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    Nigéria: A caçada de duas décadas da fortuna bilionária roubada por um clã político

    Conheça como foi a acção que tentou recuperar quantia bilionária roubada por Sani Abacha, que governou a Nigéria de 1993 até à sua morte, em 1998.

    Em Setembro de 1999, o advogado suíço Enrico Monfrini atendeu a um telefonema que mudaria sua vida.

    “Ele me ligou no meio da noite, me perguntou se eu poderia ir ao hotel dele, que ele tinha algo importante. Eu disse: ‘É um pouco tarde, mas tudo bem.'”

    A voz no outro lado da linha era a de um alto funcionário do governo nigeriano.

    – Você pode encontrar o dinheiro?

    Monfrini diz que o oficial havia sido enviado a Genebra pelo então presidente nigeriano, Olusegun Obasanjo, para recrutá-lo a fim de reaver uma quantia bilionária roubada por Sani Abacha, que governou o país de 1993 até à sua morte, em 1998.

    Como advogado, Monfrini construíra uma base de clientes nigeriana desde os anos 1980, trabalhando com café, cacau e outras commodities. Ele suspeita que esses clientes o tenham recomendado.

    “Ele me perguntou: ‘Você pode providenciar para que esse dinheiro seja devolvido à Nigéria?’

    “Eu disse sim. Mas, na verdade, eu não sabia muito sobre o trabalho naquela época. E tive que aprender muito rapidamente.”

    Para começar, a polícia nigeriana entregou-lhe os detalhes de algumas contas em bancos suíços que pareciam conter parte do dinheiro que Abacha e seus associados haviam roubado, escreveu Monfrini no livro Recovering Stolen Assets (Recuperando Bens Roubados, em tradução livre).

    Ele conta que uma investigação preliminar publicada pela polícia em novembro de 1998 apontava que mais de US$ 1,5 bilhão havia sido roubado por Abacha e seus comparsas.

    Como funciona o esquema

    Um dos métodos usados para acumular tal soma colossal era particularmente descarado: Abacha dizia a um conselheiro que lhe pedisse dinheiro para investimentos pouco específicos na área de segurança. Ele então assinava o pedido, e o consultor levava ao Banco central, que forneceria o dinheiro, geralmente em espécie. A maior parte desse dinheiro era então levado para a casa de Abacha.

    Esta foi apenas uma das maneiras. Outra era conceder contratos a amigos a preços altamente inflacionados e, em seguida, embolsar a diferença ou exigir que empresas estrangeiras pagassem altas taxas para operar no país.

    Foto de 1996 mostra Sani Abacha no aeroporto de Abuja na frente de soldados
    Abacha roubou mais de US$ 1 bilhão fingindo que o dinheiro era necessário para ‘segurança’. (Foto: D.R.)

    Isso durou cerca de três anos, até que tudo mudou quando Abacha morreu repentinamente, aos 54 anos, em 8 de junho de 1998.

    Não está claro se ele teve um ataque cardíaco ou foi envenenado, porque não houve autópsia, disse seu médico pessoal à BBC.

    Abacha morreu antes de gastar o dinheiro roubado, mas alguns registrs bancários serviram como pistas sobre onde estava escondido.

    “Os documentos com o histórico das contas me deram alguns links para outras contas”, diz Monfrini.

    Munido dessas informações, ele levou a questão ao procurador-geral suíço. Monfrini argumentou com sucesso que a família Abacha e seus parceiros haviam formado uma organização criminosa.

    Isso foi fundamental porque criou mais opções de como as autoridades poderiam lidar com suas contas bancárias.


    Quem foi Sani Abacha?

    Foto datada de 30 de agosto mostra o presidente nigeriano General Sani Abacha na última sessão da reunião de cúpula da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) em Abuja. A Grã-Bretanha descartou o dia 22 de outubro.

    AFP

    • Lutou pelo Exército na guerra civil nigeriana

    • Elemento-chave em dois golpes antes de se tornar ministro da Defesa em agosto de 1993

    • Tornou-se chefe de Estado em um golpe militar em novembro de 1993

    • Seu governo é acusado de abusos generalizados dos direitos humanos

    • Morreu inesperadamente em 8 de Junho de 1998, aos 54 anos

    • Pai de 10 filhos


    O procurador-geral emitiu um alerta geral a todos os bancos da Suíça exigindo que revelassem a existência de contas abertas com os nomes e pseudónimos dos Abachas.

    “Em 48 horas, 95% dos bancos e demais instituições financeiras declararam o que possuíam e que parecia pertencer à família.”

    Isso revelaria uma teia de contas bancárias em todo o mundo.

    ‘Contas bancárias dizem muito’

    “Descobriríamos em cada conta exatamente de onde o dinheiro veio e/ou para onde o dinheiro foi. Mostrar os meandros dessas contas bancárias me deu mais informações sobre outros pagamentos recebidos de outros países e enviados para outros países”, diz Monfrini.

    “Então, foi como uma bola de neve. Começou com algumas contas, e depois uma grande quantidade de contas, que por sua vez criou um efeito bola de neve indicando uma grande operação internacional.”

    “As contas bancárias e os documentos que as acompanham dizem muito. Tínhamos tantas provas de envio de dinheiro diferente para cá e para lá, Bahamas, Nassau, Ilhas Cayman — você escolhe.”

    O tamanho da rede de Abacha representa um grande esforço para Monfrini.

    “Ninguém parece entender quanto trabalho isso envolve. Tenho que pagar tantas pessoas, tantos contadores, tantos outros advogados em diferentes países.”

    Monfrini concordou com uma comissão de 4% sobre o dinheiro enviado de volta para a Nigéria. Uma taxa que ele insiste que foi comparativamente “muito barata”.

    Encontrar o dinheiro acabou sendo relativamente rápido em comparação a devolvê-lo à Nigéria.

    “Os Abachas brigaram ferozmente. Eles entravam com recurso na Justiça sobre tudo o que fazíamos. Isso atrasou o processo por muito tempo.”

    Mais atrasos ocorreram quando os políticos suíços debateram se o dinheiro seria roubado novamente se fosse devolvido.

    Algum dinheiro foi devolvido da Suíça após cinco anos.

    Monfrini escreveu em 2008 que US$ 508 milhões encontrados nas muitas contas bancárias da família Abacha na Suíça foram enviados para a Nigéria entre 2005 e 2007.

    Em 2018, a quantia que a Suíça devolveu à Nigéria atingiu mais de US$ 1 bilhão.

    Outros países demoraram mais para devolver o dinheiro. “Liechtenstein, por exemplo, foi uma catástrofe. Foi um pesadelo.” Em junho de 2014, Liechtenstein acabou enviando à Nigéria US$ 277 milhões.

    Seis anos depois, em maio de 2020, US$ 308 milhões mantidos em contas na Ilha de Jersey também foram devolvidos.

    Isso só aconteceu depois que as autoridades nigerianas concordaram que o dinheiro seria usado especificamente para ajudar a financiar a construção de uma ponte, uma via expressa e uma estrada.

    Alguns países ainda não devolveram o dinheiro.

    Monfrini ainda espera US$ 30 milhões que ele diz estar no Reino Unido, US$ 144 milhões na França e mais US$ 18 milhões na Ilha de Jersey. “Mas nunca se sabe”, diz ele.

    Sani Abacha em Abuja, capital da Nigéria, em março de 1998

    Abacha morreu subitamente aos 54 anos. (Foto: AFP)

    No total, ele diz que seu trabalho garantiu a restituição de pouco mais de US$ 2,4 bilhões.

    “No início, as pessoas diziam que Abacha roubara pelo menos US$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões. Não acredito que tenha sido esse o caso. Acho que já pegamos a maior parte, uma grande parte do que eles tinham.”

    Ele ouviu rumores de que a família Abacha já não é mais tão rica. Ou, como ele diz: “Eles não estão nadando em dinheiro como costumavam fazer no passado.”

    Quando ele olha para trás, parece satisfeito com seu trabalho. “Fizemos o que tinha de ser feito.

     

     

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