Sexta-feira, Maio 17, 2024
17.2 C
Lisboa
More

    Controvérsia: Devemos divulgar os impostos dos bilionários?

    Há um princípio jornalístico essencial: não violar o sigilo, a menos que seja do interesse público fazê-lo. Não há dúvida de que os documentos revelados pelo ProPublica se enquadram nesta categoria. O meio de comunicação independente, sediado em Nova Iorque, mostrou que os norte-americanos mais ricos pagam muito pouco ou nenhum imposto sobre o rendimento.

    Ficar ofendido com esta violação da confidencialidade não é ver a importância desta informação para um debate público informado. A coragem de algumas fontes é essencial: sem elas, grandes escândalos nunca teriam vindo a lume.

    Esta investigação enquadra-se nessa categoria porque revela, com números e exemplos, por que razão o sistema fiscal dos EUA está desatualizado. Tornou-se injusto. O contrário do seu princípio fundador, da sua própria justificação: que todos devem pagar a sua parte e que os mais ricos devem pagar mais. Um exemplo?

    Segundo os cálculos dos investigadores, os 25 norte-americanos mais ricos tinham uma fortuna de 1 100 mil milhões de dólares [cerca de 907 mil milhões de euros] no final de 2018. São precisos 14,3 milhões de cidadãos assalariados comuns para angariar o mesmo montante.

    No entanto, enquanto os 25 bilionários pagaram 1,9 mil milhões de dólares em impostos, os outros partilharam um acréscimo de 143 mil milhões de dólares. Os mais ricos não contribuem mais para o esforço geral. Perante uma pandemia que agravou as desigualdades, isto é ainda mais chocante.

    Warren Buffett e outros defendem-se, invocando a filantropia. Isso é perverso! Claro que todos são livres de usar a sua fortuna para fazer o bem, e tanto melhor se uma parte [destas fortunas] servir os mais pobres. Mas não cabe a um punhado de cidadãos ricos decidir quais as causas, as categorias de pessoas e os setores que devem receber ajuda.

    Esta escolha deve ser o resultado de um processo democrático. Caso contrário, serão os filantropos a estar no poder, não os líderes eleitos. Invocar a legalidade das práticas, crucificar aqueles que não entendem o sistema, é negação da realidade ou má-fé.

    Estes bilionários não estão a fazer nada de ilegal, e é precisamente esse o cerne do problema do sistema fiscal. Se fizessem batota, então haveria meios de ação. Na realidade, estão simplesmente a utilizar os meios de que dispõem para reduzir a sua base tributária. Uma pitada de hipocrisia: vários destes bilionários, patrões e empresários, como Mark Zuckerberg (não é o único), o diretor do Facebook, não recebem qualquer salário.

    O que parece ser um gesto de boa vontade é, pelo contrário, uma forma de pagar menos impostos, uma vez que é precisamente o rendimento do trabalho que é mais tributado. Muito além da mais-valia (dividendos, venda de ações). Inversamente, toda a riqueza não realizada (as suas ações em empresas) não é tributada graças a uma decisão do Supremo Tribunal datada de 1916.

    Se estes contribuintes precisam de liquidez, é sempre possível recorrer a uma riqueza não tributada. Mas há uma maneira de reduzir ainda mais a sua fatura fiscal: pedir emprestado. O investidor Carl Icahn é o grande especialista na matéria, com centenas de milhões de dólares disponibilizados pelo seu banco.

    Não há rendimentos a declarar e, além disso, juros sobre empréstimos abatem ao montante a pagar. Podemos questionar a metodologia do ProPublica, que calculou uma “taxa real” de imposto segundo a evolução da riqueza dos bilionários em causa (contando com o trabalho de outro meio de comunicação social, a Forbes, especialista no cálculo da riqueza) e os impostos efetivamente pagos. Mas o que alteraria uma ou duas casas decimais depois da vírgula?

    Recorde-se: há alguns anos que Elon Musk (Tesla), Carl Icahn (investidor), Jeff Bezos (Amazon) não pagam qualquer imposto. Zero! Enquanto isso, os contribuintes médios [dos EUA] que trabalham para viver pagam um imposto de 14% sobre o rendimento. Nada ilegal, então, mas nada ético também. Isto é tão verdade que alguns destes bilionários pedem mudanças.

    Warren Buffett disse-o: precisamos de uma revisão do código fiscal. O “oráculo de Omaha”, como é apelidado, já disse, ele e os seus companheiros não pagam impostos suficientes. Mas as reformas sempre falharam. Talvez as revelações ProPublica deem o impulso que tem faltado até agora para rever um sistema que se tornou profundamente injusto

    Publicidade

    spot_img

    POSTAR COMENTÁRIO

    Por favor digite seu comentário!
    Por favor, digite seu nome aqui

    Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

    - Publicidade -spot_img

    ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    TSE suspende julgamento de ações que pedem cassação de Moro por atos na pré-campanha em 2022; caso será retomado na 3ª

    O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suspendeu nesta quinta-feira o julgamento das ações que pedem a cassação do senador Sergio...

    Artigos Relacionados

    Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
    • https://spaudio.servers.pt/8004/stream
    • Radio Calema
    • Radio Calema