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    Nova gestão de bolsas de estudo reduz estudantes angolanos em Cuba e no mundo

    Angola baixou para 80 o número de estudantes bolseiros em Cuba, como resultado das “novas linhas mestras” para a melhoria da gestão de bolsas de estudo externas – afirmou a embaixadora angolana naquele país, Maria Cândida Pereira Teixeira, numa entrevista à ANGOP.

    A diplomata explicou que, como resultado dessa política, nos últimos anos, o Governo angolano tem estado a “reduzir o número de estudantes bolseiros, não só em Cuba, mas em todo o mundo, ao contrário dos anos passados, que eram centenas e até mesmo milhares”.

    A melhoria da gestão de bolsas de estudos externas consiste em suspender a atribuição de bolsas para frequentar cursos de graduação e aumentar o número para cursos de pós-graduação, dando prioridade aos docentes das instituições públicas e privadas de ensino superior para frequentarem mestrados, especialidades médicas e doutoramento – disse.

    A embaixadora falou igualmente do aproveitamento dado aos recém-formados em saúde em Cuba, nomeadamente dos que chegaram em 2021 e este ano.

    ANGOP – Senhora embaixadora, Angola e Cuba têm um longo histórico nas suas relações. Pode dizer-nos em que nível se encontra a cooperação entre os dois países e quais considera os desafios a vencer nos próximos anos?

    Maria Cândida Teixeira (MCT) – As relações entre os nossos países foram oficialmente estabelecidas a 15 de Novembro de 1975, quatro dias após a proclamação da independência nacional de Angola. Cuba teve um papel de importância incomensurável. Em 1976, foi assinado o Acordo Geral de Cooperação Bilateral Técnica, Científica e Cultural (o primeiro), que abarcou quase todos os sectores, com realce para a formação de angolanos em Cuba e a presença de quadros cubanos no ensino angolano. Desde essa época, a cooperação evoluiu significativamente, de acordo com o contexto histórico internacional e os interesses das partes.

    É patente que as relações com Cuba ocupam um lugar de importância estratégica, quer pelo volume e diversidade das relações existentes, quer no domínio político, da saúde, da educação, da economia, da construção civil, da agricultura, militar e outros. Neste momento, ambos os países analisam a oportunidade de explorar outras áreas de cooperação, como, por exemplo, o turismo, onde os cubanos têm uma vasta experiência, que precisamos partilhar, pois Angola tem muito potencial nesse domínio. Já foram dados os passos conducentes à efectivação de parcerias público-privadas, a partir dos contactos mantidos pela Agência de Investimento Privado e Promoção de Exportações de Angola (AIPEX) e a Câmara de Comércio de Cuba, no âmbito da Comissão Bilateral Económica e Técnico-Científica.

    ANGOP – No passado, existia uma cooperação, sobretudo, nas áreas militar, na saúde e na educação. Estes continuam a ser os campos privilegiados nas relações entre os dois países, ou tudo se alterou com a dinâmica da geopolítica no mundo?

    MCT – A cooperação com Cuba continua e recomenda-se, além das áreas tradicionais, como a militar ou de saúde, daí se perspectivar o alinhamento do Plano de Desenvolvimento Nacional de Angola (PND) 2023-2027 e do Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (PNDS) de Cuba 2030, onde ambos os países vêem a necessidade de explorarem outros sectores estratégicos e prioritários para a cooperação, no período 2023-2025, nomeadamente o turismo, as indústrias farmacêutica, biotecnologia e biomedicina, energia e o agro-negócio. Actualmente, propõem-se adoptar uma nova visão estratégica de médio e longo prazos, a partir do estabelecimento de prioridades económicas, comerciais, financeiras e de investimentos. Trata-se de um passo importante para se construir uma nova dinâmica de cooperação bilateral, que permitirá aos dois países a realização de diferentes iniciativas conjuntas, envolvendo o sector empresarial público e privado.

    ANGOP – Este ano, Angola e Cuba acordaram a necessidade da revisão dos instrumentos jurídicos intergovernamentais e interministeriais, actualmente em diferentes estágios de negociação, adequando-os a um novo paradigma de cooperação, com enfoque para os domínios político-institucional, socioeconómico e financeiro. Como se encontra a aplicação deste protocolo?

    MCT – O protocolo para a revisão dos instrumentos entre ambos Governos encontra-se numa fase de reestruturação, adequação e alinhamento às novas transformações e à conjuntura actual que se vai verificando, quer no cenário interno de cada país quer no externo. Neste quesito, a Comissão Intergovernamental, nos seus últimos encontros, ressalta a necessidade mútua do seu desenvolvimento sucessivo, numa base sistemática e com objectivos concretos, com realce para a mudança na forma como estavam a ser implementados alguns acordos, nomeadamente de educação e de saúde. Deste modo, o Secretariado Executivo da Comissão Intergovernamental, no âmbito das suas atribuições, tem acompanhado o grau de implementação e realização dos instrumentos jurídicos vigentes.

    ANGOP – Em termos estratégicos, em que nível Angola coloca o relacionamento político, comercial e empresarial com Cuba?

    MCT – As relações entre Angola e Cuba encontram-se num nível excelente, tendo em atenção o seu carácter histórico e privilegiado. Ambos os governos fazem questão de exprimir em todo momento a sua satisfação pela sua qualidade. A nível comercial, está-se a analisar, através dos mecanismos existentes, a formulação de novos moldes de cooperação, para a sua dinamização em áreas que ainda não foram exploradas, mas que já foram identificadas e, a breve trecho, será levado ao conhecimento de todos. No domínio empresarial, aqui faremos enfoque ao Memorando de Entendimento assinado entre a AIPEX e a Câmara de Comércio de Cuba, cujo objectivo principal é o fomento do agro-negócio e o intercâmbio entre empresários e associações empresariais de ambos países. (…) Está na sua fase de trocas de informações sobre produtos de exportação, conjuntura de mercados e estudo da legislação de cada país para a sua posterior implementação.

    ANGOP – A Senhora Embaixadora tem o número aproximado de quantos cubanos trabalham em Angola no quadro da cooperação bilateral e em que áreas especificamente?

    MCT – No Quadro da cooperação bilateral, mais de dois mil colaboradores cubanos trabalham nas 18 províncias angolanas, sob o contrato da ANTEX, na sua maioria nos sectores da saúde e da educação. Vale ainda recordar que, fora do quadro da cooperação entre os nossos dois países, mais de seis mil cubanos vivem actualmente em Angola, desenvolvendo as suas actividades nos mais diversos sectores.

    ANGOP – Como tem sido o fluxo de requerentes de vistos de entrada em Angola, junto do Sector Consular da Embaixada nos últimos tempos?

    MCT – Com o alcance da paz, em 2002, verificou-se o aumento de fluxos migratórios de cidadãos cubanos por vários motivos. Com a Covid-19, este movimento foi interrompido. A partir de 2021, os pedidos de vistos retomaram, na sua maioria ao abrigo de acordos de cooperação nos vários domínios. Este ano, por exemplo, foram emitidos mais de 850 vistos, dos quais 716 de trabalho, 24 de permanência temporária e 106 de turismo. Com a retomada dos voos directos da nossa transportadora aérea TAAG, no passado dia 4 de Novembro, esperamos que o fluxo venha a aumentar, uma vez que não será necessário transitar por terceiros países para se chegar a Angola.

    ANGOP – Em que medida o Governo de Angola tem o controlo da comunidade de imigrantes angolanos residentes em Cuba?

    MCT – Não temos conhecimento da existência de comunidade de imigrantes em Cuba. (…) Temos, sim, alguns filhos de pais angolanos, sobretudo ex-bolseiros e de mães cubanas que, timidamente, têm aparecido no nosso sector consular a reclamar pelos seus progenitores.

    ANGOP – Angola reduziu o envio de estudantes bolseiros pelo mundo, em consequência, fundamentalmente, do aumento de instituições de ensino no país. Pode comparar o número de estudantes angolanos enviados para Cuba, há uns 20 anos, com os que para lá seguem actualmente?

    MCT – É verdade. Nos últimos anos, temos estado a reduzir o número de estudantes bolseiros, não só em Cuba, mas em todo o mundo. Actualmente, cerca de 80 bolseiros angolanos estão matriculados nas diferentes instituições de ensino em Cuba, ao contrário dos anos passados, em que eram centenas e até mesmo milhares. Angola apresentou novas linhas mestras para a melhoria da gestão de bolsas de estudos externas, que consiste em suspender a atribuição de bolsas para se passar a frequentar cursos de graduação e aumentar o número de bolsas para cursos de pós-graduação, dando prioridade aos docentes das instituições públicas e privadas de ensino superior, para frequentarem mestrados, especialidades médicas e doutoramento.

    Com base no paradigma de formação contínua dos professores em exercício nas instituições públicas e privadas de ensino superior (IPPES), Angola contará com acordos de cooperação assinados entre instituições angolanas e congéneres cubanas, bem como no domínio da investigação científica e inovação (…). Para o próximo ano, por exemplo, está prevista a implementação do ciclo de encontros anual entre magníficos reitores de universidades angolanas e cubanas, bem como entre directores gerais de institutos superiores.

    ANGOP – Cerca de 200 angolanos terminaram, este ano, a sua formação em Cuba, na especialidade de medicina. Que ganhos representa tal número para Angola, em particular no sector da saúde, e como se faz sentir a formação de estudantes em território cubano, no geral?

    MCT – Este grupo faz parte de outros que saíram de Cuba formados em diferentes especialidades e que hoje participam e dão o seu melhor na construção de uma nova Angola. Como sabe, nos últimos cinco anos, foram feitos investimentos importantes no sector da saúde, com a construção de unidades hospitalares em várias regiões do país. O Executivo continua a mobilizar recursos financeiros, através de linhas de crédito, para a construção de mais infra-estruturas e para a reabilitação e ampliação de grandes unidades, como é o caso do Hospital Américo Boavida, e para a conclusão do Hospital Geral de M’banza Congo. É evidente que este investimento em infra-estruturas, a nível central e provincial, tem que estar acompanhado de qualificados profissionais, e, deste modo, o regresso desse grupo a Angola e os mais de 500 que para lá já tinham regressado, no ano passado, é um grande ganho para as nossas unidades hospitalares e para todo o nosso sistema nacional de saúde.

    ANGOP – Em Julho de 2021, um estudante angolano (Armindo Leitão Jeremias) tinha sido condenado a 20 anos de prisão, por alegado assassinato de um cubano. Em que condição se encontra esse assunto e qual tem sido o papel da Embaixada de Angola?

    MCT – Lamentavelmente, o cidadão Armindo Leitão Jeremias, ex-estudante finalista do curso superior de Sistema de Informação de Saúde, da Faculdade de Tecnologia da Saúde da Universidade de Ciências Médicas de Havana, foi preso, no ano passado, depois de as autoridades cubanas suspeitarem ter sido ele o assassino de um cidadão cubano. Foi, por isso, julgado e condenado, pelo Tribunal Provincial de Havana, a 20 anos de cadeia. Desde o primeiro momento em que o caso foi despoletado, o papel da Embaixada foi auxiliar o cidadão com a constituição de um advogado, para o devido acompanhamento, na fase de instrução do processo preparatório e interrogatório, até à fase do julgamento. A Embaixada continua a prestar toda a assistência: aconselhamento comportamental jurídico, bem como visitas e apoio em alimentos, medicamentos e material de higiene pessoal.

    ANGOP – Há alguma possibilidade de o condenado cumprir a pena em Angola?

    MCT – Angola tem acordos específicos com Cuba e está a utilizar todos os mecanismos diplomáticos para continuar a tratar do caso. Como é de conhecimento público, em Abril de 2021, um Projecto de Resolução para ratificação de um Acordo entre a República de Angola e a República de Cuba, nos domínios da Assistência Jurídica e Judicial Mútua em Matéria Penal, foi aprovado pelo Parlamento Angolano. No âmbito das boas relações entre os dois países, foi assinado, em Havana, no dia 1 de Julho de 2019, o Acordo de Auxílio Mútuo em Matéria Penal, para o estreitamento e aprofundamento da cooperação entre ambos os Estados. Portanto, estamos a usar todos os instrumentos ao nosso alcance, que permitam a conexão entre os diferentes ordenamentos jurídicos.

    ANGOP – Existirão mais casos de detenções de cidadãos angolanos em Cuba?

    MCT – Felizmente, é o único caso. De frisar que, no mesmo ano, em 2021, tinha sido imputado, também criminalmente, um outro bolseiro finalista, por alegada subtracção, de forma fraudulenta, de 1, 3 milhões de dólares do Banco Central de Cuba, mas não foi provado e o visado já se encontra em Angola.

    ANGOP – Além de Cuba, a Senhora Embaixadora representa Angola noutros países da região, facto que aumenta a sua agenda de trabalho na América Latina e no Caribe. Como avalia essa intervenção e qual tem sido o foco do Governo angolano em relação a esses países?

    MCT – É mister transmitir que tem sido deveras interessante e desafiante essa experiência como representante do Estado Angolano junto desses países do Caribe e da América Central. Fui empossada em Março de 2020, por sua Excelência, Presidente João Lourenço, como embaixadora extraordinária e plenipotenciária da República de Angola em Cuba e, neste mesmo ano, no mês de Outubro, apresentei as Cartas Credenciais ao Presidente de Cuba, sua Excelência Díaz-Canel Bermudez.

    A minha nomeação como embaixadora de Angola em Cuba foi, concomitantemente, para oito países, nomeadamente República Dominicana, Costa Rica, Nicarágua, Panamá, Haití, El Salvador, Guatemala e Honduras. Fui acreditada nos quatro primeiros países, mas está em processo a acreditação nos outros quatro.

    Aqui, no âmbito da diversificação da economia, estamos a cumprir a orientação dada por Sua Excelência, João Lourenço, Presidente da República, ou seja, de se dinamizar ao máximo todas as potencialidades existentes nas missões diplomáticas, a fim de se mobilizar e atrair para o solo pátrio os investimentos pretendidos. É neste âmbito que estamos, em primeiro lugar, a estabelecer e a fortalecer as relações político-diplomáticas com os países onde já fui acreditada e, no decurso da apresentação das minhas Cartas Credenciais, fiz-me acompanhar de uma agenda que previa encontros com algumas entidades, tendo sido, de facto, muito bem sucedida. Em segundo lugar, será fazer face à nossa missão, que é nada mais do que promover o nosso país em toda dimensão, para que desperte interesse, não só no domínio institucional com esses Governos, mas com o sector privado desses países. Outro aspecto, não menos importante, é a promoção da nossa TAAG, que conta com uma vantagem de ser a única companhia aérea que sai de África e em menos de 15 horas chega ao Caribe e vice-versa.

    ANGOP – Desses países da região, quais são os que, de alguma forma, já estão no caminho da consolidação dessas relações e aqueles que ainda estão na fase inicial?

    MCT – Nos países da região, conseguimos despertar interesse à República Dominicana, um país que tem a economia mais forte das Caraíbas, conta igualmente com uma experiência no ramo do turismo, na agricultura e na indústria ligeira. Igualmente, eles mostraram, numa primeira fase, interesse em cooperar com Angola no ramo da agricultura, petróleo e minerais. Inclusive, a República Dominicana está na fase da elaboração de um acordo geral de cooperação, que nos vai submeter, a qualquer momento, depois de já nos terem submetido uma proposta de acordo de isenção de vistos em passaportes diplomáticos e oficiais.

    Com a República da Nicarágua, embora seja uma relação antiga, voltou a despertar essa mesma relação, que estava “adormecida”, e já foi possível identificar algumas áreas de cooperação, em que ambos os países possuem experiência, como da agricultura, pecuária, petróleos, energia, aviação, saúde, cultura e inovação. Igualmente, a Nicarágua comunicou-nos que está na fase da elaboração de um acordo geral de cooperação. Tivemos o mesmo entendimento com a Costa Rica e o Panamá.

    É importante transmitir que esses países das Caraíbas têm potencial e já são auto-suficientes em certos produtos alimentares, pelo que será profícuo Angola trocar experiências.

    Nota Biográfica da Entrevistada

    Nascida a 12 de Junho de 1955, na cidade do Luena, sede da província do Moxico, casada, mãe de três filhos, Maria Cândida Pereira Teixeira é a embaixadora extraordinária e plenipotenciária de Angola em Cuba, desde 14 de Outubro de 2020.

    Docente universitária de profissão, com a categoria de professora catedrática, ao longo do seu percurso profissional exerceu funções de chefe de Departamento de Física e vice-decana para a Área Científica da Faculdade de Ciências da Universidade Agostinho Neto.

    A partir de 2008, integrou o Governo angolano, exercendo o cargo de ministra da Ciência e Tecnologia, Ensino Superior Ciência e Tecnologia. De 2017-2019, foi ministra da Educação.

    Possui um doutoramento em Física Atómica e Nuclear Aplicada, pela Comissão de Energia Atómica do Vietname em Hanói, no ano de 2006.

    ANGOP
    Por Esmael da Purificação

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