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    Assimilacionismo, endogeneidade e autonomização

    Jean-Marc Ela, a propósito da “crise das sociedades tradicionais”, atesta que “o discurso acerca do Outro, cuja diferença cria problema, torna-se o discurso sobre a civilização do homem pelo homem que enaltece a assimilação dos selvagens.

    Discurso marcado pelo etnocentrismo, o medo e o desprezo do Outro, a paz branca e a conversão do Outro a si.” Daí que se entenda melhor a postura académica do ex-embaixador português Luís Gaspar da Silva, que, em vida, foi docente na Universidade do Minho e que no seu livro de política de cooperação, intitulado “Utopia seis destinos”, teceu o seguinte comentário: “(…)

    Outra acção sempre pensada e projectada em comum, seria no domínio da Sociologia, fazer desaparecer definitivamente a ideia reaccionária de que o africano não é completamente normal, mas pode ser ‘assimilado’.”

    Também o académico estadunidense Joseph Stiglitz, ex-vice-presidente do Banco Mundial, galardoado com o Prémio Nobel de Economia em 2001, refere que “(…) no pós-guerra houve um declínio de influência das antigas potências coloniais, mas a mentalidade colonialista ficou – a certeza de saberem o que é melhor para os países em desenvolvimento.”

    Na realidade, como confere no seu livro “O que é a Educação”, o sociólogo brasileiro Carlos Rodrigues Brandão, “não há apenas ideias opostas ou ideias diferentes a respeito da Educação, a sua essência e seus fins. Há interesses económicos, políticos que se projectam também sobre a Educação” e que, evidentemente, influenciam e determinam o seu paradigma conceptual e de desenvolvimento.

    As ciências sociais não se regem por determinismos rígidos e numa África traumatizada pela violência colonial, onde há um tipo de conhecimento adquirido por herança, que nos conduz à interiorização de um baixo sentido de auto-estima, numa África transformada pelas mutações actuais e pelo choque das ingerências, apela-se, evidentemente, a uma reposição histórica das realidades africanas.

    É preciso ajudar a construir “uma nova grelha (de leitura) teórica para a explicação dos factos e processos sociais angolanos que assenta numa sociologia (e epistemológica) do saber endógeno”, afirmou, em 1999, Victor Kajibanga, no âmbito de uma Conferência realizada em Lisboa e intitulada, “O lusotropicalismo revisitado”.

    Desde o “Plano de Acção de Lagos”, aprovado pelos chefes de Estado da ex-OUA, em 1980, que a noção de “desenvolvimento global endógeno” passou a constituir uma preocupação dos meios intelectuais e políticos africanos para a renovação de África.

    Esse Plano tinha como alvo a obtenção de um desenvolvimento endógeno; ou seja, um tipo de desenvolvimento que permita alcançar uma autonomia económica, intelectual, técnica e cultural e procurava inverter, até ao ano 2000, a delicada situação social e económica que ainda hoje prevalece no continente africano.

    Para tal, deveriam ser utilizadas estratégias, que se afastassem dos modelos de desenvolvimento colonial, favorecessem uma integração regional, para além de um desenvolvimento integrado e auto-sustentado ao nível africano.

    Contudo, os resultados apresentados no ano de 2000, pouco ou nada avançaram no sentido da obtenção de uma autonomia africana resultante da criação de um processo de desenvolvimento centrado e auto-sustentado. O “Plano de Acção de Lagos” foi também visto como um instrumento que permitia consolidar a independência política e chegar ao progresso e à unidade a que as sociedades africanas aspiram.

    Na problemática do desenvolvimento em África, o factor humano passou a constituir um elemento primordial. Daí que, os Chefes de Estado e de Governo da actual Unidade Africana tivessem consagrado a esse Plano de Acção um lugar importante, para tudo o que diz respeito ao desenvolvimento dos recursos humanos, logo a partir da eliminação do próprio analfabetismo.

    Louis Emmerij, ex-presidente do Centro de Desenvolvimento da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), em Paris, no período entre 1986 e 1992, foi peremptório na afirmação de que “a maior parte dos capitais susceptíveis de alimentar o desenvolvimento deve vir do interior.

    É essa naturalmente a garantia de autonomia. É esse sobretudo o único meio de garantir um processo de transformação em coerência com a história, a tradição e a cultura nacionais (…) a ideia de que o desenvolvimento está, antes de mais, nas mãos dos Africanos ganha terreno”.

    É certo que o conceito de endogeneidade nos remete para as fontes das chamadas tradições africanas, mas, evidentemente, sem que se perca de vista o imperioso desejo de progresso e de modernização abertos à comunidade, afirmou, por seu turno, o maliano Baba Akhib Haidara, ex-Director da UNESCO, do Bureau Regional para o Desenvolvimiento da Educação em África (BREDA), em Dakar (Senegal).

    Mas ainda a propósito de endogeneidade, Valentin Mudimbe, da República Democrática do Congo, refere no seu livro “A Invenção de África – Gnose, Filosofia e a ordem do conhecimento”, que antropólogos ocidentais e missionários tenham criado distorções, não só em relação aos que vieram de fora, mas também em relação aos próprios africanos, ao procurarem compreendê-los.

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