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    VICENTE PINTO DE ANDRADE: Máquina partidária do MPLA é o centro da disputa do poder

    O discurso do Presidente do MPLA, os graves problemas da cidade (e da Província) de Luanda e a importância do poder local, estiveram na origem desta entrevista ao professor universitário, Dr. Vicente Pinto de Andrade.

    Qual a sua leitura da última intervenção de José Eduardo dos Santos, na abertura da reunião do Comité Central do MPLA?

    Se eu for ver os discursos que o Presidente do MPLA tem feito ao longo dos anos, verifico uma repetição sistemática dalguns pontos que têm a ver não só com o funcionamento do MPLA, mas também com a reacção do País, embora seja mais fácil hoje falar sobre o país do que falar sobre o próprio MPLA. Há um princípio da física que diz que um estímulo muitas vezes repetido, torna-se ineficaz.

    O que é que isso significa?

    Que quando nós repetimos muito um discurso ou quando aparecemos muito, a eficácia da nossa mensagem é reduzida. O Presidente do MPLA tem esse elemento contra si.

    Isso não lhe facilita, não lhe permite aumentar a eficácia da intervenção e depois desperta também a atenção dos leitores e dos ouvintes. Por isso é que eu penso que as ideias que transmite, as palavras de ordem até as mensagens, que procura transformar em motores de acção política perdem força.

    Mas vivemos agora um quadro novo…

    Acredito que num quadro novo como é este em que depois das eleições do ano passado, o MPLA teve uma maioria absoluta, mas em que houve uma grande abstenção, o MPLA começa a pensar de uma maneira diferente daquela que era quando o MPLA teve resultados eleitorais, ou vitórias eleitorais com um nível de abstenção mais reduzido. O nível de abstenção do passado e o nível de abstenção elevado do ano passado mostram que houve uma alteração na atitude dos eleitores. Hoje, se nós formos a somar o número dos votos contra ou a favor de outros partidos, e o nível da abstenção, nós verificamos hoje, no nosso país, ao nível do país em geral, e ao nível das próprias províncias, o MPLA já não é reconhecidamente a força atractiva que era.

    Há outros partidos que surgiram, e até que alguns que se reforçaram, o seu eleitorado cresceu relativamente a 2008 e também houve um aumento significativo da abstenção e houve um partido, uma coligação de partidos que é a CASA-CE que conseguiu em pouco tempo, obter um resultado muito importante.

    Qual é então o problema de fundo?

    O problema que se põe hoje é que os factores que estão na origem do elevado nível de abstenção só podem ser combatidos se houver uma maior participação dos cidadãos na vida política. Nomeadamente se houver uma maior visibilidade doutros actors e se a comunicação social, fundamentalmente a pública, a Televisão, a Rádio Nacional, o Jornal de Angola, os meios que têm maior capacidade de penetração e de expansão ao nível do país, reflectirem mais aquilo que o país é. É preciso que, ao nível da comunicação social haja um reflexo do novo país que está a surgir.

    E este novo país que está a surgir, é produto também de dinâmicas económicas e sociais novas. Com uma maior diferenciação social, com uma maior concentração da pobreza e também da riqueza, com um maior de jovens escolarizados e também informados, não só através dos meios de comunicação social antigos mas também ao nível das redes sociais que são importantes veículos de transmissão de ideias, de preocupações, de projectos, é óbvio que as pessoas estão mais bem informadas. E como as pessoas estão mais bem informadas, e aumentaram o nível das suas expectativas em relação áquilo que pretendem, é óbvio que são mais exigentes. A vida política no país torna-se mais complexa, os partidos políticos deverão responder melhor a esta dinâmica e o MPLA que é o partido governante naturalmente que arca com o peso maior.

    E o que é que isso lhe obriga?

    E o peso maior obriga a que o próprio MPLA faça uma reflexão sobre aquilo que deve ser a sua actuação num quadro em que há uma maior diferenciação social, em que há um nível de escolaridade muito maior e que as pessoas estão informadas, não pelos canais oficiais mas por outros canais. No fundo, é um apelo à reflexão que o Presidente do MPLA fez no interior do próprio MPLA. Deve ser encarado de uma forma séria, de modo a que o MPLA possa ter um protagonismo que em conjunto com os outros partidos sirva a democracia.

    Porque a democracia faz-se com partidos. Se os partidos minguam, são extintos ou extinguem-se ou se os partidos perdem a sua força, é óbvio que fica um espaço aberto para outras forças, que muitas vezes não respeitam as regras democráticas.

    Por isso é que eu penso que a vida e a sobrevivência dos partidos é fundamental para a democracia. E neste caso o próprio MPLA não pode ter o destino que tiveram outros partidos em que, de repente desaparecem, por acções que nós vimos justamente na África do Norte e no Médio Oriente, em que, de repente, partidos que governaram durante muitos anos foram extintos ou desapareceram….

    Neste caso, qual é a saída?

    A melhor solução é o MPLA e os outros partidos ajustarem-se aos novos tempos, definirem estratégias mais consentâneas com a dinâmica económica social que se vive não só em Angola, mas também no mundo.

    É esta a reflexão que os militantes do MPLA devem fazer em relação ao discurso do seu Presidente. O seu Presidente fez esse discurso, mas agora é preciso que os militantes, simpatizantes e os cidadãos pensem sobre essas questões que no fundo têm a ver com a vida política nacional e particularmente a vida partidária.

    Eternizam-se os “velhos” problemas entre alguns comités provinciais do partido no poder e as instituições governamentais. José Eduardo dos Santos, aliás, foi suficientemente claro no que diz respeito à província de Luanda. Como acabar de vez com estes percalços constantes e já antigos que vêm prejudicando claramente a melhoria da prestação das áreas técnico-administrativas do Estado?

    O principal factor desestabilizador da relação que existe entre os órgãos partidários e os órgãos estatais ou da administração pública é, no fundo, a ligação umbilical que existe entre aquilo que é ser militante ou ser dirigente político-partidário e ser um dirigente municipal ou provincial.

    As estruturas são montadas, são criadas numa lógica partidária.

    No nosso país, ainda não há separação entre aquilo que são os partidos e aquilo que são os órgãos ou as instituições do Estado. Nós ainda temos a percepção de que as instituições do estado são a emanação dos partidos políticos e são a expressão dos partidos políticos. E isso dificulta a acção governativa por parte de muitas pessoas. E também a intervenção.

    Eu acredito que, mesmo a nível dos administradores municipais, a nível dos governadores há sempre uma intervenção partidária. Quer às vezes no bom sentido, quer no mau sentido. Às vezes pode ser favorável, outras vezes pode ser prejudicial.

    Não há essa separação entre ser dirigente partidário e ser governante de um órgão da administração pública, do Estado. Por isso é que há esta situação de conflito e também de jogo politico; há muito jogo politico aí, porque a ascensão para os órgãos do poder de Estado é feita através da ascensão partidária.

    Estamos então perante lutas de poder, que são geradas…

    …ao nível da máquina partidária. A máquina partidária é o centro de disputa daquilo que poderá ser depois a disputa por lugares no aparelho de Estado. Enquanto o país estiver nesta lógica, é óbvio que nós não estaremos em condições de avaliar a qualidade e os méritos ou os deméritos de quem governa. Além disso, este principio que existe de que o governador, o administrador, são também os lideres partidários, este principio é que factor de desestabilização.

    Isto dá para funcionar num sistema de partido único e funcionou, mas não dá para funcionar num quadro em que este sistema já não existe. Porque agora o sistema é multipartidário. Mesmo que haja uma falta de amadurecimento do sistema partidário, mesmo que exista esta juventude no funcionamento de um sistema multipartidário, as exigências são diferentes, as regras são outras. E as expectativas também são outras. Por isso é que é difícil avaliar a qualidade das intervenções dos dirigentes partidários quando estão ao nível da gestão das institucionais estatais.

    Porquê?

    Porque um individuo pode ter um perfil partidário adequado, pode ser um bom activista político, pode ser um bom mobilizador mas pode ser um mau gestor. A capacidade de gestão não está directamente relacionada… com a capacidade de mobilizar pessoas. Uma coisa é mobilizar militantes, ganhar eleitores e outra coisa é gerir as instituições, gerir o país.

    O que é que essa diferenciação exige?

    Exige outro tipo de qualidades. Qualidades que têm a ver com a existência de um projecto, de um projecto que seja mais inclusivo, mais integrador, de gestão da área que está sob a competência de um dado dirigente.

    Por exemplo, Luanda em termos populacionais anda num terço, mas em termos de actividades mais que um terço e então em termos de concentração de recursos é mais do que dois terços. Luanda é quase que um país. Quem esteja a governar Luanda ou quem seja incumbido de governar Luanda não basta ter capacidade de mobilização de militantes, até porque pode estar a mobilizar os seus militantes mas pode estar a desmobilizar aqueles que não são seus militantes. O que acontece hoje em Luanda é isso. É mais difícil a competição política de uma forma aberta porque as exigências são maiores por parte dos cidadãos, dos habitantes. Além disso, existe um problema em Luanda.

    Qual é?

    Luanda é uma cidade, é uma província onde, aquilo que antigamente era mais fácil de gerir, era mais fácil de gerir porque havia uma definição clara do que eram as competências dos órgãos de administração, hoje não é assim. Hoje há uma série de actividades, de projectos, que até são estruturantes que são de decisão e gestão central. Às vezes pensa-se que os governadores das províncias são no fundo os autores e os actores principais no que diz respeito às províncias que governam.

    Mas não é verdade. Muitas vezes são meros executores, as decisões já foram tomadas a outros níveis. E portanto, mesmo que muitos desses dirigentes provinciais, municipais tenham propostas mais adequadas aos interesses das populações respectivas, às vezes isso não se reflecte em termos de decisão e em termos de afectação de recursos.

    Mas, afinal, porquê que é difícil gerir Luanda?

    Luanda é difícil de ser gerida, de ser governada, por parte de quem quer que seja, porque as pessoas que dirigem Luanda não têm poder de decisão sobre as actividades que se desenvolvem em Luanda. E até de gestão. Não gerem.

    E isso está muito ligado à questão do poder local, das autarquias. Quando se está a pensar na governação, na gestão das unidades sub-nacionais, quer sejam provinciais, municipais, locais, há sempre que ter em conta a História, a tradição, o envolvimento, o conhecimento.

    Se se descurar issso, o que pode acontecer?

    Cai-se na descaracterização, que é o que acontece hoje com Luanda. Há uma parte antiga da cidade, historicamente datada, através dos seus monumentos, das suas ruas, que de repente começa a desaparecer.

    E isso é uma parte da História. Ora as pessoas que estão, não só estão historicamente mas afectivamente ligadas a esses acontecimentos, estão muito mais capazes de defender Luanda, do que aquelas pessoas que nunca tiveram qualquer ligação, nem familiar, nem afectiva com Luanda.

    Porque Luanda não lhes diz nada. Luanda foi um centro de refúgio, devido à guerra e as pessoas vieram. Não valorizam aquilo que é o património físico, que é o património arquitectónico, o património cultural, o próprio património paisagístico de Luanda. Estas falhas no nosso sistema é que fazem com que muitas vezes se cometam erros graves. E não se possa avaliar como é que as coisas vão. Por exemplo, o Presidente Agostinho Neto, logo depois da independência, encarregou uma pessoa, que era o marido da Marga Holness, o John Holness (cheguei a conhecê-lo…) de fazer o plano director de Luanda. Ainda cheguei a ver o plano na parte da planificação física, com o Engº Sita, quando eu estava no Ministério do Plano. Mas foi um trabalho que nunca teve continuidade nem se materializou.

    Mas hoje já há um plano director…

    Há mas se formos a olhar Luanda naquilo que é a parte antiga e a parte nova, o que nós verificamos é o nascimento de casas, betão muitas vezes desenquadradas do ponto de vista ambiental até, estilos arquitectónicos marcados por quem os constrói. Por exemplo, vêm-se condomínios que têm a marca chinesa. É evidente que esta diversidade de estilos enriquece os países, mas isto deve ser harmonizado.

    E depois, há o problema de só se construírem habitações, estradas, ruas e não se ter em conta outros aspectos, nomeadamente as zonas verdes. A própria vegetação típica de Angola e de Luanda. As palmeiras tradicionais de Luanda hoje são substituídas por outras palmeiras mais raquíticas. As próprias casuarinas que existiam ao longo da costa, não só para proteger, para assegurar os solos, a areia, mas também para embelezar, de repente deixaram de existir. As árvores, aquelas árvores frondosas que existiam em Luanda e que davam não só sombra mas que também serviam para absorver a água dos lençóis freáticos, tudo isso está a ser destruído. E em substituição disso vem o betão. Há uma descaracterização de Luanda, quando Luanda é, ao nível da África subsahariana, talvez a cidade com mais História, das mais antigas. Tirando a cidade-velha, em Cabo Verde que é um hoje é património mundial, nós temos a parte velha de Luanda que devia servir para ser património mundial. Porque o que resta dessa zona ainda tem um valor histórco e arquitectónico muito grande.

    Insistindo ainda na capital. Será que é um “beco sem saída”, uma vez que Luanda tem tripla subordinação, o governo da província, a comissão administrativa e o governo central. A criação da comissão administrativa é uma saída?

    Eu acho que a tarefa fundamental para nós resolvermos toda a politica que tem a ver com as cidades, os municípios e as províncias é a realização de eleições autárquicas. Há uma tradição de municipalismo em Angola. O municipalismo em Angola não começa agora. É antigo. Não é uma coisa nova. Havia uma certa delimitação até das áreas, tudo estava definido. E eu creio que nós devemos regressar a essa experiência do passado, mesmo que não esteja na memória das pessoas. Mas está nos papéis, está nos documentos.

    E procurar ver o que se discutia. O que é que se fazia. E a escolha dos dirigentes através do voto é o modo mais apropriado de vincular quem dirige aos dirigidos. E também dos próprios dirigentes serem obrigados, se quiserem ser eleitos, a apresentar um programa.

    Mas Rui Carvalho fez isso isso e…

    … quando pretendia fazer coisas novas, porque ele pensava que seria possível por ele próprio, com base nas suas idéias, naquilo que sonhava, realizar qualquer coisa de útil, descobriu que afinal ser governador, naquela altura e creio que ainda hoje, não significa governar. E ele ficou muito frustrado por isso.

    Toda a gente sabia que o Rui Carvalho tinha uma obsessão pela perfeição.

    Ele procurava sempre fazer de uma forma perfeita aquilo que era a sua tarefa. E os governadores, não só a nível de Luanda mas do país têm esta grande dificuldade.

    Qual é?

    Primeiro, muitas vezes não conhecem os problemas, não conhecem as pessoas, porque é preciso haver uma empatia entre quem governa, ao nível sub-nacional, e os governados, tem de haver essa ligação afectiva e é preciso ter ideias. “O que é que se vai fazer?…”

    Além disso hoje o mundo, os países giram à volta das cidades. Os factores de mudança encontram-se nas cidades. A própria revitalização do país, o próprio reordenamento do país, tem que ser feito a partir das cidades. As cidades são o eixo estruturador de projectos que se tenham para o país. Por exemplo, a cidade mais central do país é o Kuito.

    O Kuito é a cidade mais central. E é próxima. Da Zâmbia. Da Namíbia. O Kuito como eixo, alteraria o funcionamento das instituições. Norton de Matos pensou no Huambo mas eu penso que o Kuito e eu conheço o país, é a cidade mais central e até do ponto de vista da natureza é a cidade que mais se adequa a ser o centro. Mas hoje, há países, como a África do Sul, que não têm um centro, têm três centros. A África do Sul tem Pretória, tem Joanesburgo e tem o Cabo como eixos politico-administrativos, a partir dos quais o país se vai desenvolvendo. Na Tanzânia, agora, para além de Dar-es- Salaam existe Dodoma. O parlamento está em Dodoma. E Dodoma é uma cidade central. É um eixo.

    Eu conheço aquela zona, porque já andei de carro, cruzei já a Tanzânia, o ano passado dei-me a esse prazer, de andar por aquela África Oriental toda, de carro, quilómetros e quilómetros e descobrir esta maravilha que é refazer os países tendo em conta a construção de eixos.

    Acha que devemos beber essas experiências?

    Devemos aprender um pouco com essas experiências que são africanas e que são próximas, que respondem à pergunta como é que nós vamos fazer refazer, redistribuir, porque está tudo concentrado em Luanda.

    E curiosamente a explicação que se encontra para a maior afectação de recursos para Luanda, vê-se no Orçamento Geral do Estado, é de que Luanda tem muitas actividades.

    Há decisões, há projectos de decisões em várias províncias e mesmo em Luanda, que são centrais, mas que estão numa dada província. No fundo há uma confusão nesse aspecto.

    Eu penso que a recentragem da actividade politica, económica e social a partir de vários eixos – e vê-se o Luena, é uma cidade que foi estruturada para crescer, mesmo o Menongue é a mesma coisa – quer dizer, quando nós olhamos para um conjunto de cidades do nosso país, verificamos que elas foram construídas para crescer. Com ruas largas, não como Luanda, Luanda é uma cidade tipo Lisboa, Luanda antiga!

    Ruas estreitas, nasceu assim… mas ultimamente as cidades que foram feitas em Angola, já tinham arruamentos mais largos, tipo Moçambique, e o projecto de construção dessas cidades já estava associado ao projecto de desenvolvimento de actividades económicas. Por exemplo, a Ganda. A Ganda, com actividade ligada à transformação, chouriços, as carnes, tudo isso. A Ganda estava a desenvolver-se nesse sentido. As cidades estavam a ser transformadas, não só em centros de concentração de pessoas mas também em centros de actividades económicas, sociais e culturais. Já tinham o seu cinema, já tinham o seu teatro, já tinham um conjunto de aparelhos culturais propícios ao desenvolvimento dessas zonas. Nós devemos é tomar decisões no sentido de afectar os recursos para outras províncias. Mas diz-se que em Luanda é que está tudo, não.

    Qual é a saída?

    A melhor forma é afectar recursos porque se o fizermos quer para a educação, quer para o ensino, quer para a actividade económica no Bié, no Luena, no Huambo, em Ondjiva, o que é que vai acontecer? As pessoas vão-se deslocar para essas zonas.

    Nós temos que criar aquilo que são os pólos de desenvolvimento. Os pólos atractivos. E os pólos atractivos devem ser construídos a partir de projectos de natureza política, mas também de natureza económica e social. Não faz sentido, ainda hoje, nós irmos a Ondjiva e quando queremos ir até Santa Clara, verificamos que a qualidade da estrada é má e que Ondjiva não tem nada a ver com o que está do outro lado, Oshakati, aquela zona toda. Há aqui um problema, que é o facto das nossas zonas terem menos qualidade. O mesmo acontece no Kuando-Kubango.

    As nossas populações mantêm relações preferenciais com o outro lado da fronteira. Isso quer dizer que os centros atractivos estão lá fora. Estão fora do país e deviam estar cá dentro.

    É preciso decidir no sentido de afectar recursos, criar estruturas, criar actividades económicas, sociais, culturais, a partir de vários centros.

    Mas agora estão a ser criadas zonas económicas especiais?

    Mas essas zonas devem ser criadas no quadro de pólos de desenvolvimento mais articulado. Porque senão qualquer dia vamos ter a economia toda concentrada aqui em Luanda. Aqui, de Luanda a Catete, vai-se concentrar tudo. Quando nós devíamos fazer isso por todo o país. Até permitir, por questões de soberania, que o nosso país tivesse mais protegido.

    Por exemplo, as províncias fronteiriças, as cidades fronteiriças têm de ser atractivas. Aquela terra tem de ser povoada. Nós não podemos andar quilómetros e quilómetros ao longo de uma fronteira e encontrar uma aldeia, às vezes uma pessoa. Temos que densificar a actividade económica e social ao longo das fronteiras, porque é assim que nós podemos proteger a primeira linha. Se houver qualquer invasão, e nós temos de ter em mente que o ser humano não vai desistir de fazer guerras, não vai desistir de criar conflitos, nós podemos ser tomados em poucas horas, como aconteceu agora na Líbia. O que aconteceu na Líbia? Agora, em horas, os rebeldes, os terroristas tomaram dois terços do Mali. Porquê?

    Porque a vida está toda concentrada no sul. É bonita aquela zona verde, mas depois vem o deserto. Quem é que trabalha no deserto. Há países, podia-se aprender com Israel como é que se trabalha no deserto. Como é que se faz vida no deserto. Israel é um país que pode servir de referência para saber o que é que se deve fazer, quando se quer conquistar o deserto.

    Não havendo essa descentralização por enquanto, particularmente nas províncias, é muito complicado alguém ser nomeado governador sem peso político, que não seja primeiro-secretário, ou do Comité Central ou do Bureau Político. Esse governador chega a Luanda e não tem acesso aos vários centros de decisão.

    Por isso é que eu digo que um mandato para governar ao nível municipal e ao nível provincial deve ser conferido pelo povo. É muito difícil, quem quer que seja, trabalhar, como governador ou como administrador sem que tenha um mandato popular.

    Sem que tenha apresentado um projecto que apresentou ao eleitorado e o eleitorado sufragou esse projecto.

    Esse programa, essa ideia. Porque, as eleições e os períodos eleitorais permitem que os políticos possam dizer o que é que vão fazer. E interagir com os cidadãos. É essa interacção que confere depois legitimidade aos governantes de tomar esta ou aquela decisão. Não basta um individuo ser nomeado. O nomeado dá-lhe legalidade, mas pode não dar legitimidade.

    Os cidadãos podem não se reconhecer nesse governante, quer seja a nível provincial, quer seja a nível municipal. Ou comunal. O ponto fundamental, para a melhoria da administração do país, da gestão do país e do desenvolvimento do país é realizarem-se eleições, encontrar-se um sistema eleitoral que seja competitivo e que permita a participação.

    Que evite a excessiva partidarização. Porque uma coisa é governar a nível central, outra coisa é governar a nível local, comunal, municipal ou provincial. A estes níveis, é preciso buscar mais consensos. Despir-se um pouco a camisola partidária e ter em conta a população que é diversa, nas suas opções, nas suas escolhas. Aí, o critério é sempre mais da qualidade do candidato e não da pertença partidária do candidato. Eu penso que a questão fundamental reside nas eleições.

    Que tipo de eleições?

    Nas eleições autárquicas podem e devem ser realizadas o mais rápido possível. E não é preciso começar por todas as províncias. Por todos os municípios.

    Não. Começa-se. Moçambique e outros países começaram por partes.

    Além disso, o que é que vemos? Vemos que quando o estado quer fazer, faz mesmo. Faz leis, há diplomas legislativos que foram aprovados em dias. A própria Constituição que no fundo conforma a organização do país, o modelo de Constituição foi aprovado em poucos dias. Há sempre a possibilidade de fazer aprovar legislação. E se se definiu legislação a altos níveis, como é a Constituição, também nós podemos definir legislação para as autarquias. E há muitas experiências. Se nós estivéssemos rodeados de países que nunca realizaram eleições autárquicas, estaria bem. Estaríamos a começar alguma coisa de novo. Mas não. Já há uma experiência autárquica. Primeiro existe em Angola. No tempo colonial. Com todos os defeitos mas já existia. Depois, existe nos países vizinhos, nomeadamente na Namíbia, na África do Sul, na própria Zâmbia e depois subindo, vamos ver Moçambique, os países vizinhos, ainda Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, esses países já têm o poder local, mais ou menos estruturado, alguns em forma embrionário, mas já têm.

    E há outros que tem já com mais tempo, como Portugal… Países com os quais nós temos relações, o Brasil, que até é um país modelo porque são estados federados, há uma repartição do poder muito grande, o poder ali organiza-se de várias maneiras. Há essa história interna e há essa experiência alheia que nós devemos e podemos em pouco tempo analisar e decidir. Isso será bom para o país, porque quanto maior legitimidade têm os governantes, tanto mais os cidadãos se reconhecem nos governantes, mais eficazes são as acções dos governantes e melhores são os resultados.

    CARLOS FERREIRA (Novo Jornal)

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