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    Literatura angolana:
Leituras exógenas e endógenas

    (Crédito: Shutterstock.com)
    (Crédito: Shutterstock.com)

    No dia 05 de Julho de 2013, o escritor Lopitoó Feijó K. disse, ao jornal ”O País”, que uma literatura só é grande quando se lê a ela própria. O notável poeta e crítico da geração oitenta, integrante do colectivo de estudos literários Ohandanji, levou-nos a entender a urgente necessidade de se aumentar o exercício do estudo e da crítica literária nos círculos literários nacionais, repensando principalmente no papel da literatura angolana na construção da Nação.

    O incentivo a leitura possui grande benefício para um país, nomeadamente na educação, formação, conhecimento do mundo que o rodeia e, acima de tudo, os sonhos e anseios do seu povo.

    Nesta senda, a crítica literária joga um grande papel, ajudando o leitor a compreender as propostas estéticas dos autores, compreendendo determinado sistema literário, e orientando o escritor para seus enunciados, na perspectiva da sugestão do cânone literário.

    O cânone determina o conjunto de obras que servem de referência/ padrão para representar determinada literatura e fornece normas para o ajuizamento de novas obras. Esses são livros que resistem o tempo e representam a categoria de leitura obrigatória no ensino geral e/ou universitário.

    Neste capítulo, a literatura angolana tem uma grande tarefa, que é a de capitalizar os estudos literários nos vários níveis de ensino, uma vez que grandes universidades no Brasil e em Portugal têm contribuído maioritariamente com notáveis estudos, porém, muitas das vezes desfocadas da matriz da Angolanidade. É importante reconhecer que Infelizmente, a maior parte dos estudos literários feitos à literatura angolana são de estudiosos brasileiros e portugueses, formados em escolas ocidentais, com forte espírito eurocêntrico, além de muitos dos seus estudiosos não conhecerem o contexto angolano. Essa realidade nos oferece, em grande medida, uma leitura desfocada do sujeito literário. A título de exemplo, na Inglaterra, a literatura angolana ainda é estudada como literatura portuguesa, enquanto que no Brasil, há uma grande falta de enquadramento da nossa literatura, apesar dos vários estudos já realizados. Numa conversa por mim mantida com o ensaísta brasileiro Ricardo Riso, disse: “a respeito do ensino das literaturas aqui no brasil, em algumas instituições as literaturas africanas estão inseridas em literaturas de expressão portuguesa, já soube de lugares que ainda mantêm literaturas ultramarinas… ou seja, a colonialidade do pensamento brasileiro é forte e intensa ainda.”

    Paralelamente a isso, um aspecto a se ter em conta, é a visão racial que algumas editoriais no Brasil têm em relação as litaraturas, o que pode constituir um perigo à canonização de obras da literatura angolana. Em entrevista concedida pelo autor destas linhas e divulgada pela imprensa local, Ricardo Riso diz que “Em 2012, eu e a pesquisadora Geny Ferreira Guimarães (doutoranda em Geografia/UFBA) apresentamos, naUFOP/Minas Gerais, um exaustivo levantamento de autores africanos de língua portuguesa publicados no Brasil, intitulado: “Mercado editorial brasileiro: seus entraves para a aplicação da lei 10.639/2003 e o permanente não reconhecimento do negro escritor”. Nosso levantamento reuniu 115 livros das literaturas africanas de língua portuguesa (romance, contos, poesia e infantil) lançados de 1962 a Outubro de 2012. Da literatura angolana levantamos 62 livros, sendo que 48 obras são do cânone luso-descendente (Pepetela, Ruy Duarte de Carvalho, José Eduardo Agualusa, Luandino Vieira e Ondjaki). Ou seja, 77% da literatura angolana publicada no Brasil durante o período pesquisado resume-se a cinco autores, quadro ainda mais agravante após 2003, ano da lei 10.639. E não há como se estranhar este dado? Onde está o escritor negro angolano? Nos catálogos das editoras brasileiras é que ele não se encontra. Quem racializa a questão? E a situação só não atinge algo perto do zero porque editoras especializadas em temáticas afro-brasileiras se preocupam com essa disparidade, casos da Mazza, Nandyala e Pallas. Por outro lado, hoje temos editoras com forte suporte financeiro, de divulgação e obras com qualidade gráfica invejável que se escoaram no conceito da lusofonia. Entretanto, a lusofonia nada mais é que a renovação da discriminação ao negro escritor. Enquanto elas tentam fugir da estigmatização de autores africanos, eliminam as representações nacionais e continentais e incorporam um discurso diluído na lusofonia. Essas novas editoras mantêm a discriminação de raça e de gênero, fato já denunciado anteriormente pela Dra Laura Cavalcante Padilha (UFF) no seu brilhante artigo “A diferença interroga o cânone” que, ao se referir à constituição do cânone das literaturas africanas, cita as antologias “No reino de Caliban” (1975), de Manuel Ferreira, e “Entrevistas com Escritores” (1991), de Michel Laban, diz o seguinte: “Lembrando o fato de que o acervo crítico dessas literaturas se ter forjado inicialmente fora da África – na Europa e nas Américas, com Portugal e Brasil à frente –, começo a questionar até que ponto, o cânone ‘consagrado’ por outras vozes que não as africanas, submeteu-se aos mesmos mecanismos de dominação e poder que sempre tiveram como meta elidir as diferenças, sobretudo se o objeto recortado são questões como de gênero e raça” (2002, p. 164). Mudamos nesse sentido? De maneira nenhuma e só vamos fortalecendo a exclusão. E se analisarmos teses, dissertações e comunicações nas universidades e congressos de literaturas africanas, o que constataremos?”

    Enquanto isso, na década oitenta e noventa, o ensaísta angolano Luís kandjimbo, em varias conferências internacionais e mesmo na imprensa local, bateu-se contra a visão eurocêntrica do termo “Caliban” para as literaturas africanas de língua portuguesa. No seu célebre ensaio “CALIBAN: UM SIMBOLO OU UMA FALSA DENOMINAÇÃO? ”, Recorda que “Em 1971, Eugénio Lisboa advertia que o título da Revista “Caliban”, publicada em Moçambique era “perfeitamente simbólica”. Apesar disso, esse personagem foi adquirindo contornos de um mito fundados, não porque as literaturas africanas de língua portuguesa sejam efectivamente produções de “Caliban”, mas devido a sua estranha e inexplicável utilidade. Refira-se, a título de exemplo, o uso reiterado deste nome como arquétipo em certos sectores da crítica literária Portuguesa. É o caso de Pires Laranjeira que, após Manuel Ferreira, intitulou o seu livro de ensaios sobre as literaturas africanas de língua portuguesa denominando-as por “Literatura Calibanesca”.

    Caliban é primordialmente um personagem da peça de teatro “A Tempestade” de William Shakespeare. É também um personagem de Quadrinhos da Marvel Comics, dos X-Men. Já participou ao lado de Callisto de seu grupo, os Morlocks. Era um mutante que morava solitário nos esgotos e que temia os humanos e suas reações agressivas quando o via.

    Até que um clarão em sua mente o mostra que existia outros iguais a ele, ele sai do esgoto em busca de contacta-los. Encontra Kitty Pryde (na época, chamada de Ariel) e tenta leva-la consigo para os esgotos para terminar com sua solidão mas, é atacado por Tempestade e pela Mulher Aranha. Após a batalha, Caliban foi convidado a ir para a Mansão X mas preferiu retornar aos esgotos (Wikipedia, a enciclopédia livre).

    A dignidade de um povo passa também pelos símbolos que o representam, os angolanos estudiosos da literatura angolana devem intensificar os seus estudos literários, independentemente dos incentivos colocados a disposição ou existentes. As universidades e demais instituições ligadas a arte e literatura, devem aprofundar cada vez mais a pesquisa na área da literatura angolana, para que possamos, nós mesmos, através da nossa visão de angolanidade, construir uma identidade a medida da nossa presença no mundo dos homens. (opais.net)

    por Pombal Maria

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