O Presidente da República, João Lourenço, solicitou, ontem, que a Assembleia Nacional reaprecie artigos específicos do Código Penal, relacionados fundamentalmente com os crimes cometidos no exercício de funções públicas.
O Chefe de Estado recebeu, há dias, para promulgação, a lei do novo Código Penal da República de Angola e ontem fez chegar ao presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, uma carta a partilhar “reflexões e preocupações” sobre o diploma, acabando mesmo por solicitar a reapreciação de algumas das suas disposições antes de promulgá-lo.
Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da República, as questões levantadas pelo Chefe de Estado têm a ver com o resgate dos valores da probidade no exercício de funções públicas e do compromisso nacional com a prevenção e o combate à corrupção a todos os níveis.
Na leitura que fez ao diploma, aprovado pelos deputados, o Chefe de Estado considera que “a perspectiva apresentada pelo novo Código Penal pode não estar alinhada com a visão actual e transmitir uma mensagem equívoca quanto aos crimes cometidos no exercício de funções públicas”.
O Presidente da República refere, nomeadamente, que “os artigos 357º e seguintes, em particular os crimes de participação económica em negócio, tráfico de influências e corrupção no sector político, obedecendo às directrizes gerais da reforma da política criminal que influenciaram a sua feitura, paradoxalmente tendem a estabelecer sanções menos gravosas do que as previstas no Código Penal ainda vigente”.
O Presidente da República argumenta que “a prevenção do crime e a defesa preventiva de altos valores sociais” exigem que se transmita “à sociedade em geral, no plano legislativo, uma mensagem clara do comprometimento do Estado angolano, dos servidores públicos e de cada um dos seus cidadãos com o combate à corrupção, à impunidade e às demais manifestações ilícitas que integram o conceito de crime de ‘colarinho branco’”.
A outra razão que levou o Chefe de Estado a solicitar à Assembleia Nacional a reapreciação do Código Penal, segundo a nota, está relacionada com o Ambiente, domínio para o qual entende ser essencial a introdução de uma abordagem “suficientemente inibidora” para os crimes correspondentes.
Na carta, pode ler-se que “a defesa do Meio Ambiente – cada vez mais importante e necessária para o presente e o futuro do planeta, tanto para os seres humanos como para as demais espécies – pode também merecer um tratamento mais equilibrado entre a dimensão do dano, na maior parte das vezes colectivo, a responsabilização do agente e o potencial da reparação.
A abordagem que o Presidente da República defende para o novo Código Penal ajusta-se melhor – refere a carta – aos objectivos almejados pelo Acordo de Paris, que Angola se prepara para acolher na sua ordem jurídica, e a dinâmica internacional sobre a matéria. O Código Penal foi aprovado pela Assembleia Nacional em Janeiro de 2019.
Posição recomendável
O jurista Correia Bartolomeu considerou ontem que o Presidente da República tem poderes para verificar a constitucionalidade da lei que pretende promulgar e a sua conformação aos valores constantes da Constituição da República. Correia Bartolomeu entende que a posição do Chefe de Estado é “normal e, até, recomendável” solicitar ao órgão que elaborou o diploma, no âmbito da relação institucional, uma reflexão no sentido de reapreciar algumas disposições do diploma.
Para Correia Bartolomeu, o Chefe de Estado concluiu que os actos de corrupção têm que ser severamente punidos, porque a penalidade estabelecida no Código Penal submetida à promulgação “é muito branda”.
“O PR concluiu que as normas do artigo 357º e seguintes, relacionadas com os crimes de participação económica em negócio, tráfico de influência e corrupção no sector político deviam obedecer a um critério mais rigoroso, tendo em atenção o contexto actual, que visa uma maior moralização da sociedade”, sublinhou.