A denúncia feita pelo diário Jornal de Angola de que existe uma campanha contra Luanda “do poder ao mais alto nível em Portugal” esbarrou num muro de silêncio do Governo e dos dois partidos que o suportam.
No editorial, com o título “Jogos Perigosos”, o jornal oficial do regime deixa um aviso: “As relações entre Angola e Portugal são prejudicadas quando se age com tamanha deslealdade”.
É a reacção de Angola à notícia publicada há dois dias pelo semanário Expresso sobre a abertura de um inquérito-crime pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por fraude fiscal e branqueamento de capitais contra três destacadas figuras do Estado angolano, próximas do Presidente José Eduardo dos Santos: Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e ex-director-geral da empresa petrolífera nacional Sonangol; o general Hélder Vieira Dias, ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República, e o general Leopoldino Nascimento, consultor do ministro de Estado e ex-chefe de Comunicações da Presidência. No editorial de segunda-feira, os generais Hélder Vieira Dias e Leopoldino Nascimento são apontados como “militares angolanos com o estatuto de Heróis Nacionais”.
No editorial são feitas acusações ainda a “Mário Soares, Pinto Balsemão e Belmiro de Azevedo e outros”, porque “amplificam o palavreado criminoso de um qualquer Rafael Marques [jornalista e activista anti-corrupção], herdeiro do estilo de Savimbi”.
Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete do primeiro-ministro informou que o chefe do Governo estava “mergulhado” na visita de Angela Merkel. E os dois partidos que apoiam o Governo optaram por não fazer declarações sobre o assunto. Contacto idêntico foi feito junto do gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, mas sem sucesso. O assessor de Portas, Miguel Guedes, não atendeu os vários telefonemas feitos pelo PÚBLICO. E ao fim do dia, uma secretária do ministro dos Negócios Estrangeiros revelou que Paulo Portas e o seu assessor estavam a caminho do Cairo.
Também o socialista Alberto Martins, presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, mostrou-se indisponível para comentar o assunto por não ter informação suficiente e por considerar que deveria ser o Governo português a pronunciar-se sobre as denúncias feitas pelo Jornal de Angola, uma vez que a representação externa de Portugal compete ao Executivo de Passos Coelho.
Apanhado de surpresa, Jorge Braga de Macedo, responsável pelas relações internacionais no PSD, pediu que lhe fosse enviado um e-mail para se poder pronunciar sobre o tema, mas não chegou nenhuma posição do antigo ministro das Finanças.
Apesar de considerar que o assunto é da maior relevância, o vice-presidente do CDS-PP, o eurodeputado Nuno Melo, disse não estar legitimado em nome da direcção do seu partido para prestar declarações.
A PGR decidiu abrir um inquérito-crime por considerar haver “indícios suficientes”, depois de feita “uma análise financeira a diversas transferências e depósitos bancários efectuados em Portugal”, embora o processo se encontre numa fase preliminar de investigação e sem que nenhum dos três visados tenha sido, até agora, constituído arguido.
Segunda-feira, havia quem lembrasse que, dada a importância e delicadeza das questões levantadas pelo editorial, qualquer deputado na Comissão de Negócios Estrangeiros ou no plenário poderia requerer ao Governo, se assim o entender, informações sobre esta matéria. Tendo em conta que o processo judicial está ainda numa fase preliminar, a Comissão de Negócios Estrangeiros não pode obter informações junto da PGR.
FONTE: Público