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    Viúva de Amílcar Cabral relata a morte de dirigente do PAIGC há 50 anos

    Amílcar Cabral foi assassinado em Conacri a 20 de Janeiro de 1973, baleado por dois membros do seu partido, o PAIGC, um comando que tinha também detido Aristides Pereira, o seu braço direito. Este acabaria por ser solto pela intervenção das autoridades de Sékou Touré. Meio século depois a morte do fundador do movimento independentista continua envolta em mistério. Ana Maria Cabral é a viúva do pai das independências da Guiné e Cabo Verde, ela relata-nos o ocorrido.

    “Embora seja uma coisa dolorosa, não gosto de falar sobre isso, mas eu estava presente.

    Ele já tinha recebido várias informações de vários serviços de espionagem de alguns dos nossos amigos na altura, eu é que não sabia de nada. Mas vi que ele estava muito preocupado nesse dia.”

    Poderia ser com as divisões no seio do PAIGC, entre as várias alas?

    “Não, não havia divisão nenhuma e isso foi tudo criado pelos colonialistas.

    Estava já tudo preparado para proclamarmos o Estado, como foi feito só depois da morte dele. Mas estava tudo preparado, as assembleias, etc.”

    Lembra-se do que é que Amílcar Cabral fez ao longo desse dia?

    “Havia uma recepção, se a memória não me falha, parece-me que era na embaixada da Polónia e fomos lá.

    Ele não era muito de recepções, mas excepcionalmente ele disse: “A Polónia, quase que não recebemos ajuda nenhuma da Polónia e vamos lá para lembrar-lhes que nós também precisamos da solidariedade deles” e, portanto, fomos.

    Vi que ele nunca mais queria sair, dizia que tinha o pressentimento de que era o último dia da vida dele e, então, falava, falava… falava com todos embaixadores, com todos os diplomatas… fiquei até admirada porque é que ele não queria sair.

    Só mais tarde é que me apercebi, porque quando chegamos a casa já estava toda cercada pelos traidores.”

    É verdade que a senhora tinha pensado, de facto, por segurança, em levar uma pistola quando foi essa recepção à embaixada?

    “É verdade, é verdade.”

    Amílcar Cabral não permitiu que levassem essa pistola?

    “Não, não, não permitiu. Eu apercebi-me que algo se passava, não sabia o quê porque não tinha informações, mas ele não deixou e nem quis guarda nenhum. Nós fomos só os dois sozinhos, sem guarda, sem nada, sem pistola, sem nenhuma segurança.

    Quando regressamos a casa, vivíamos ali no secretariado, uma parte da casa era residência, outra parte era secretariado do PAIGC na altura. Então, a casa estava toda cercada e logo quando saímos do carro e eles vieram tentar amarrar o Cabral.

    Depois soubemos que tinham chegado a acordo com o Spínola e o acordo era entregar os principais dirigentes do PAIGC da altura para que o Spínola discutisse com eles uma espécie de autodeterminação da Guiné-Bissau sob a bandeira de Portugal colonialista.”

    O que é que viram?

    “Descemos do carro, eles tentaram amarrar o Cabral.

    O Cabral disse não, não me amarrem. Nós estamos a lutar para acabar com essas faltas de respeito de amarrar as pessoas. Se há problemas, vamos sentar-nos e assim, no secretariado, vamos discutir, escamoteá-los.

    Então, ele disse: “eu prefiro morrer”. Nunca mais me esqueci disso: “eu prefiro morrer a ser amarrado”. Então o Inocêncio Cani disparou logo à queima-roupa sobre o baixo-ventre.

    [Amílcar Cabral] dobrou-se cheio de dores e eles pensavam que já o tinham morto e caiu, portanto caiu no chão.”

    Amílcar Cabral recebeu um primeiro disparo do revólver de Inocêncio Cani e depois, efectivamente, uma série de disparos de kalashnikov, não é?

    “É verdade sim. O Inocêncio Cani conseguiu dominar Aristides Pereira, o conselheiro mais próximo de Cabral, na altura.

    O Cabral continuava deitado no chão, com camisa toda cheia de sangue, e ele disse: “Ainda estás a falar?” e diz a um qualquer que era para liquidá-lo de vez. E foi assim.”

    Faleceu logo na hora?

    “Não. Ainda ficou a falar. Ainda ficou a chamar por mim…. Foi uma coisa horrorosa.”

    Todos eles estavam com o rosto descoberto?

    “Sim, com o rosto descoberto.”

    Eram, de facto, todos eles militantes activos do PAIGC em Conacri?

    “Sim, gente que tinha tido problemas com a direcção do partido, problemas de disciplina. Para eles a luta já estava a durar há muito tempo, se calhar.

    Foram facilmente mobilizados, para esse grande esquema, esse grande complot que foi urdido por Portugal colonialista.”

    A senhora fala de Spínola, portanto não tem sombra de dúvida que por detrás do assassínio de Cabral estava Portugal?

    “Sim, sim. Estava Portugal e estava o Spínola, de certeza absoluta.”

    A tese de que haveria descontentamento no seio do PAIGC não a convence?

    “Não, não. Não me convence. Isto foi mesmo um golpe bem preparado e muito bem estudado.

    O PAIGC ultimamente estava a receber inúmeros de fugitivos que vinham da Guiné-Bissau, da Guiné colonial, gente já preparada para vir fazer o golpe.

    O Spínola preparou-os aqui em Cabo Verde, no campo do Tarrafal, e mandou para lá como desertores. Tudo falácias.”

    Por Miguel Martins

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