Ex-presidente da Comissão Europeia falou durante 10 minutos com os jornalistas sobre a polémica. Defendeu ser “perfeitamente ético e moral” aceitar o cargo e disse que António Costa teve uma “atitude digna” ao pedir esclarecimentos a Juncker.
Visivelmente irritado com a “discriminação” que diz estar a ser alvo, Durão Barroso falou de viva voz aos jornalistas portugueses, esta sexta-feira, por causa da polémica que envolve o seu novo trabalho no Goldman Sachs. Críticas são uma coisa, mas ver-se “restringido” nos seus direitos, é outra. Mesmo que pudesse voltar atrás, faria tudo outra vez: “Fiz tudo corretamente”, diz. Tanto moral como eticamente não vê qualquer problema em ir trabalhar para aquele banco. Tem, de resto, uma explicação para o facto de o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ter decidido retirar-lhe o tratamento VIP que um ex-líder deveria receber, passando a tratá-lo como um simples lóbista.
“Por que razão foi anunciado contra mim? A minha opinião é porque eu sou português, porque se fosse contra um membro italiano imediatamente a Itália caia toda em cima de quem tivesse anunciado essa posição (…).
Por que razão havia de estar restringido nos meus direitos? Era só o que faltava. Não aceito que restrinjam os meus direitos como cidadão que sou português e europeu”.
“Perfeitamente aceitável do ponto de vista moral e ético”
Barroso lembrou que houve “muitos bancos” que foram acusados de ter contribuído para a crise financeira, para além do Goldman Sachs.
“Uma coisa é certa: eu não contribui. Eu não fiz nada de irregular no banco e aceitei ir para esse banco precisamente porque o banco me deu garantias de que queria reforçar a sua cultura de transparência e responsabilidade. Deixe-me explicar que como presidente não executivo do banco o meu trabalhos era promover uma cultura de responsabilização, uma cultura de ética, uma cultura de transparência no banco. Eu não posso ser responsabilizado por coisas que o banco eventualmente terá feito no passado”.
Invocou, a esse propósito, o princípio do direito “de não responsabilizar as pessoas por aquilo que outros fizeram, ainda por cima que fizeram no passado”.
“Por isso, acho que é perfeitamente aceitável do ponto de vista ético e moral trabalhar para o Goldman Sachs, como é ético e moral trabalhar para outros bancos desde que a pessoa que o faz o faça precisamente no respeito por esses princípios éticos. É o que estou a fazer e vou fazer”.
As críticas que não aceita
O tema é “controverso” e o próprio o assume, mas quer separar as águas. “Compreendo algumas críticas, não aceito outras”. “Eu sei perfeitamente que o Goldman Sachs é um nome controverso, mas como são controversos praticamente os nomes de todos os bancos internacionais. Ainda agora um dos maiores bancos europeus viu ser-lhe aplicada uma multa historicamente elevada pelos reguladores norte-americanos”, exemplificou, aludindo ao Deutsche Bank.
“Pode-se concordar ou não com a minha escolha. Mas há uma coisa que é certa: eu sou um cidadão português, eu estou na plenitude dos meus direitos, não aceito que me sejam limitados os meus direitos. Por que razão é que eu não tenho o direito de trabalhar onde quiser trabalhar desde que seja obviamente uma entidade legal? Não é um cartel da droga”.
Lembrou que cumpriu “escrupulosamente” todas as obrigações e prazos. E puxou a si os galões de ter sido ele próprio, enquanto presidente da Comissão que alargou o período em que ex-líderes não podem desempenhar funções na banca de um ano para um ano e meio desde que cessam as suas funções.
“Portanto fiz tudo rigorosamente transparente, regular, escrupulosamente certa e não aceito que me atribuam agora intenções malévolas e comportamentos incorrectos ou que procurem limitar-me os meus direitos”.
O desapontamento com François Hollande
De Marine Le Pen, “a primeira” a ter criticado o seu novo trabalho, esperava críticas, por ser da extrema-direita e “contra a tolerância e a liberdade”. Já do Presidente francês, François Hollande – que apoiou “inteiramente” a decisão de Juncker de mudar a forma de tratamento para consigo – , Barroso não esperava.
“O que é engraçado neste caso é que algumas forças de esquerda em vez de criticarem esta posição da extrema direita foram atrás porque tiveram medo. (…) François Hollande não merece qualquer comentário meu. Atribui-me uma das mais altas condecorações que França pode dar. Acho que fez aquilo por pressão que houve nomeadamente da extrema direita e que não dignificou nada fazer esse comentário”.
Costa esteve bem
Com tudo isto, mostrou-se “bastante satisfeito” com o pedido de esclarecimentos que o primeiro-ministro, António Costa, endereçou a Juncker.
“Acho que o primeiro-ministro agiu com muita dignidade defendendo aquilo que é, ao fim e ao cabo, uma posição portuguesa”, afirmou, numa das três referências que fez à atitude do chefe de Governo português.
“Não [se devem] tomar decisões, como se costuma dizer, pela cara do freguês. Isso é inaceitável, por isso o primeiro-ministro esteve bem quando pediu explicações”
Com um autoelogio implícito, Durão Barroso chegou mesmo a dizer que “talvez muitos nem tivessem convites” como este que recebeu. Pode haver polémica e controvérsia, mas garante que vai assumir o “desafio” que o “estimula bastante”. (Tvi24)
por Vanessa Cruz