Na superfície, parece uma questão “politicamente correta”. O ministro da cultura, Juca Ferreira, resolveu na sexta feira processar o Facebook por ter excluído uma foto de 1909, que mostra uma indígena de seios desnudos, de uma postagem do ministério. O post é este aqui, sobre o portal cultural Brasiliana Fotográfica. A foto, como se vê, está de volta; foi liberada na sexta à noite, após a empresa ter inicialmente confirmado o banimento.
Acontece que a discussão tem pelo menos três níveis, associadas às dimensões filosófica, política e de mercado do problema. A decisão do ministro de seguir com o processo mostra que não se trata apenas de uma postagem. E que ele não teme criar mal estar com Mark Zuckerberg e a empresa – apesar da negativa do ministro em associar a briga à parceria anunciada pela presidente Dilma, como ele diz nesta matéria. Mais detalhes do caso aqui.
Primeiro falemos da implicância do Facebook com seios – o que não dizer de genitálias, mesmo que em quadros clássicos, como O Nascimento De Vênus, de Botticelli (1483) e A Origem Do Mundo, de Courbet (1866). Ou em contextos totalmente justificáveis, como fotos históricas, jornalísticas e familiares (amamentação, por exemplo).
Segundo a declaração da empresa, que diz não se subordinar a legislações nacionais, “não é fácil encontrar o equilíbrio ideal entre permitir que as pessoas se expressem criativamente e manter uma experiência confortável para a nossa comunidade global e culturalmente diversa”. Seria até verdade – se a obsessão do Facebook em bloquear imagens de seios não fosse acompanhada por um enorme descaso em conter expressões de ódio racial, religioso e outras manifestações, inclusive ilegais. Ao contrário dos seios voluntários, a exposição criminosa de mulheres é tolerada. O balanço que se pode fazer é o de que as políticas da empresa são totalmente hipócritas.
O ministro Juca está certo quando declara que “o Ministério da Cultura entende que o Facebook, ao aplicar termos de uso abusivos e sem transparência, tentar impor ao Brasil e às demais nações do mundo onde a empresa opera, seus próprios padrões morais, agindo de forma ilegal e arbitrária”. O que o ministro não disse é que também há razões para ver com preocupação o acordo anunciado por Dilma após o encontro com Zuckerberg na Cúpula das Américas, no Panamá, na semana anterior.
Em seu perfil, Zuck disse que “está empolgado” em levar conexão sem fio e gratuita à favela de Heliópolis, São Paulo, onde o Facebook já tem um laboratório em cooperação com a associação de moradores. A empresa sabe que mais da metade da população da América Latina não tem acesso à rede. Dilma, que posou para fotos com ele, falou de inclusão digital, e que a parceria “significa basicamente garantir o acesso a serviços os mais variados via internet”.
Acontece que para o Facebook, que mantém uma ferramenta chamada Internet.org, garantir acesso não tem muito a ver com democracia, e sim com monopólio. Na América Latina, a Internet.org já funciona no Panamá, Colômbia e Guatemala, e em tese permite o acesso de qualquer usuário a serviços básicos e a informações sobre trabalho, tempo, saúde e educação.
Mas, como explica Raphael Tsavkko Garcia, a Internet.org é mais um cavalo de Tróia, que tenta derrubar a duramente defendida neutralidade da rede.
Basicamente, a neutralidade significa que a empresa fornecedora de conexão à internet não pode facilitar ou dificultar quaisquer acessos, interferindo com o tráfego de informação. Nesse sentido, pacotes que oferecem “acesso gratuito” a determinados sites (e não a outros) seriam tão perniciosos quanto pacotes que proibissem determinados sites (mais informações sobre neutralidade neste artigo do advogado Pedro Ramos, que explica porque é bom o fim do “Facebook grátis na Claro”, e neste de Luca Belli, da FGV, e autoridade internacional no assunto).
Na Índia, que tem menos interações com a internet do que o Brasil, apesar de ter mais gente com acesso à rede (e custos menores de serviços de internet e celular – o Brasil tem os serviços mais caros entre os emergentes, incluindo Ìndia, Russia e China), a adesão ao Interneg.org está bem no meio de uma crise. Como conta esta matéria, as empresas indianas estão abandonando a iniciativa, em meio a acusações de ameaça à neutralidade.
Para Dilma, que considerou o acordo com Zuckerberg e a foto uma vitória de marketing político, talvez fosse difícil emplacar essas teses menos óbvias (isso se você não acha óbvio que Zuck tem uma queda para a pilantragem e a hipocrisia). O ministro Juca pode estar certo em demonstrar ao invés de contestar a presidência, tretando com coisas que parecem bobagem, mas que não são, como a obsessão esquisitona com peitos. Porque, ao contrário do que diz o dono do Facebook, nem sempre “é melhor ter algum acesso à internet do que nenhum” – depende muito de quem quer decidir que tipo de acesso você pode ter. (yahoo.com)
por Alex Antunes