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    Portugal: O Algarve assiste ao desmontar das gruas e Espanha está em saldo

    Os agentes turísticos algarvios esperam que o Verão que se aproxima consiga mascarar a crise em que a região mergulhou. A bolha do imobiliário rebentou – não apenas em Espanha – e o Algarve tem mais de 100 mil camas à espera de clientes.

    Na costa Esure, ao lado de Ayamonte, promove-se a venda de moradias, situadas entre dois campos de golfe, com chave na mão, por 65 mil euros. O imobiliário está a preço de saldo.

    O presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas, observa: “Oportunidades de negócio não faltam”, acrescentando que no Algarve “também é tempo de investir”. Os promotores imobiliários lançaram-se em grandes investimentos, a pensar num potencial cliente de segunda habitação, mas fechou o crédito e a onda arrastou para a falência empresários bem conhecidos. O exemplo mais paradigmático é o da Herdade dos Salgados (Grupo CS) – dois hotéis e um de cinco estrelas, 450 milhões de investimento, concluído, mas de portas encerradas à espera de comprador. Os bancos, através de um fundo imobiliário, tomaram conta da empresa, afastando da administração o antigo proprietário Carlos Saraiva e a incógnita paira sobre o empreendimento, onde não faltam palmeiras e ervas nos jardins. Na altura, o então primeiro-ministro, José Sócrates, entusiasmado com o apoio do Governo aos projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN), afirmou: “É disto que o país precisa”.

    O Algarve arrancou em força com os grandes projectos, quando na costa Sul espanhola o el dourado já caminhava a passos largos para o fim. Agora, saltam na paisagem, dos dois lados da fronteira, as aldeias turísticas-fantasma. O desemprego, no Algarve com as maiores taxas a nível nacional, é a face mais visível de uma região que recebeu o “Allgarve”, investindo milhões em eventos para atrair turistas, mas que agora luta com dificuldades até para manter as infra-estruturas básicas. Esta semana, o Conselho de Ministros aprovou o plano de resgate para salvar as câmaras de Faro, Albufeira e Portimão, sufocadas com dívidas aos fornecedores. A empresa Águas do Algarve, por exemplo, também tem as contas desequilibradas porque as câmaras cobram a água aos munícipes mas não pagam à empresa que a disponibiliza. A dívida acumulada dos municípios a esta empresa de que são sócios maioritários ascende aos 80 milhões de euros quando o volume de negócios anual é de 60 milhões.

    O tombar das gruas

    Há cinco anos, o então primeiro-ministro, José Sócrates, anunciou, na Herdade dos Palmares – Meia Praia (Lagos) dez novos projectos PIN, prometendo a criação de 6 mil novos postos de trabalho (5400 camas) e investimentos de 1,5 milhões de euros. Nenhum dos investidores cumpriu as metas que se propôs alcançar. O presidente da Câmara de Lagos, Júlio Barroso, diz que “alguma coisa está mexer – alguns promotores reformularam os projectos, outros não avançaram”. O problema principal, sublinha, “reside no corte de financiamento da banca”. No final de Maio, o número de desempregados – apenas os registados nos centros de emprego – atingia os 29.049, dos quais 9936 são jovens com menos de 35 anos. Diante deste quadro, o coordenador do Sindicato de Hotelaria e Turismo, Tiago Jacinto, desabafa: “O Algarve bateu no fundo”. Além do desemprego, com os consequentes problemas sociais daí decorrentes, acrescenta, há situações que não aparecem nas estatísticas e relatórios. “Tenho conhecimento de pessoas, licenciadas, que vão pedir emprego na restauração, mas ocultam as habilitações para conseguir um trabalho, ainda que precário”.

    Na costa vicentina, o maior empreendimento turístico da zona – o Parque da Floresta (um resort de luxo no concelho de Vila do Bispo) viu o Tribunal de Lagos, no passado dia 27 de Abril declarar a falência da empresa. Mas o Sindicato de Hotelaria e Turismo lembra que “não são só os grandes a falir”, pois desde a pastelaria ao café da esquina “estão todos à espera do Verão”. Mas o que o dirigente sindical Tiago Jacinto diz ter encontrado são os “patrões a exigirem mais horas de trabalho pelo mesmo salário”

    José Francisco, trabalhador do empreendimento turístico Vale do Lobo, desabafa: “Já vi este “filme” há 20 anos, noutro local – desemprego e mais desemprego, sem solução à vista”. A cena, diz, passou-se no Alentejo, quando ele e muitos outros conterrâneos, operários das minas de São Domingos ou trabalhadores rurais, perderam o posto de trabalho devido à quebra da exploração mineira e ao abandono dos campos. “Vi as searas a desaparecerem do Alentejo e estou a assistir no Algarve aos desmontar das gruas”. O Algarve, com mais de 100 mil camas turísticas para vender ou alugar, espera que o Verão forneça o “balão de oxigénio” para evitar o encerramento de mais empresas. “Como as coisas estão, ninguém pode atirar foguetes”, diz o presidente da AHETA, Elidérico Viegas, reconhecendo que “existem dificuldades generalizadas”, mas contestando a ideia de que a região construiu de mais. “Há muita oferta, mas não é exagerada se tivermos em conta que a região recebe 5, 5 milhões de turistas por ano – tem capacidade para muito mais”, enfatiza. Segundo o INE, há 19.695 fogos de residência, com licença de utilização, o que não se sabe é quantas mais estão por acabar, em obra por concluir ou em projecto em fase de licenciamento, à espera de melhor oportunidade. José Francisco, antigo operário de manutenção das Minas de São Domingos, recorda a “terra de sonho” que o Algarve representava, há duas décadas, para os alentejanos. “Chegávamos, e ao fim de um dia ou dias tínhamos trabalho, com direito a dormida e comida”. Nesse tempo, evoca, os patrões disputavam os trabalhadores, oferecendo melhores salários. “Comecei a trabalhar no INATEL, em Albufeira, mas passado pouco tempo fui logo para o Hotel Balaia [cinco estrelas], agora só vejo gente a andar por aí aos caídos – é uma pena, faz-me lembrar o Alentejo dominado pelos grandes agrários”. E quem são os donos do Algarve? “Não faço ideia, falam em empresas offshore, acho que é assim como a troika que nos governa, não tem rosto”.

    FONTE: Público

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