar que o senhor tinha mesmo passado meses a pesquisar sobre os grandes assuntos económicos da História. Claro que havia muitos voluntários que não hesitavam em louvar as credenciais académicas do Presidente Banda.

    Quando um dos defensores de Banda foi questionado sobre o que é que ele pensava de Karl Marx, como economista, ele respondeu que não tinha tempo para perguntas tão estúpidas!

    Na Libéria, o antigo Sargento Samuel Doe, que esteve no poder entre 1979 e 1990, depois de vários doutoramentos honoríficos de várias partes do mundo, decidiu estudar e escrever uma dissertação na Universidade da Libéria. Nunca na História da Libéria, os bajuladores insistiam, houve um intelectual com tamanha habilidade intelectual!

    Até hoje o “bruaá” à volta do doutoramento da antiga Primeira-Dama do Zimbabwe, Grace Mugabe, continua. Do nada, a antiga Primeira-Dama apareceu com PhD em Sociologia pela Universidade do Zimbabwe. Enquanto que os outros levavam anos para completarem um PhD, a Primeira-Dama obteve o diploma meses depois de se ter registado no curso. Muitos insistiram que isto não é normal. Os bajuladores do regime foram afirmando que Grace Mugabe era uma aluna excepcional.

    No Malawi, o antigo Presidente, Bingu Wa Mutharika, foi objecto de muito criticismo porque o seu doutorado era de uma universidade americana, com a reputação de dar diplomas aos endinheirados do Terceiro Mundo sem os mesmos terem que dar prova de capacidade académica.

    O Presidente Mutharika insistia que ele não só era um grande académico mas também romancista de peso. Os seus defensores diziam que ele estava lá na liga com os grandes romancistas africanos como o Ngugi Wa Thiongo e Chinua Achebe. Muitos, claro, não concordavam.

    Nisto tudo, o que mais me inquieta é que muitos membros das elites africanas estão mais interessados em títulos do que em criar sociedades que valorizam o saber. Há países, no nosso continente, onde o elenco à volta do Presidente da República é composto por indivíduos com PhDs das grandes universidades do mundo, mas pouco se faz para aumentar as bibliotecas ou mesmo encorajar o aumento de programas de alfabetização massiva.

    Um outro problema gravíssimo que o continente enfrenta é o descuido do ensino primário que faz com que muitos jovens passem pelo sistema educacional completamente despreparados para enfrentar os desafios do mundo actual.

    A um certo momento, o Governo de então Presidente Robert Mugabe do Zimbabwe era tido como tendo o maior número de PhDs que qualquer Governo. O ministro da Economia parecia ter memorizado grandes trechos das maiores obras de Economia. No terreno, porém, a moeda nacional valia quase nada, milhares de cidadãos estavam a emigrar para países menores organizados…

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