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    O que faz o Banco Central e por que Lula está ’em pé de guerra’ com Campos Neto?

    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem fazendo reiteradas e duras críticas à atuação do Banco Central (BC), a autoridade máxima responsável por executar a política monetária brasileira.

    Mais especificamente, em relação ao presidente da instituição, o economista Roberto Campos Neto, indicado por seu antecessor no cargo, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

    A insatisfação de Lula, manifestada publicamente em várias ocasiões nos últimos dias, vem causando incertezas no mercado, com impacto na curva de juros e no câmbio, por exemplo.

    Mas por que o petista está “em pé de guerra” com o BC de Campos Neto?

    O motivo do embate é a discordância de Lula quanto à execução da política monetária atual, de responsabilidade do Banco Central, uma autarquia federal de natureza especial, que antes era vinculada ao Ministério da Economia (hoje Ministério da Fazenda).

    O petista reclama dos juros altos, atualmente a 13,75% ao ano, o maior patamar desde janeiro de 2017.

    “É uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disse Lula na segunda-feira (6/2) em discurso durante um evento no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), referindo-se à decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC de manter a taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% ao ano, no início deste mês.

    No dia seguinte, voltou ao assunto em entrevista a veículos de mídia alternativa.

    “Não é possível que a gente queira que este país volta a crescer com taxa de 13,75%. Nós não temos inflação de demanda. É só isso. É isso que eu acho que esse cidadão [Campos Neto], indicado pelo Senado, tenha possibilidade de maturar, de pensar e de saber como vai cuidar deste país. Ele tem muita responsabilidade”, afirmou.

    Campos Neto, por outro lado, rebateu as críticas em palestra nos Estados Unidos nesta terça-feira (7/2) e destacou apenas que a autonomia do BC serve para separar as diretrizes monetárias da esfera política.

    “A principal razão no caso da autonomia do Banco Central é desconectar o ciclo da política monetária do ciclo político porque eles têm planos e interesses diferentes. E quanto mais independente você for, mais eficaz você é e menos o país pagará em termos de custo de ineficiência na política monetária”, afirmou.

    Em meio ao duelo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tentou acalmar os ânimos e disse nesta quarta-feira (8/2) que buscará uma reunião entre Lula e Campos Neto.

    Segundo ele, tanto Campos Neto quanto Lula têm boa intenção e, “quando homens de boa intenção se reúnem, os problemas se resolvem”.

    Taxa de juros

    Definir a taxa de juros, a Selic, é uma das atribuições do BC que, criado em 31 de dezembro de 1964, tem por função, “garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”.

    Periodicamente, um comitê formado pelo presidente do BC e seus diretores, além de chefes de departamentos da instituição, se reúne para defini-la.

    Esse conselho se chama Copom (Comitê de Política Monetária) e foi instituído em 1996, com o objetivo de estabelecer as diretrizes da política monetária e de definir a taxa de juros. Formalmente, o Copom determina a taxa Selic e divulga o Relatório de Inflação.

    A Selic acaba influenciando os juros cobrados pelos bancos públicos e privados, além de impactar a economia como um todo.

    Via de regra, quando existe uma percepção de que a inflação (aumento geral de preços) está alta ou pode subir, o BC aumenta os juros.

    Isso aumenta o custo do dinheiro, o que, na prática, se traduz em crédito mais caro, afetando, por exemplo, quem toma financiamento para comprar casa ou carro — e também quem tem dívidas com cartão de crédito.

    Como resultado, as pessoas tendem a gastar menos, o que, por sua vez, freia a subida dos preços.

    Mas os juros mais altos acabam também afetando o crescimento econômico, pois impactam o emprego e a renda.

    Se fica mais caro pedir dinheiro emprestado e o consumo diminui, as empresas investem menos e deixam de contratar mais funcionários.

    Do ponto de vista do investidor, quando os juros sobem, mais vale a pena deixar o dinheiro “parado” rendendo a tomar o risco de investi-lo sem qualquer contrapartida.

    E, para o governo federal, juros mais altos prejudicam as finanças públicas, já que países também tomam empréstimos ao emitir títulos de dívida (uma das f

    Brasil, campeão de juros

    Aumentar ou reduzir juros é uma decisão complexa e requer o acompanhamento rotineiro da economia, de modo a permitir ao BC esse ajuste fino.

    Atualmente, com a Selic a 13,75% ao ano, o Brasil tem a taxa de juros reais mais alta do mundo, segundo levantamento feito pelo MoneYou e pela Infinity Asset Management, e se mantém na liderança desde maio do ano passado.

    Na última reunião, o Copom decidiu mantê-la nesse patamar. A decisão era esperada, e em comunicado, o BC considerou que as expectativas de inflação pioraram, principalmente devido à perspectiva de gastos públicos mais elevados.

    Segundo o Copom, o índice de preços continua acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta de inflação e, para mantê-lo sob controle, deve manter os juros elevados por um “período mais prolongado”.

    Desde março de 2021, os juros vêm subindo no Brasil, após atingirem a mínima histórica de 2% ao ano, em agosto de 2020.

    No entanto, a alta dos preços resultante da paralisação das cadeias de suprimento em meio à pandemia da covid-19 forçou o BC a desencadear um intenso ciclo de aperto monetário — ou seja, aumentar os juros.

    Foi a maior sequência de alta deste século.

    ‘Pedra no sapato’
    Na prática, juros elevados acabam sendo uma “pedra no sapato” de qualquer governo, pois todos visam colher os benefícios de uma atividade econômica mais aquecida.

    E isso tem um custo político, evidentemente, para Lula.

    Quanto mais emprego e renda gerado por seu governo, melhor tende a ser sua avaliação junto à população.

    Mas, se cabe à equipe de Lula, por meio do Ministério da Fazenda, liderado por Fernando Haddad, definir a política econômica conforme a estratégia do governo, dificilmente esta conseguirá ser implementada em separado da política monetária, sob a alçada do BC, comandado por Campos Neto.

    ‘Autonomia’

    Mas, se Lula escolheu Haddad para comandar a Fazenda, por que não escolheu também o presidente do BC?

    Por um empecilho institucional: uma lei sancionada por Bolsonaro em 2021 que estabeleceu a autonomia do Banco Central.

    Por essa lei, o presidente e diretores do BC têm mandatos fixos de quatro anos, não coincidentes com o do Presidente da República.

    O de Campos Neto termina apenas no fim de 2024.

    Quando seu mandato terminar, portanto, Lula terá a oportunidade de escolher alguém para substitui-lo.

    Mas nem sempre foi assim.

    Até a sanção da lei, o presidente do BC tinha status de ministro de Estado, caso de Henrique Meirelles, por exemplo, que ocupou o cargo durante os dois primeiros governos de Lula (ele também foi ministro da Fazenda de 2016 a 2018, durante o governo de Michel Temer), e a instituição era vinculada ao Ministério da Economia (hoje Ministério da Fazenda).

    Em entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo, Meirelles sugeriu que Lula fizesse uma fala conciliadora para amenizar a crise com o BC. No entanto, ele não tem previsão otimista para o conflito.

    “Minha recomendação é que ele diga que as medidas de ajuste fiscal serão implementadas ao mesmo tempo que as medidas sociais”, disse Meirelles.

    Em suas falas recentes sobre o Banco Central, Lula tem citado Meirelles. O presidente afirma que, em seus governos anteriores, Meirelles não era menos independente do que Roberto Campos Neto é hoje.

    Mas essa independência, contudo, não era sinônimo de autonomia, como o órgão tem agora na forma de lei.

    Diferentemente de Campos Neto, Meirelles podia ser demitido por Lula — e, de fato, o petista o pressionou mais de uma vez a não subir os juros.

    Em abril de 2008, a relação entre os dois chegou ao pior momento, quando, segundo o jornalista João Borges, em seu livro Eles Não São Loucos — os Bastidores da Transição Presidencial FHC-Lula, Lula teria resolvido demitir Meirelles.

    A alta taxa de juros era o motivo de irritação do petista, para quem isso atrapalhava seus planos para o rápido crescimento da economia.

    Segundo o livro, Lula teria chegado a comunicar sua decisão a seu então ministro da Fazenda, Antonio Palloci, e lhe pedido para preparar o terreno para saída de Meirelles.

    Mas acabou recuando quando a agência de classificação de risco Standard & Poor’s concedeu o grau de investimento ao Brasil e passou a considerar o país como de baixo risco.

    Atuação política?

    Existe uma percepção entre integrantes do governo de que o BC de Campos Neto age politicamente e não apenas de forma técnica, a partir de evidências sobre a saúde da economia brasileira.

    Isso porque Campos Neto, ex-executivo do mercado financeiro, foi posto no cargo por Bolsonaro, após recomendação do ex-ministro da Economia Paulo Guedes.

    O atual presidente do BC é neto do famoso economista Roberto Campos, que comandou o Ministério do Planejamento no governo Castelo Branco (1964 – 1967) e foi um dos idealizadores do BNDES.

    E uma fotografia do jornal Folha de S.Paulo mostrou que ele fazia parte, pelo menos até 11 de janeiro deste ano, de um grupo de WhatsApp intitulado “Ministros Bolsonaro”.

    O próprio mercado acredita numa queda futura da Selic, mas ao mesmo tempo prevê uma inflação maior neste ano e no seguinte.

    Segundo o mais recente boletim Focus, um apanhado das projeções do mercado para a economia divulgado toda segunda-feira pelo BC, a taxa de juros deve terminar 2023 a 12,50%.

    Mas, apesar de a perspectiva de uma inflação mais alta, isso significa que não há espaço para os juros caírem neste momento?

    Não necessariamente.

    Na visão de André Perfeito, que atuou como economista-chefe da Necton Investimentos, os juros no Brasil são “altos — e muito”.

    Segundo ele, “há no Brasil algo muito além do razoável. Estamos na companhia de países que não guardam qualquer semelhança com nossa economia e este excesso de juros revela ‘pela diferença’ aspectos profundos da economia e política brasileiras. É como se tivéssemos resolvido a inflação jogando esta para debaixo do tapete da Selic”.

    Perfeito ressalva, no entanto, que “dois erros não fazem um acerto”.

    “Não é porque os juros estão altos que se pode achar que é possível remover por decreto a lei da oferta e da procura”, diz.

    “Atacar instituições — como o Banco Central — é o caminho da destemperança e de anomia”, acrescenta.

    Ataques

    Os ataques de Lula ao BC escalaram a tal ponto que o petista falou em rever a autonomia da instituição.

    Nos bastidores, petistas insinuaram um movimento de levar adiante um pedido de exoneração de Campos Neto, algo difícil de ser alcançado, pois requer aprovação do Senado e envolve significativo desgaste político.

    O próprio Lula cobrou nesta terça-feira (7/2) “vigilância” dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) e de senadores da República sobre o BC, mas afirmou que não quer criar “confusão”.

    Haddad e Tebet integram com Campos Neto o CMN (Conselho Monetário Nacional), órgão responsável por definir a política monetária e que pode encaminhar ao presidente da República o pedido de destituição do presidente do BC em caso de “comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos” da autarquia, segundo a lei que criou a autonomia da instituição.

    Já ao Senado caberia aprovar essa troca de nomes, se receber o pedido do chefe do Executivo.

    Na segunda-feira (6/2), Lula já havia classificado a autonomia do Banco Central como uma “bobagem”.

    “O problema não é de banco independente, não é de banco ligado ao governo. Problema é que esse país tem uma cultura de viver com os juros altos”, afirmou.

    “Quando o Banco Central era dependente de mim, todo mundo reclamava. O único dia em que a Fiesp [federação da indústria paulista] falava era quando aumentava os juros. Era o único dia […]. Agora, eles não falam”, disse o presidente na segunda-feira.

    Nesta quarta-feira (8/2), parlamentares da base aliada deixaram a reunião com o presidente Lula com discurso alinhado ao do presidente em relação às críticas ao Banco Central devido à taxa de juros.

    Em entrevista à imprensa, o deputado federal Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, disse que Campos Neto “tem que ser enquadrado”.

    “O que estou dizendo é que o senhor presidente do Banco Central é um representante da Faria Lima e está fazendo o jogo da Faria Lima em detrimento do país”, afirmou ele, em alusão à avenida de São Paulo que concentra bancos de investimento.

    Já os líderes do Governo e do PT na Câmara, José Guimarães (PT-CE) e Zeca Dirceu (PT-PR), afirmaram que assinarão o convite para Campos Neto ir à Casa dar explicações sobre a política monetária do BC.

    Por outro lado, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o governo não cogita alterar a lei que garantiu autonomia para o Banco Central, mas destacou que a autoridade monetária precisa cumprir os objetivos estabelecidos pela legislação.

    “Não existe qualquer discussão dentro do governo sobre mudança da lei do Banco Central. Existe sim uma vontade de aquilo que está nos objetivos do Banco Central seja cada vez mais perseguido por todos”, disse.

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    FonteBBC

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