Quinta-feira, Maio 16, 2024
18.9 C
Lisboa
More

    Chuvas em Petrópolis seguem o curso de uma tragédia conhecida e anunciada

    A tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, onde mais de cem mortes foram confirmadas em razão dos deslizamentos provocados pelas chuvas, segue um roteiro conhecido de outras experiências não muito distantes na memória. Meses atrás, Minas Gerais, Bahia e Grande São Paulo enfrentavam a mesma situação.

    Há elementos comuns em todos esses casos. Por onde passa, a chuva deixa um rastro de destruição e mortes. Quando as águas baixam, é possível observar os estragos e as ruínas das medidas que deveriam ser tomadas e não foram.

    Em Petrópolis, onde choveu em três horas o que estava previsto para o mês inteiro, uma bomba relógio estava devidamente identificada desde 2017, quando a prefeitura mapeou 15 mil famílias em áreas de risco. O estudo custou R$ 400 mil aos cofres públicos e identificou 27.704 imóveis localizados em áreas de risco alto ou muito alto, segundo o repórter Ruben Berta, do UOL. O morro da Oficina, epicentro da tragédia desta semana, era o local com mais casas em situação de risco.

    O roteiro batido de momentos como este inclui um capítulo à parte na qual a natureza é descrita como uma força irrefreável e insensível com quem quer que esteja a caminho. O próprio Jair Bolsonaro chegou a culpar as vítimas de outros deslizamentos, tempos atrás, por construírem suas casas em áreas de risco.

    Acontece que, quando o Estado falha em prover alternativas de moradia a um contingente populacional considerável, ele assume a culpa pelos riscos.

    Em sua volta da viagem à Rússia, onde passou perto de testemunhar o início de um conflito generalizado a partir da Ucrânia, o presidente encontrará na serra fluminense um cenário clássico do pós-guerra, como se o território tivesse sido bombardeado por inimigos.

    A tragédia mostra que pouco ou nada se aprende com a dor.

    Há pouco mais de dez anos, a mesma região foi devastada por chuvas intensas que deixaram quase 1 mil mortos. Diferentemente de outros países, onde uma simples sirene ativa a cartilha sobre o que fazer e como agir para se proteger em situações de risco, como um terremoto, não temos ainda uma cultura de prevenção em casos do tipo. Faltam monitoramento, sistemas de alerta, acordos entre poder público, associações de moradores e iniciativa privada para definir como as pessoas podem ficar em segurança, mesmo em abrigos temporários, quando a volta para casa, ou do trabalho, representa risco de morte.

    Inúmeras promessas foram feitas desde 2011. E, como parte do roteiro batido, descobre-se, ao fim da enxurrada, e em meio aos escombros, que o poder público não investiu metade do previsto para conter o desastre “natural” do futuro.

    A ausência de obras estruturais e emergenciais é apontada por especialistas como parte do desastre. Obras simples de contenção de encostas e de desobstrução de um canal subterrâneo no município poderiam ter evitado o pior – uma das causas do agravamento foi justamente a obstrução de um canal que leva as águas do rio Quitandinha ao restante da cidade. Esse canal precisa de intervenção há anos e encontrava-se em estado de deterioração.

    O roteiro da tragédia anunciada tem outras obstruções. Uma delas é política, e impede que gestores públicos se dediquem a projetos que podem não ser entregues em sua gestão. E que, se funcionar, não trarão louros ou visibilidade: ninguém noticia quando os sistemas de prevenção funcionam e todos acordam em segurança normalmente para seguir suas vidas.

    O estresse climático é outro item que precisa ser lembrado antes, durante e depois de tudo que aconteceu em Petrópolis. Ninguém ignora ou deveria ignorar que o impacto da crise climática na América do Sul inclui um aumento da precipitação média no Sudeste do continente. Isso significa um aumento da ocorrência de chuvas extremas.

    Em uma nota divulgada à imprensa, o Greenpeace Brasil afirmou que o forte temporal em Petrópolis escancara aquilo que a ciência já vem alertando há tempos: “o agravamento da crise climática torna os eventos extremos cada vez mais intensos e frequentes e reforça a necessidade urgente de ação do governo para a criação de medidas de adaptação”.

    Essas medidas de adaptação, segundo a nota, seguem sem ser implementadas de forma efetiva nas políticas públicas do estado. A ONG afirma que o risco decorrente da crise do clima é historicamente negligenciada pelo governo do estado do Rio, que “precisa urgentemente criar medidas de prevenção, adaptação e desenvolver ações estruturais de enfrentamento a este cenário”.

    A única solução, diz o porta-voz do Greenpeace Brasil, Rodrigo Jesus, é que os estados brasileiros decretem emergência climática, para “trazer soluções em constante diálogo com a sociedade civil”.

    Um abaixo-assinado para pressionar governadores a tomarem esse tipo de medida foi lançado pela entidade em suas plataformas.

    “Precisamos de medidas estruturais que garanta a resiliência destas populações. É urgente decretar emergência climática”, afirma Jesus, na nota.

    Que o fim do período chuvoso não deixe para depois a contenção da tragédia de amanhã que poderia ter sido contida ontem.

    Publicidade

    spot_img

    POSTAR COMENTÁRIO

    Por favor digite seu comentário!
    Por favor, digite seu nome aqui

    Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

    - Publicidade -spot_img

    ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Excesso de capacidade na indústria siderúrgica da China se espalha para os mercados de exportação

    Uma investigação do Ministério do Comércio da Tailândia poderá ampliar as medidas anti-dumping contra bobinas de aço laminadas a...

    Artigos Relacionados

    Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
    • https://spaudio.servers.pt/8004/stream
    • Radio Calema
    • Radio Calema