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    Ser migrante

    Gabriel Baguet Jr (Foto: Jorge Monteiro/Portal de Angola)
    Gabriel Baguet Jr (Foto: Jorge Monteiro/Portal de Angola)

    As imagens e os gritos de apelo que chegam através de toda a Imprensa mundial é arrepiante face à condição de Ser Migrante. Qualquer imagem, relatos de dor e angústia de todos os homens, mulheres e crianças que não escolhem sofrer, nem ser Migrantes tem chocado o mundo. Como chocaram e chocam as tragédias das guerras civis, as atrocidades cometidas sobre seres humanos indefesos e todos os horrorres porque passou e tem passado a Humanidade. O que fazer para mudar o actual destino do mundo ?

    A pergunta mesmo que não formulada por qualquer homem ou mulher que habite e viva o quotidiano contemporâneo do mundo, decerto que está no coração e na alma de quem não é indiferente a quem sofre. Nascemos, crescemos, reproduzimos ou não e morremos. Mas morrer perante a indiferença dói e torna irrespirável o ar que respiramos. Disse-o há muitos anos num programa de televisão em que participei como convidado entre outros convidados, que ninguém escolhe onde nasce, enquanto ser em gestação não determina qual a epiderme que terá ou como viverá quando tomar contacto com o mundo. Nascer é um acto de amor e de esperança.

    O que assistimos e temos visto e lido contraria em absoluto toda a noção do que deveria ser a Humanidade. E este meu olhar assumidamente pessoal é extensível a outras tragédias quotidianas que em diferentes lugares do globo marcam os nossos dias. Em declarações recentes, o Director-Geral da Organização Internacional das Migrações William Lacy Swing disse algo muito pragmático e muito profundo e que cito neste artigo intitulado SER MIGRANTE: “É hora de fazer mais do que contar o número de mortos. É hora de envolver o mundo para deter esta violência contra migrantes desesperados.”. É uma verdade inquestionável.

    O que é preciso fazer para estancar tanta dor ? O que é preciso fazer para alertar consciências e parar com esta tragédia e outras que lemos, vemos e ouvimos ? É urgente repensar o estado do mundo. É urgente agir em prol da Condição Humana e em prol de quem sofre seja ele quem fôr e onde estiver. O que importa é construir caminhos que parem o sofrimento e que a escolha seja o mar como tragédia e fim de vidas de seres humanos impotentes.

    Com as tragédias de Outubro de 2013 quando mais de 400 migrantes morreram em dois naufrágios perto da ilha italiana de Lampedusa o Papa Francisco colocou o dedo na ferida e alertou o mundo do que se estava a passar. Dados e fontes diversas consultadas e as próprias pesquisas da OIM indicam que a Europa é o destino mais perigoso do mundo para os migrantes “irregulares”, com o Mediterrâneo custando a vida de mais de 2.300 pessoas este ano.

    Em todo o mundo, mais de 5.000 cidadãos migrantes ( homens, mulheres e crianças ) perderam as suas vidas em 2014. Ainda de acordo com a Organização Internacional das Migrações aproximadamente 3.270 migrantes são conhecidos por terem morrido nos primeiros 8 meses de 2015. Muitos mais estão desaparecidos. Como disse o Director-Geral da OIM já não basta contar os números. É preciso agir no plano diplomático, político e humanitário. É preciso repensar modelos.

    É preciso repensar modos de agir perante tantas fatalidades que a Humanidade enfrenta. É preciso mudar mentalidades e aumentar um visão Humanista centrada na condição humana específica de cada Homem, Mulher e Criança que habita o globo. Ao escrever este artigo recuei a 2008 e lembrei-me de uma Conferência Internacional que decorreu no Brasil entre 13 a 17 de Outubro de 2008, no Estado do Paraná, sobre o tema “SER MIGRANTE: LUGAR, IDENTIDADE TERRITORIAL e REDES SOCIAIS “.

    A Comunicação proferida pelos investigadores Priscilla Marchiori e Eduardo Marandola Jr vai de encontro a este artigo e explica a condição de SER MIGRANTE. Eles referiram e com propriedade o afirmaram que “ os movimentos migratórios envolvem uma problemática comum: a adaptação do migrante ao novo espaço. Essa adaptação depende em grande parte da relação migrante-local de destino. Tendo sido desligado dos seus lugares (território), o migrante sente-se perdido, sofrendo um forte impacto em sua identidade territorial e segurança existencial. No sentido de recuperar seu bem-estar e o sentimento de pertencimento, o migrante pode buscar a construção de novos lugares ou procura manter os vínculos com sua terra natal.

    No primeiro caso, os migrantes constroem lugares próprios que os remetem a uma rede social de seu lugar de origem. Personalizar os lugares é uma resposta ao choque identitário que o migrante sofre em relação à nova realidade. Esse choque dificulta o estabelecimento de uma relação entre o migrante e o local de destino, dificultando o envolvimento do migrante com o Japão. Palavras-chave: migração, lugar, redes sociais, segurança existencial As transformações que ocorreram na modernidade em termos de transporte e comunicação impulsionaram um aumento significativo da mobilidade espacial pelas facilidades que trouxeram para o deslocamento das pessoas e comunicação entre elas, em nível global.

    Nesse sentido, as migrações tornaram-se mais freqüentes, promovendo um fluxo de pessoas elevado ligando áreas anteriormente desconexas (local de origem – local de destino). Os efeitos das conexões estabelecidas entre essas áreas e os efeitos da mobilidade espacial sobre os migrantes tornam-se questões cujo entendimento é necessário para compreensão de problemáticas dos movimentos migratórios como a adaptação e a inserção do migrante ao local de destino.

    Essas problemáticas estão amplamente ligadas à relação dos migrantes”. Decorridos sete anos sobre este extraordinário e simbólico trabalho desenvolvido por estes dois Investigadores brasileiros eles afirma e bem que “ o movimento migratório implica, em termos existenciais, sair do seu lugar, num processo de desterritorialização, deixando os lugares de infância, juventude ou idade adulta, responsáveis pela sua formação enquanto pessoa e sob os quais está edificada sua identidade.

    O rompimento da forte ligação existente entre o ser e o lugar causa um abalo na segurança existencial e identidade territorial do migrante, tornando-o suscetível à angústia e ansiedade. É este estado que impõe a necessidade de enraizar-se no novo lugar. A segurança existencial e a identidade do sujeito dependem de que ele estabeleça e cultive laços com o lugar, envolvendo-se, portanto, com o mesmo (MARANDOLA JR., 2008). Nesse sentido, o migrante sente a necessidade de fixar-se para que possa alcançar uma sensação de bem-estar aliviando o incómodo sentimento de incerteza e instabilidade que perdura e se reforça com a ausência do lugar. No entanto, a fixação do migrante no local de destino tem algumas restrições ou condições em termos de identificação sociocultural e socioespacial “.

    No ano em que se fala no Ano Europeu do Desenvolvimento, no Pós-2015 em relação aos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, assistimos em tempo real o quanto chocante é ver seres humanos que perdem os seus lugares de referência espacial e afectiva e centram o seu desespero numa incógnita viagem através do mar e de outras opções de fuga em busca de um novo lugar para viver. Esta é a realidade pura e dura. Como disseram e defenderam os autores deste trabalho de investigação sobre o tema “ SER MIGRANTE: LUGAR, IDENTIDADE TERRITORIAL e REDES SOCIAIS “, “ o envolvimento de um indivíduo com o lugar é um processo complexo que não ocorre aleatoriamente.

    Alguns fatores encorajam/incentivam esse envolvimento, outros repelem qualquer tentativa ou interesse em fazê-lo. Dentre os fatores de encorajamento, a identificação com o lugar é crucial. O estabelecimento Ser migrante Gabriel Baguet Jr * de laços e a sensação de pertencimento ocorrem em um lugar cujas características sociais, culturais e de organização espacial não sejam de todo desconhecidas. Assim, lugares que tem sua construção guiada por sujeitos considerados semelhantes pelo individuo tendem a ser mais atrativos ao envolvimento. Nesse sentido, a interação do migrante com o local de destino fica dificultada”.

    “ Quando o migrante se depara com uma realidade diferente da sua tem-se um choque entre essa realidade e o seu ser. Esse choque dificulta o início de uma relação ser-lugar “. Quem experimentou na sua vida e por razões de natureza diversa sair do seu lugar de pertença, implica reaprender uma nova socialização com esse lugar e culturas diferenciadas do seu lugar de origem. Nós angolanos que passamos como outros Povos do mundo por processos de Migração experimentamos infelizmente essa “ relação ser-lugar que pressupõe uma construção mútua e simultânea de ambos, o sujeito constrói o lugar e ao mesmo tempo é construído por esse (CASEY, 2001 ) “.

    Como dizem os autores, “ a existência dos dois é dependente e recíproca. Os lugares em que o indivíduo viveu ou vive são responsáveis pela constituição de sua maneira de ser, assim como garantem a continuidade desse ser. Será esse processo de construção contínuo o que permite os sujeitos e lugares continuarem sendo (MARANDOLA JR., 2008) revelando, portanto, o entrelaçamento dos mesmos. A construção ser-lugar ocorre a partir da experiência “. Se nos lembrarmos do nosso passado histórico recente, qual foi o cidadão angolano, homem ou mulher, que não lembrou as suas vivências, as suas histórias de vida e as referenciações culturais quando pelos factores da guerra civil teve mesmo que internamente migrar do seu lugar de origem? Priscilla Marchiori e Eduardo Marandola Jr disseram e afirmaram no seu trabalho este pensamento que transcrevo e cito: “ o indivíduo não pode ou não é capaz de ignorar toda sua história e formação e/ou ser indiferente às características de sua nova realidade para estabelecer prontamente relações com o local de destino. Sendo assim, o migrante é impulsionado a construir lugares com que se identifique. Ele recria seus lugares para poder preservar a sua forma de ser, bem como, para reafirmar a sua identidade territorial. São as relações e laços promotores do envolvimento com os lugares que dão as fundações e sustento para o ser (CASEY, 1993). SER MIGRANTE, é uma escolha de uma coragem singular que o mundo e os seus decisores não podem ignorar. Porque tudo passa. Mas a passagem deixa marcas profundas aos sobreviventes. Às sobreviventes.

    Ninguém pode fechar os olhos a qualquer tragédia humana seja em que lugar do mundo acontecer. O verdadeiro Desenvolvimento Humano só poderá acontecer quando a indiferença der lugar à consciência. E os exemplos humanistas de diferentes homens e mulheres que ao longo da História da Humanidade ajudaram a transformar com Esperança e Sonho os horrores diversos vividos em todos os continentes, devem. (OPAIS)

    por Gabriel Baguet Jr

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