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    PM etíope investido por mais 5 anos em contexto de guerra no Tigray

    O Primeiro-Ministro etíope Abyi Ahmed foi investido para um segundo mandato de cinco anos, num contexto de conflito desde Novembro do ano passado no Tigray, no norte do país, uma guerra que provocou em menos de um ano dezenas de milhares de mortos e 2 milhões de deslocados.

    “Eu, Abiy Ahmed Ali, hoje perante a Câmara dos Representantes do Povo, aceito ser nomeado primeiro-ministro”, disse o dirigente de 45 anos enquanto era investido para um segundo mandato de cinco anos, numa cerimónia antecedendo um grande encontro esta tarde no centro de Addis Abeba, na presença dos chefes de Estado da Nigéria, Somália, Senegal e Quénia.

    No poder desde 2018, Abiy Ahmed alcançou uma esmagadora vitória nas eleições legislativas do passado mês de Junho, um escrutínio boicotado pela oposição que para além de denunciar um resultado conhecido de antemão, também acusou o partido no poder de intimidações contra os seus membros.

    Ao recordar precisamente que “vários partidos da oposição preferiram abster-se de participar nas eleições” que “a OLF, o principal partido partido de oposição Oromo, não participou nas eleições” e que “a comunidade internacional reticentemente concordou que o Partido da Prosperidade tinha vencido de facto as eleições”, Manuel João Ramos, especialista do Corno de África ligado ao Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa não deixa de referir que esta eleição “não foi colocada em causa” mas que “ela surge num contexto particular que é de uma guerra civil que tem alastrado e que é provavelmente o conflito mais dramático e mais problemático em todo o mundo”.

    Para além deste contexto tenso no microcosmo político etíope, o país tem sido igualmente palco de um conflito considerado dos mais graves da actualidade no Tigray, no norte do seu território. De acordo com a ONU, para além de existir a suspeita da ocorrência de crimes de guerra naquela zona, no espaço de onze meses, este conflito já provocou pelo menos 50 mil mortos e 2 milhões de deslocados enquanto cerca de 350 mil pessoas estão confrontadas à fome.

    Nos últimos meses, a violência alastrou para as regiões vizinhas de Afar e Amhara, mergulhando concretamente a zona do Tigray naquilo que a ONU chama de “bloqueio humanitário de facto”, uma situação que leva a comunidade internacional a recear um cenário de fome generalizada, semelhante àquela que a Etiópia vivenciou na década de 1980.

    Galardoado com o Prémio Nobel da Paz em 2019 após colocar o ponto final a anos de guerra com a vizinha Eritreia, Abiy Ahmed viu diminuir drasticamente a sua aura de pacificador, devido ao conflito no Tigray. Os países ocidentais e em particular os Estados Unidos não escondem a sua decepção, Washington tendo inclusivamente ameaçado impor sanções em elo com este conflito.

    Ao recordar que na altura da atribuição do Prémio Nobel da Paz ao chefe do governo etíope, houve quem suspeitasse de que se tratava de uma operação de “marketing”, Manuel João Ramos considera que “esta atribuição do Prémio Nobel foi totalmente desajustada e ingénua porque aquilo que serviu como pretexto para tal nomeação, foi um acordo de paz com o Presidente da Eritreia que, na verdade, tinha todos os ingredientes para ser um acordo não de paz, mas de guerra”. Com efeito, o investigador refere que se tratou de “um acordo entre aliados conjunturais para combater e se possível exterminar um inimigo comum que era -e é- a Frente de Libertação do Tigray. Portanto, este acordo realizado entre os dois parceiros foi assumido como a comunidade internacional como um acordo de paz quando na verdade é um acordo de guerra e a guerra foi sendo preparada nestes dois anos e eclodiu em Novembro do ano passado.”

    A tomada de posse para um segundo mandato de Abiy Ahmed acontece também numa altura em que tem aumentado substancialmente o mal-estar com a comunidade internacional, apenas alguns dias depois de o seu executivo anunciar a expulsão de 7 responsáveis das agências da ONU presentes no país. Uma decisão que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, qualificou de “chocante”.

    Apesar de um número crescente de países expressarem a sua preocupação perante a viragem assumida por Addis Abeba, Manuel João Ramos considera que o executivo etíope está longe de estar isolado a nível internacional. “O apoio senão explícito, pelo menos tácito da China a este governo, existe, o apoio mais do que tácito -explícito- da Rússia em relação a este governo existe, há um acordo militar firmado (em Julho 2021) entre o Presidente Putin e o Primeiro-ministro Abiy Ahmed. Há um acordo com a Turquia e ele é extremamente efectivo, porque a Turquia é o segundo investidor na Etiópia e, em Agosto, a Etiópia comprou 51 milhões de Dólares em armamento de ponta. Os acordos entre a Etiópia e os países Árabes, nomeadamente os países que fazem parte do Conselho de Cooperação do Golfo existe e, portanto, o Primeiro-ministro está a apostar numa reforma muito radical das alianças típicas da Etiópia”, considera o analista.

    “A Etiópia era sempre vista como sendo um baluarte de cristianismo no ‘mar do Islão’ no Médio Oriente e no Corno de África, era um aliado muito importante dos Estados Unidos naquela região e também da União Europeia e neste momento os ponteiros viraram completamente para outros interesses, para outros aliados”, refere ainda o analista ao explicar que esta opção prende-se com a necessidade de “estar mais de acordo com aquilo que é a dinâmica da região em que o Egipto tem um confronto forte tanto com os países do Golfo Pérsico, como com a Turquia” e que “é neste contexto de um Egipto aliado dos Estados Unidos que Abiy Ahmed preferiu, porque a Etiópia tem um diferendo muito grande com o Egipto, encontrar aliados não junto dos Estados Unidos porque o aliado norte-americano pelos vistos não satisfaz muitos dos interesses da Etiópia, nomeadamente na chamada hidro-política do Nilo”. Portanto, conclui Manuel João Ramos, o chefe do governo da Etiópia “preferiu encontrar outros parceiros e esses parceiros são extremamente efectivos, seja em termos económicos, seja em termos de ajuda militar”.

    À luz destas alianças, tratar-se-á agora para o executivo de Abiy Ahmed de lidar com aquilo que especialistas chamam de “triplo desafio”, o próprio conflito no Tigray, assim como as suas consequências económicas e humanitárias que tendem a agravar-se. Expressando-se esta tarde, por ocasião da celebração da tomada de posse, o Presidente do Quénia deixou um aviso: “Para todos nós, no continente, a Etiópia é a nossa mãe. E como todos sabemos, se a mãe não está em paz, a família também não pode estar em paz (…) Então, meu irmão, tem muito trabalho pela frente”, concluiu Uhuru Kenyatta.

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    FonteRFI

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