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    Avançamos bastante no contexto dos Direitos Humanos

    (OPAIS)
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    Como é que estamos em termos de respeito dos Direitos Humanos no país?

    Para se responder a essa questão primeiramente deve fazer-se uma avaliação sobre as práticas de respeito dos Direitos Humanos. Mas, na experiência que tenho do tempo que trabalho com os direitos humanos registei principalmente a compressão sobre esta temática. A questão mais difícil na abordagem dos direitos humanos tem sido sempre o que são os direitos humanos. Porque se não se souber definir os direitos humanos não se pode ser capaz de responder à questão que acabou de me colocar. Mas posso responder já: considerando os direitos humanos como privilégios, prerrogativas que todo o cidadão deve merecer pelo facto de ser humano, posso dizer que estamos num bom caminho. Porque acompanhamos as várias obras, as novidades que estamos a ver neste país. É verdade que ainda temos muitas dificuldades, problemas a vencer, mas nós não estamos hoje na situação em que estivemos há 10 anos ou há cinco anos. A verdade é que vimos algumas novidades, porque dentre as várias prerrogativas, privilégios que são indispensáveis para que as pessoas possam viver, falando directamente de nós cidadãos angolanos, estão sendo postos à nossa disposição. Há o programa de ‘Água para Todos’, que o Executivo tem vindo a implementar, há programas de distribuição de energia eléctrica. Só que, muitas vezes, os nossos cidadãos pensam que o Executivo deve dar a todos tudo e de uma só vez, mas sabemos que, no cumprimento por parte do Estado das suas obrigações no contexto do respeito dos direitos humanos, também há prioridades e têm a ver com as condições financeiras. Para dizer que estamos num bom caminho, porque assistimos hoje a vários projectos habitacionais – são direitos indispensáveis para o cidadão, como a água, a luz. Portanto, estamos a ver, hoje em dia, que já não há grandes dificuldades de circulação entre províncias e dentro das próprias províncias entre municípios e dos municípios para as comunas. Os cidadãos, neste momento, atingiram um nível incrível de facilidade de comunicação e deslocação no país. O comboio retomou praticamente a sua trajectória antiga e, se há pontos onde ainda não chegou, vai atingi-los brevemente. Isto é o que registamos por parte daqueles que têm a responsabilidade por parte do Estado, isto é, dos responsáveis governamentais, com obrigação de responder à comunidade internacional. Estamos, de facto, num bom caminho. Há uma atenção bastante voltada para a educação das nossas crianças, saúde da população. En- fim, são tantas e tantas as coisas que hoje podemos ver.

    Quais são as principais reclamações que o senhor secretário de Estado tem ouvido dos cidadãos em termos de violações de direitos humanos no país, sobretudo no interior?

    Quando falamos dos direitos humanos às vezes ignoramos que todos nós temos responsabilidades e pensamos só na responsabilidade do Estado. A verdade é que o respeito dos direitos humanos no mundo interior depende, em primeira instância, do compromisso e da responsabilidade do cidadão. Portanto, isto é para dizer que estamos no bom caminho no contexto do cumprimento do Estado em relação às suas obrigações, muito embora ainda tenha muitas coisas a fazer, mas no contexto da responsabilidade colectiva dos cidadãos temos muitos problemas. Temos ainda grandes desafios, graves problemas no que diz respeito à responsabilidade de cada pessoa, porque esta responsabilidade de cada pessoa também desempenha um papel muito importante no contexto de respeito dos direitos humanos. Porque os meus direitos são respeitados lá onde respeito o direito dos outros. Para dizer que tenho estado a viajar para muitas províncias e estou mais do que nunca informado sobre a realidade e a área dos direitos humanos a nível do país. Temos muitos problemas, muita criminalidade, os crimes de homicídio voluntário, os furtos e são estes os crimes mais vulgares. E também há um outro crime que decorre do facto de a juventude estar a usar muita droga, uso excessivo de álcool e, quando ficam bêbados, começam a andar a porrada, o que já é crime. E quando a Polícia os interpela tem de repor a ordem.

    Estas violações são uniformes em todas as regiões do país?

    Não são. Variam nas diferentes regiões mas, não obstante isso, há um índice elevado de crimes de homicídio voluntário em todo o país. A nível do sul do país, por exemplo, há os conflitos de terra, roubos de gado. No norte há mais homicídios voluntários.

    Hoje fala-se muito da intervenção da sociedade civil na questão do respeito dos direitos humanos. Qual tem sido o apoio do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos e particularmente da secretaria que dirige?

    É preciso saber que as organizações não-governamentais não podem substituir a responsabilidade do Estado no contexto dos direitos humanos. É o Estado que tem a responsabilidade de responder pelos direitos humanos perante a comunidade internacional e, quando responde, tem o dever de apresentar o que tem feito para o cumprimento das convenções de que faz parte. Ora bem, neste contexto, as organizações da sociedade civil o que devem fazer é ajudar o Estado a cumprir as suas obrigações. Hoje, a Secretaria do Estado está integrada no Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, mas, na altura em que nós trabalhávamos apenas como Secretaria do Estado, realizámos um encontro alargado com as organizações da sociedade civil, no qual participaram 150 organizações. O objectivo foi precisamente sensibilizá-los de forma a trabalharmos juntos, de modo a colaborarem e, a partir daí, surgiu aquilo que é a plataforma entre a sociedade civil e o Executivo. Então, temos trabalhado com as organizações mais importantes no seio da sociedade civil que, logo no primeiro momento, colaboraram e estabeleceram a plataforma connosco, a Secretaria do Estado, por assim dizer, a porta de entrada do Executivo. Todas as semanas recebemos organizações da sociedade civil que vêm e manifestam interesse de colaborar, cooperar e até mesmo os desejos de assistência. Apresentam as necessidades que têm, as suas carências, pedindo apoios.

    E têm apoiado?

    Sabe que a Secretaria do Estado não tem… Eu sou secretário do Estado, a Secretaria do Estado está integrada no Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. No Orçamento Geral do Estado não existe um orçamento para se poder assistir as organizações da sociedade civil. Não obstante, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos tem estado a trabalhar para encontrar formas para ajudar. Não é simplesmente dando dinheiro que se pode ajudar, há outras maneiras em que pensamos ajudar as organizações da sociedade civil, participando, por exemplo, connosco nas digressões que fazemos. Hoje, por exemplo, no âmbito da Secretaria do Estado para os Direitos Humanos cooperamos com a Noruega, Espanha e, nestas viagens que fazemos a convite destes países, incluímos organizações da sociedade civil. Isto permite que avancemos juntos e, neste momento, estamos numa fase de formação para reforço das capacidades institucionais. Portanto, a sociedade civil também é incluída nestas nossas formações. Não avançamos sozinhos, mas temos alguns parceiros estratégicos.

    Pode avançar os nomes de alguns destes parceiros estratégicos?

    Membros de outros ministérios como os do Interior, Relações Exteriores.

    E na sociedade civil?

    A nível da Plataforma, nós pedimos e eles sempre fornecem elementos. O mesmo número que outros ministérios dão, a sociedade civil também fornece. Como titilares dos programas, às vezes temos mais dois elementos. Quando enviamos três ou quatro membros, as outras organizações enviam um membro, que nós chamamos um foco. Temos um ponto focal que vai representar o ministério e outro ponto as organizações da sociedade civil. Eles é que nos fornecem e desta forma estamos a ajudar a avançar connosco.

    Existem organizações da sociedade civil que querem assumir aquilo que é a responsabilidade do Estado?

    Até ao momento ainda não apareceu nenhuma organização com essa ambição de querer assumir a responsabilidade do Estado. Mas, de facto, têm aparecido apresentando certas necessidades para poderem funcionar. É preciso entender, e tenho esclarecido que as organizações se formam por livre decisão, que nunca foi o Estado a obrigar que elas se formem. Uma vez que um determinado número de pessoas acha que deve criar uma organização significa que devem organizar condições para tal. Portanto, não se podem aventurar em criar uma organização e esperar apoios. Quantas organizações foram criadas? Imagine se o Estado tivesse de apoiar todas as organizações… Todo o mundo podia criar uma organização porque o Estado dava dinheiro. É necessário que as organizações, ao surgirem, criem também as condições para poderem funcionar e trabalhar. O Estado, certamente, pode colaborar em certas coisas, tal como acabei de mencionar aqui. Devo dizer que nem mesmo as agências das Nações Unidas podem substituir o Estado no cumprimento das suas obrigações no contexto dos Direitos Humanos.

    As Nações Unidas ainda defendem a abertura de uma representação sobre os direitos humanos em Angola?

    Essa foi uma sugestão recentemente apresentada pela alta comissária das Nações Unidas, que esteve no nosso país e sugeriu que se criasse uma instituição independente dos direitos humanos. Fizemo-la ver que temos esta instituição e que não é do Governo – é a Provedoria da Justiça. A Provedoria da Justiça, que é Ombudsman em qualquer país, não é uma instituição governamental. Portanto, nós fizemos isso. Quem quiser apresentar sugestões pode fazê-lo, mas como Estado temos que analisar a forma de poder atender estas sugestões de forma favorável ou não. Uma vez que a sugestão de criação de uma tal entidade foi apresentada, imediatamente vimos que já existe, é a Provedoria da Justiça, que é uma instituição com uma certa autonomia.

    Dirigiu a então Secretaria do Estado dos Direitos Humanos, antes de ser integrada no Ministério da Justiça. Esta junção é vantajosa ou prejudica os esforços tendentes à melhoria do respeito e defesa dos Direitos Humanos no país?

    Penso sempre estas coisas de forma positiva e a integração não trouxe qualquer prejuízo. Muitas das vezes um prejuízo surge no âmbito das instituições quando as pessoas que fazem parte delas não sabem colaborar. Portanto, desde que haja uma boa colaboração não pode haver prejuízo nenhum. Esta junção foi uma ordem superior por parte do mais alto mandatário da Nação, o Presidente da República, que goza deste privilégio de poder decidir sobre a forma do seu governo e nós temos de obedecer. Ele decidiu que as coisas tinham que ser assim. E também é facto que a separação entre Ministério da Justiça e Secretaria do Estado para os Direitos Humanos criou muitos problemas no passado. Há aqueles que não viram isso com bons olhos desde o princípio, desde a sua criação, no momento em que eu era ministro sem pasta, encarregado de acompanhar a questão dos Direitos Humanos, mas não havia discussão nenhuma. Sucede que no momento em que o Presidente da República criou a s Secretaria do Estado para os Direitos Humanos, que era um departamento público, muitos problemas surgiram. Há quem não tenha visto isso com bons olhos, até que o Presidente da República decidiu procurar ultrapassar os problemas que estavam a ser criados por pessoas mal intencionadas, mesmo no seio do próprio Executivo. Não encaravam isso muito bem e o Presidente, para se ultrapassar o problema, integrou a Secretaria do Estado no Ministério da Justiça. Para mim, o que me interessa é precisamente cumprir com as minhas responsabilidades , o que tenho feito. Até este momento não vejo nenhum bloqueio, tenho uma boa colaboração com o actual ministro da Justiça. Aliás, ele foi sempre meu colega, quando foi secretário do Estado no Ministério das Relações Exteriores, eu também já ocupava as mesmas funções. É meu colega, demo-nos sempre muito bem e há um ambiente de harmonia. Nada está posto em causa e estou consciente que a minha presença no Executivo assenta nas cláusulas do Memorando de Entendimento de Cabinda. Sou membro do Governo de Angola e isso parte das cláusulas do referido Memorando. Tenho trabalhado activamente desde sempre, porque é aqui que devo servir também as causas do meu país.

    Qual é a relação que existe com os operadores de justiça e a Polícia Nacional, uma das instituições que é quase sempre acusada de desrespeitar os Direitos Humanos?

    O Ministério da Justiça é simplesmente o ministério da tutela que tem a ver coma questão dos tribunais e justiça. Sendo Ministério da Justiça, é a instituição que deve, portanto, fornecer as condições para o trabalho dos órgãos que intervêm na administração da justiça. Há os órgãos que intervêm na administração da justiça, como os magistrados e procuradores, e temos o Ministério da Justiça, que vela sobre as condições para que estes órgãos possam trabalhar num ambiente adequado para o exercício das suas responsabilidades. Estes órgãos são independentes, o exercício da actividade deles não depende nada de nós. A independência existe dentro do contexto das instituições e das condições necessárias para exercerem bem as suas actividades.

     

    ‘Sinto uma profunda aflição quando vejo correrem com as zungueiras’

     

    Mas como é que encara a actuação da Polícia Nacional e outros serviços de segurança, tendo em conta que nos últimos tempos ocorreram três mortes, supostamente protagonizadas por integrantes destas instituições, como são os casos de Cassule, Kamulingue e Hilbert Ganga? Estes casos não constituem graves violações de direitos humanos?

    O dilema é precisamente saber quais são as práticas violatórias dos direitos humanos. Neste âmbito, é verdade que há violação dos direitos humanos porque se tirou a vida de alguém. Sabe-se que o direito à vida é o direito n.o 1, porque se não houvesse a vida, pessoas vivas, também ninguém falaria nem reconheceria os direitos. Há violação dos direitos humanos, mas agora é necessário saber quem os violou. É por isso que temos os órgãos judiciais que devem gerir esta situação. Quando se trata destes jovens, que foram mortos, é um crime de homicídio e agora os órgãos que intervêm na administração da justiça estão a fazer o seu trabalho para poderem ter em conta os criminosos. Mas, muitas vezes, quando estas situações acontecem não devemos ver imediatamente o Estado. Não devemos achar que talvez tenha sido uma entidade do Estado que mandou matar. É preciso deixar aqueles que têm a competência de fazer a investigação apurar a veracidade dos factos para poderem fazer o trabalho. Este é um ponto essencial.

    A nível do respeito dos direitos humanos, como é que enquadra o facto de diariamente centenas de cidadãs angolanas, zungueiras, vendedeiras, serem corridas por agentes da Polícia e da fiscalização do Governo Provincial de Luanda? Isto é ou não uma violação, uma vez que estas pessoas lutam apenas para conseguir pão para os seus filhos?

    Sou testemunha disso, vejo e assisto a isso.

    Enquanto secretário do Estado para os Direitos Humanos, o que pensa disso?

    Sinto uma profunda aflição, porque não deveria ser assim. Essas senhoras se são zungueiras e estão a vender na rua não são as culpadas. Eu devo dizer que sou angolano, mas não conheço apenas Angola. Conheço países da África, Europa, Ásia e América latina. Devia-se pensar nos espaços para estas senhoras. Segundo a minha experiência em outros países africanos onde vivi, em cada município de Luanda ou comuna devia existir um mercado. Portanto, devia haver uma forma que facilitasse as senhoras a irem às praças, mesmo indo a pé, porque não é fácil e certas pessoas não têm condições suficientes para poderem comprar um stock de coisa para revender. Mas, a verdade é uma: não há espaços reservados onde estas senhoras possam vender e devemos saber que o comércio é uma das fontes de financiamento destas pessoas. Muitas vezes justificamos que criamos praças, mas é preciso saber a que distância é que está esta praça e como é que essas senhoras vão lá chegar. A verdade é que costumo sentir uma grande aflição diante do tratamento de que as senhoras são vítimas. E para que isso não acontecesse seria necessário que as instituições competentes pudessem criar condições para que essas senhoras tivessem espaços para vender. Posso dar um exemplo: estou cá em Talatona e nesta área toda não há um mercado, a não ser o do Kifica, que está no Benfica, está longe. Portanto, devo dizer que o tema dos direitos humanos é muito complicado. Primeiro: os direitos humanos estão presentes em tudo o que a gente faz. Portanto, nós não sabemos quando é que estamos a violar ou a agir bem, porque o respeito dos direitos humanos passa por uma fase de ensinamento e de aprendizagem. E a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece isso e recomenda que os direitos humanos constituem a norma alta da moralidade universal. É o ideal comum de toda humanidade, na qual cada um se deve inspirar para uma vida harmoniosa, na paz e na concórdia. Logo, é preciso tempo e tenho fé de que as coisas gradualmente irão melhorar. E muitos ainda não entendem o que são os direitos humanos e irão entender. Os direitos humanos procedem da dignidade intrínseca da pessoa humana, o que quer dizer que as pessoas hão-de exigir o respeito dos seus direitos constantemente. É por isso que se diz que qualquer sociedade, qualquer governo que não contemple a causa dos direitos humanos como prioridade transforma-se em inimigo da sua própria existência. É muito importante termos isso, porque os princípios dos direitos humanos procedem da dignidade da pessoa humana, é essa a origem dos direitos humanos. Nós hoje temos uma Constituição que recomenda que a dignidade da pessoa humana deve ser a base de toda a nossa acção. Os direitos humanos não são uma coisa de que podemos, de um momento para o outro, dizer que já entendemos e que estamos a cumprir. É preciso passar por uma fase de formação, entender bem e compreender quais são as práticas violatórias.

    Houve recentemente um incidente na Comarca Central de Luanda (CCL) com um saldo de nove mortos. Sabemos que tem visitado algumas prisões pelo país e gostaríamos de saber se o que tem constatado é o mais digno que se pode oferecer aos reclusos?

    Há unidades penitenciárias onde, de facto, os reclusos, embora privados de liberdade, andam à vontade. Há outras onde temos encontrado muitos problemas, mesmo do ponto de vista da própria gestão, isto é das chefias. É preciso uma grande experiência e formação para gerir reclusos, mas nós sabemos que, neste âmbito, há muitas falhas ainda. Há direitos humanos para os reclusos mas, muitas das vezes, eles não são cumpridos e tem havido muitas falhas. Penso que são falhas de gestão que estão na base de todos estes incidentes.

    É o que constatou nas penitenciárias que visitou pelo país?

    Quando digo falha de gestão quero acentuar que para gerir o recluso temos de saber fazê-lo do ponto de vista das condições materiais ou espirituais. Isto é, temos que saber ajudar a criar um ambiente psicológico normal, saudável e temos pôr à sua disposição as condições materiais necessárias. Há unidades penitenciárias que não têm espaços de lazer. Imagine um recluso que tem de fazer 15 anos e está o tempo todo fechado. Qualquer dia vai evadir-se… E quando falo de gestão é isso. Há unidades penitenciárias em que não há mesmo espaço onde o recluso possa estar à vontade. Estar a aprender, porque sabe que, qualquer dia, pode sair da prisão e tornar-se um mecânico, alfaiate, electricista ou outra coisa. Mas quando o tens fechado ele está ali e depois ninguém atende às suas questões… Visitámos unidades penitenciárias onde encontrámos reclusos que já cumpriram os prazos das suas penas mas que ainda estão na prisão. Recentemente, visitei uma província onde encontrei um recluso com uma pena de prisão de um ano, mas ele já cumpriu dois anos e três meses. Portanto, esta pessoa pode-se evadir. Estou a falar isso e assumo o que digo. Há reclusos que conhecem os seus direitos, entendem a lei e que sabem que quando uma pessoa completa metade da sua pena tem direito a liberdade condicional. Está consciente que não é indisciplinado, o director da prisão disse-lhe. Da minha parte já fiz o relatório, mas agora o problema não é meu. Ele continua na prisão e o que é que se espera dele? Ele pode se evadir. Portanto, há uma série de situações que às vezes não se tem sabido gerir e provoca aquela espécie de tumultos.

    A postura que tem sido assumida pelo Estado, não permitindo que algumas pessoas se manifestem, é a mais adequada ou constitui um desrespeito ao direito de manifestação?

    Penso que se as pessoas dizem que têm direito a se manifestar é porque a Constituição oferece este privilégio. Mas o Estado também tem grandes responsabilidades, porque, às vezes, antes da manifestação já há promessas e coisas que as pessoas dizem que pode acontecer. Na minha opinião, uma vez que a Constituição oferece estes privilégios todos, o que o Governo devia certamente fazer era mobilizar um contingente da Polícia para poder acompanhar estas manifestações, para evitar que haja desordem. Pode haver elementos que não fazem parte da manifestação a criar confusão. Enquanto houver uma grande contingente da Polícia a proteger a manifestação tal não acontecerá. É preciso dizer que o primeiro desordeiro deve ser posto a contas com a justiça. Praticamente é isso. Muitas vezes, se têm havido os problemas que vivemos, é porque há pessoas que estão por trás e a prometer que ‘vamos fazer isso, aquilo, hoje vão ver’. Antes da manifestação já estão a ofender, citar nomes, faltar ao respeito às pessoas e não é essa a cultura democrática. A manifestação inscreve-se no âmbito da cultura democrática, mas já não é esta a cultura democrática. Primeiramente, os manifestantes, partidos políticos da oposição ou líder de um grupo que se vai manifestar deve saber educar os seus simpatizantes e militantes. Deve saber orientá-los. Devem ter uma mensagem que interpreta o problema que eles têm, o porquê da manifestação e mesmo quando se criam os panfletos a mensagem que lá se coloca conta bastante. Se for uma mensagem para incitar a confusão, faltar ao respeito e insultar, essa não é já cultura democrática. Se quer se manifestar por causa da falta de água, então escreva que nós queremos água e mais nada. Não está a ofender ninguém. Se quer manifestar-se porque não há luz eléctrica colo- que ‘nós queremos energia’, temos direitos e pronto. Menos chamar nomes às pessoas, insultar e faltar ao respeito . Penso que, muitas vezes, é aí que não há entendimento e as pessoas dizem que o Governo impede. É preciso que os dirigentes que se vão manifestar saibam enquadrar a própria manifestação, os próprios membros. Há antecedentes que levam a certas tomadas de posição, mas digo que não podemos esperar que hoje tudo esteja perfeitamente bem. Direitos humanos são uma cultura, democrática e de paz. Isso precisa de educação e ninguém, por mais conhecimentos intelectuais que tenha, dispensa uma formação integral. Os Direitos humanos são uma matéria transversal e é preciso que a pessoa estude e compreenda para poder lidar, aplicar socialmente o seu conhecimento.

     

    ‘estamos muito mal no contexto das responsabilidades individuais’

     

    Não têm sofrido interferência política nesta batalha pelo respeito dos direitos humanos?

    Não tenho sofrido qualquer interferência porque cumpro as minhas responsabilidades sempre dentro dos limites da lei e das normas. Eu trato dos direitos humanos e não faço confusão. Tenho os cuidados suficientes para não sair fora das normas dos direitos humanos, porque não digo que estou especializado no contexto dos direitos humanos. Devo dizer que sou mestre em Administração Pública, mas sou investigador científico em Administração, Políticas Públicas e Direitos Humanos. Portanto, Direitos Humanos é uma área das minhas investigações diárias. Tenho estado a aprofundar os conhecimentos e não entendia os direitos humanos no princípio como os entendo hoje. Mas ao longo do tempo que já percorri nos direitos humanos, e fazendo sempre algumas investigações, entendi que se trata de uma questão muito complicada. E quando vejo certas confusões a nível da sociedade, entendo o porquê destas confusões. Não se trata de uma matéria fácil e, às vezes, pensamos que o problema é dizermos direitos humanos. Só para definir direitos humanos posso dizer que podem surgir 60 definições, todas elas certas e nenhuma errada. Portanto, trata-se de uma matéria que exige muita compreensão, trabalho e, a nível do país, é necessário que, nos próximos dias, os direitos humanos sejam abordados na televisão, rádio, teatro e outros processos que vamos ter de aplicar de maneira a elevar o grau de conhecimento sobre esta temática por todos os nossos cidadãos. Nessa altura poderemos esperar pelo respeito gradual dos direitos humanos. Mas devo dizer que os problemas não deixarão de existir, porque não há nenhuma nação do mundo que hoje possa dizer que não tem problemas de violação de direitos humanos. É uma responsabilidade colectiva, depende da responsabilidade e do compromisso de cada cidadão. E, por isso mesmo, deve reforçar-se a educação dos cidadãos.

    Angola tem sido alvo de apreciações através de vários relatórios, alguns a nível interno e outros a partir do exterior, feitos por organizações internacionais como a Global Witness e Human Right Watch. Como é que vocês, a nível do Executivo, recebem estes documentos e as suas conclusões que apontam o país como um dos principais violadores dos direitos humanos?

    Nós temos lidado com todas as organizações que acabou de citar. Quanto à Human Right Watch, chamamos a atenção sobre certas informações que eles difundem, porque podem correr o risco de perder o prestígio que sempre mereceram como organização reconhecida. Muitas das vezes são levadas por certos oportunistas, pessoas que querem fazer aproveitamentos políticos, mal-intencionadas e sem sentido de Estado. Muitas vezes é o angolano que vai informar uma organização internacional contra o seu irmão angolano. Mas, primeiramente, devemos saber que nas instituições angolanas estão os angolanos. E um angolano que vai informar contra estes homens lá fora faz o mesmo que pegar numa faca e espetar-se a si próprio. Quando você estiver diante destas organizações internacionais na terra deles, pensando que é muito bom para com eles, vão olhar para ti e vão-te dizer: ‘são estes’. Isto é para dizer que temos lidado bem e quando nos apresentam certas questões ou dúvidas esclarecemos. Por exemplo, recebemos ultimamente a alta comissária das Nações Unidas que foi connosco até à Lunda-Norte. Quando veio cá tinha uma percepção, mas não foi com a mesma que voltou. Ela voltou com uma percepção mais positiva, veio compreender que afinal de contas aqui não se está a brincar, há um trabalho. Só que, muitas vezes, temos sabido controlar-nos porque estas organizações esquecem-se da trajectória deste país. Temos uma trajectória que afectou bastante o nosso presente e o futuro, o que significa que os momentos que este país atravessou no passado, as sequelas deles não terminarão hoje. Os efeitos não vão terminar hoje. Isso afectou muito a mentalidade dos angolanos, o longo período de guerra, as circunstâncias e as condições em que as pessoas viveram e sobreviveram, não deve- mos pensar que será de um dia para o outro que as pessoas terão as suas mentalidades melhoradas. É preciso tempo. Temos sabido esclarecer as questões. Recentemente esclarecemos algumas que ocorreram na Lunda-Norte. Fomos lá no mês passado, onde se falava em assassínios de senhoras e na extracção dos seus órgãos genitais. Falámos com os familiares, esposos e ficámos a compreender o que estava a acontecer. Nem mesmo na Lunda-Norte conhecem exactamente quem são os autores, isto para dizer que a conclusão que tiramos é que a imigração que sofremos dos países vizinhos nos traz muitas coisas. Outras culturas, crenças, práticas, por exemplo, esta de matar senhoras e extrair os órgãos não é uma prática angola- na. É uma situação muito estranha para nós. Estivemos inclusivamente com o esposo de uma senhora e ele próprio matou a senhora e extraiu o seu órgão. Isto para ver que é uma outra situação, com uma outra dimensão, talvez psíquica. Mas a informação, tal como corria, era de que o Estado não estava a fazer nada. Fomos lá, apurámos os factos e informámos. É assim que lidamos e é uma forma também de estarmos com as organizações internacionais. E, anualmente, temos também feito os nossos relatórios sobre a evolução dos direitos humanos no país.

    Acha que hoje o mundo continua a olhar de forma errada o nosso país quando se diz respeito aos direitos humanos?

    Não. Quando digo não é porque temos acompanhado testemunhos de várias entidades estrangeiras que vêm ao nosso país. No passado, eles não podiam vir aqui, mas hoje vêm livremente. Há livre circulação de pessoas e bens, eles estão a testemunhar sobre a velocidade que as coisas caminham em Angola. Estamos a dar passos gigantescos e importantes, embora ainda existam muitas coisas para fazer a nível das províncias. Vim de Cabinda há alguns dias e, sinceramente, temos ainda muita coisa a fazer. Devemos dizer a verdade e toda a gente assiste: avançamos bastante no contexto dos Direitos humanos. Pelo menos no que diz respeito às obrigações do Estado. Onde estamos muito mal é no plano das responsabilidades individuais. (opais.net)

    por Dani Costa

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