O Embaixador de Israel em Angola, Raphael Singer, apesar da distância que o separa do seu país acompanha a par e passo, o desenrolar dos acontecimentos na Faixa de Gaza, onde o exército israelita desenvolve uma ofensiva, sem precedentes, contra as forças do Hamas. O seu telemóvel possui uma aplicação que emite alertas sobre eminentes ataques do inimigo, neste caso, personificado pelo Hamas, que segundo ele, pretende fazer “desaparecer” Israel do mapa.
Na entrevista, o diplomata israelita analisa as origens do conflito e diz ser intenção do seu Governo viver em paz com os palestinos. Por isso, o exército do seu país desenvolve uma vasta operação no território, com a pretensão de criar uma zona desmilitarizada, e deste modo, conter o poderio bélico do Hamas. Considera a Autoridade Palestina, um aliado que, para seu espanto, efectuou uma coligação com o Hamas. O embaixador realça ainda na entrevista as contradições no seio de alguns países árabes, que não servem de motivação para qualquer iniciativa diplomática, em prol da paz. A entrevista, em exclusivo, a seguir:
PORTAL DE ANGOLA – Como é que descreve a situação que neste momento se vive na Faixa de Gaza?
RAPHAEL SINGER – O que realmente está a acontecer é outra fase de um conflito de muitos anos. Partindo da realidade concreta diria: a Faixa de Gaza, é um território palestino que fica entre Israel e o Egipto, que entregamos aos palestinos em 2005, com todas as estruturas, desde água, electricidade, agricultura, etc., Israel tirou todas as forças e também desmantelou aldeias que ficavam dentro da Faixa de Gaza.
Infelizmente poucos meses depois, em finais de 2006, o Hamas tomou o controle da faixa de Gaza de forma violenta. As pessoas do Hamas massacraram os dirigentes da El Fatah, a autoridade palestina. Criaram um tipo de governo muito radical, passando a actuar em nome do povo.
A essência da questão é que o Hamas, por razões ideológicas e religiosas, não aceita a existência do Estado de Israel. Não se trata necessariamente de uma questão de terras, passíveis de negociação. O que eles, na realidade não aceitam é um país legítimo como Israel. Esse é focus principal do seu programa político.
Desde que assumiram o Governo, em vez de investirem em escolas, hospitais, casas, grande parte dos seus recursos destinam-se a atacar Israel. Começaram com foguetes caseiros, que não causaram grandes danos, no início. Mas hoje o Hamas utiliza foguetes muito mais sofisticados, com tecnologia, fornecidos pelo Irão e outros países, que visam um ataque massivo contra Israel.
Desde 2006 até agora Israel viveu diariamente debaixo desta ameaça. Muita gente diz: essas ofensivas não fazem mal… Mas as pessoas que vivem nas zonas afectadas, que de quando em vez têm que correr com os seus filhos para um abrigo anti-bombas, não podem aceitar este estado de coisas. E repare só nisto: o meu telemóvel tem uma aplicação que emite alertas, cada vez que se realiza um ataque do Hamas. E isso acontece de forma permanente, como verificaram ao longo desta entrevista.
A fase seguinte, o Hamas começou quase há mês e meio, com o sequestro de três adolescentes. Isso agitou os ânimos. O Hamas começou por lançar 300 foguetes antes da reacção de Israel. Numa primeira fase fomos aguentando. Depois não foi possível tolerar mais os ataques e Israel decidiu passar à acção directa.
O Egipto negociou um cessar fogo de três dias e logo depois começou a operação israelita que o Hamas rechaçou. Israel ofereceu um cessar fogo que podia ser prolongado, mas o Hamas recusou. Ouvi há dias na televisão o seu líder que não está em Gaza, mas num hotel de 5 estrelas, num dos países do Golfo) declarar em conferência de imprensa um cessar fogo, mas na verdade declarou guerra…
E é essa a situação neste momento.
Uma coisa que não sabíamos antes e soubemo-lo, através da comunidade internacional é que além da capacidade dos mísseis há uma outra ameaça, que são os famosos túneis, construídos durante muitos anos. São muito sofisticados, construídos com betão (autênticas fortalezas subterrâneas), para entrada e saída de pessoas que participam nas ofensivas.
PA – E neste momento que previsões haverá em termos de negociações para o termo do conflito? É que não se vislumbra outra solução que não seja a política…
RS – Não há iniciativas neste sentido. Há duas coisas: uma coisa é o processo de cessar fogo. A Paz é a seguir a isso.. O problema é que o Hamas não aceita a nossa existência… A sua carta de princípios tem Israel como alvo a abater. Não querem paz connosco, porque acham que um dia com ajuda, não sei de quem, Israel vai desaparecer. Então cada paragem neste conflito, eles vão utilizar para reforçarem o seu poderio militar.
Por isso, a nossa preocupação é neste momento criar uma zona desmilitarizada na Faixa de Gaza, para não deixar o Hamas recuperar a sua capacidade militar.
PA – Existem contactos entre Israel e a Al Fatah?
RS – Sim. Digamos: Abu Mazi, presidente da Autoridade Palestina, praticamente é nosso parceiro, para a paz. É com ele que estamos a negociar. Infelizmente há dois meses, por razões que para nós é muito difícil de entender, Abu Mazi fez de novo, apesar das desavenças com o Hamas, uma coligação! Então nós perguntamos: se vocês querem negociar connosco, como é que vão fazer uma coligação?
PA – O que se nota neste momento é que as próprias Nações Unidas estão a condenar a violência na área…?
RS – Sim, mas onde estavam as Nações Unidas antes? Somente se levanta quando Israel tenta defender-se?
PA – E nestes termos existe alguma conexão com os EUA visando a procura de uma solução negociada?
RS – O Secretário de Estado John Kerry esteve no Egipto (cujo papel é muito importante), a tentar uma solução negociada. Mas o Hamas tentou declarar um cessar fogo. Tomei conhecimento, através do mundo árabe que há muitas críticas contra o Hamas. Porque é que começaram as acções armadas e porquê que não querem terminar?
Nós pensamos que para o Hamas, é muito fácil sacrificar o seu povo, quando os dirigentes estão no Qatar e no Dubai, vivendo bem, e parte dos seus dirigentes estão dentro dos túneis, sacrificando o seu povo…
PA – Em termos da Liga Árabe o que é que a diplomacia israelita tem feito no sentido de persuadir esses países a interferirem, com vista a um acordo que ponha termo ao conflito?
RS – A Liga Árabe apoiou a oferta do Egipto. Se estamos a falar duma coisa mais regional, os países árabes estão em guerra neste momento. Não tem nada a haver com Israel. Temos guerra civil na Síria, no Iraque e no resto do mundo árabe acontecem coisas que não têm nada a haver com Israel.
Não há uma posição única entre os árabes. Não comentando o que se passa noutros países, direi que há conflitos políticos fortes, entre a Arábia Saudita e o Qatar; a Turquia tenta atrapalhar a iniciativa do Egipto. Tudo isso é muita coisa que não tem nada a haver com Israel…Por isso é muito difícil entender a política interna da região. O surgimento do radicalismo sunita (existe o Hamas, o Boko Haram, em África). Existem nesses locais, muitas forças que praticam o radicalismo….
PA – E como é que Israel está a lidar com essa ameaça do radicalismo islâmico?
RS – A nossa mensagem para a comunidade internacional é que ela tem de entender o momento que estamos a viver. Israel é um país pequeno. Eu tive a oportunidade de visitar há duas semanas, a província do Kuando Kubango. Kuando Kubango é 20 vezes maior que Israel. É um país pequeno, democrático, liberal tentando desenvolver a sua economia, que nós queremos compartilhar com os nossos vizinhos. Mas como é que nós podemos compartilhar com os nossos vizinhos, se temos uma guerra civil em cima da nossa fronteira e temos a Faixa de Gaza?
PA – Existirá da parte dos palestinos também aquele sentimento de que é possível partilhar a boa vizinhança entre dois países? Existe essa possibilidade?
RS – Nosso desejo é: Sim! Porque não temos outra opção! Israel há muitos anos teve guerras violentas com o Egipto. Mas em 1977, o presidente egípcio (para nossa grande surpresa) viajou para Israel e no Parlamento israelita disse não à guerra. Ele tornou-se nosso parceiro e até hoje estamos em paz com o Egipto. Antes éramos grandes inimigos. O mesmo se passa com a Jordânia. O rei da Jordânia naquela altura, Hussein, declarou o fim da guerra. O nosso desejo é o mesmo para com os palestinos.
Depositamos imensa esperança no processo de Oslo que começou recentemente. Achamos que vamos chegar a essa solução. Mas infelizmente, esse processo não foi acompanhado com a cultura da paz. Ainda hoje as crianças palestinas são educadas a ver os israelitas como animais, como assassinos e alimentam conceitos menos correctos. Por isso falta essa cultura de paz! FIM.