Uns usam-nas como púlpito, outros são ultrapassados pela força que delas emana. A tarefa de governar mudou com o advento das redes sociais? Num fim de semana em que os coletes amarelos ameaçam paralisar as ruas de França novamente, o que nasceu como contrapoder é hoje cada vez mais uma realidade a ter em conta.
Carlos Jalali – Politólogo da Universidade de Aveiro
A governação enfrenta atualmente desafios consideráveis. Na era da globalização, os instrumentos democráticos de cada Estado individualmente são, por si só, insuficientes para fazer face a todos os desafios emergentes, sejam económicos, sociais ou ambientais.
A ausência de estruturas políticas democráticas a nível transnacional leva a uma governação insuficientemente legitimada pelos cidadãos e contribui para a desconfiança destes em relação aos atores políticos tradicionais. Neste contexto, as redes sociais refletem os sintomas desta crise, não a sua causa.
Facilitam a organização de manifestações ou a mobilização em torno de novos atores políticos (vários deles populistas), sintomas da desconfiança numa governação com mecanismos democráticos insuficientes. Mas as redes sociais são o mensageiro desta crise, não a sua causa.
Francisco Conrado – Investigador da Universidade do Minho
Se imaginarmos as redes sociais como inquisidoras ou perscrutadoras do poder público – uma espécie de praça pública para o debate social – podemos achar que governar em tempos de redes sociais torna-se uma tarefa mais complexa. É a impressão que muitos têm destas plataformas.
Entretanto, as redes têm-se mostrado como aliadas da governação porque permite ao governante o controlo total sobre como a mensagem deverá alcançar a sua audiência, sem necessidade de negociar sentidos com intermediários habituais (jornalistas).
Exemplos: o presidente dos EUA e o presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro. Ambos parecem valer-se destas plataformas para anúncios oficiais e atividade política.
Rachel Mourão – Analista da Universidade de Michigan
Houve uma mudança na relação entre governantes e público e no papel dos média tradicionais mediando essa relação. Mas não mudou a forma de governar – talvez tenha até ficado mais fácil para os governantes, que já não dependem tanto do jornalismo tradicional para espalhar mensagens.
Pedro Adão e Silva – Politólogo do ISCTE
A hipótese de deixar de ser possível governar é, em si, implausível. A menos que as nossas sociedades evoluam para o caos e as formas conhecidas de Estado sejam finalmente superadas, alguma forma de governo existirá sempre. As redes sociais, como antes delas outras possibilidades inauguradas por transformações técnicas, levam ou levarão, contudo, a transformações profundas na relação entre política, governo, Estado e cidadãos.
Desde logo porque, como outros media antes (pense-se na televisão ou a imprensa escrita), alteram radicalmente os mecanismos de intermediação – criando uma ilusão de participação dos cidadãos e de proximidade entre quem governa e quem é “governado”.
No momento atual, ninguém parece estar preparado para este embate, e algum tipo de reinvenção das formas de governo ocorrerá (já está a acontecer). A extensão e as características desta reinvenção são, ainda, indeterminadas.