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    Shah Marai, pilar da AFP em Cabul e testemunha de uma era turbulenta

    Shah Marai dizia ter visto tantos cadáveres desde que começou a trabalhar para a AFP que não dormia mais à noite. O director de fotografia da agência no Afeganistão morreu nesta segunda-feira (30) em um atentado suicida em Cabul.

    Sua vida e seu epílogo ilustram tristemente os tormentos de seu país. Com 48 anos, Shah Marai começou sua carreira na agência em 1996 como motorista. E foi porque escutava música ao volante que o Talibã, então no poder, o espancou certa vez. Dez anos depois, ainda tinha sequelas, antes de ser operado no exterior em 2012.

    Shah Marai obteve sua vingança contra os “estudantes da religião” ao anunciar, em 7 de Outubro de 2001 para a AFP, os primeiros bombardeamentos americanos no Afeganistão, poucas semanas depois dos ataques de 11 de Setembro. O correspondente da AFP foi então preso pelos talibãs.

    Ele relatou em um blog da AFP que tirou “seis fotos naquele dia, nenhuma a mais”, em uma Cabul transformada em “cidade deserta”.

    Com o fim do reinado do Talibã, “tudo voltou a ser possível, até mesmo as coisas mais simples, como ir ao cabeleireiro para fazer a barba”, contava Shah Marai, com o rosto sempre barbeado, que depois de começar a fotografar para a agência em 1998, tornou-se fotógrafo em tempo integral em 2002.

    Era então a idade de ouro do Afeganistão. A segurança era garantida em todo o país e a esperança renascia.

    Mas os talibãs, derrotados sem combate, retomaram seus ataques em 2004. A princípio, os militares estrangeiros eram os principais alvos. Então, quando deixaram o país em 2014, foi a vez das forças de segurança afegãs. E, finalmente, os civis.

    Em Março de 2014, o jornalista Sardar Ahmad, outro pilar do escritório da AFP e um dos melhores amigos de Shah Marai, foi morto com sua esposa e dois de seus três filhos em um hotel muito seguro de Cabul. Os talibãs reivindicaram o ataque.

    Shah Marai sentiu fortemente o golpe, mas continuou seu trabalho.

    “Eu aprendi fotografia sozinho, então estou sempre tentando melhorar. E agora minhas fotos são publicadas em todo o mundo”, ressaltava.

    “Minhas melhores lembranças são quando venci a concorrência por ter a melhor foto do presidente ou de outra pessoa, ou do local de um ataque a bomba. Gosto de ser o primeiro”, dizia sobre sua profissão.

    – Noites em branco –

    Em 2015, o grupo Estado Islâmico se instalou no Afeganistão, multiplicando os ataques. O clima de medo era latente. O ar se tornou irrespirável. As imagens poderosas de Marai contam a história da guerra, terror e sangue.

    Em meados de 2016, em viagem a Paris, descreveu “as noites sem dormir”, passadas em branco fumando. Seu pânico e suas dúvidas depois de testemunhar “tantos atentados, tantas vítimas”. Seu desejo de deixar o país aumentava, como o de dezenas de milhares de outros afegãos antes dele.

    Seu medo acima de tudo era de colocar sua família em perigo. Shah Marai deixa seis filhos. A mais nova nasceu há duas semanas. O escritório da AFP tinha acabado de celebrar o evento há poucos dias, desafiando o clima tenso em Cabul, onde outro ataque havia deixado 60 mortos naquela manhã.

    Shah Marai, de grandes olhos azuis claros, piada sempre pronta e seu auto-proclamado título de “campeão de pingue-pongue do escritório de Cabul”, morreu nesta segunda-feira em um atentado suicida na capital.

    Depois que um primeiro homem-bomba em uma motocicleta explodiu sua carga diante da sede do NDS – o serviço de inteligência do Afeganistão – um segundo homem-bomba, “equipado com uma câmara”, explodiu entre os repórteres, segundo as forças de segurança.

    O ataque, que deixou pelo menos 25 mortos e 49 feridos, foi reivindicado pelo EI, que criticou os “apóstatas das forças de segurança e da media”.

    “Ele morreu fazendo seu trabalho, como fazia há duas décadas”, homenageou o correspondente do New York Times em Cabul, Mujib Mashal.

    “Estamos devastados pela morte de nosso fotógrafo Shah Marai, que testemunhava há mais de 15 anos a tragédia que atinge o país”, declarou Michèle Léridon, directora de Informação da AFP.

    “A direcção da AFP saúda a coragem, profissionalismo e generosidade deste jornalista que cobriu dezenas de atentados antes de ser vítima da barbárie”. (Afp)

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