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    MPLA e Angola: Duas faces de uma mesma moeda? – Adebayo Vunge

    O MPLA é um partido incontornável na história política de Angola dado o seu envolvimento na luta de libertação nacional contra o colonialismo português e a opressão do povo angolano, mas principalmente por todo o seu envolvimento no que é hoje a República de Angola, sucedânea da República Popular de Angola.

    A legitimidade do seu exercício do Poder advém do voto livre dos angolanos.

    Por isso, o seu envolvimento directo nos processos de transformação ocorridos nos anos do pós-independência é o corolário das suas políticas, da visão dos líderes (Neto, dos Santos e Lourenço), das forças internas e também dos eventos da geopolítica mundial.

    José Eduardo dos Santos (esq) e João Lourenço (dir) (Foto de Arquivo).
    (DR)

    De resto, é premonitório o título de Margareth Anstee, antiga mediadora e representante da ONU em Angola no período de 1991/93, «Angola: a órfã da guerra fria», quando se referia à guerra civil que durante décadas assolou o nosso País. Assistimos assim à determinação interna do MPLA pela mudança e em cumprir um ideal, dividido em duas visões, uma que defendia o diálogo e outra que se encontrava agastada com a postura de Jonas Savimbi e entendia que não haveria outra solução se não a da “guerra pela paz”, como se assistiu no debate interno do Congresso de 1998.

    Mas a veia libertadora, a veia aglutinadora do Partido que se tornou Partido-Estado, promovendo a unidade nacional, em detrimento do tribalismo, ficou muito marcada pelos factos do pós-guerra com dois fenómenos aparentemente contraditórios, mas, ao mesmo tempo, muito ligados entre si:

    Em primeiro lugar da reconstrução nacional. Hoje, temos de convir, não obstante tudo o que se passou, Angola não tem mais o aspecto de um País saído do conflito como se notava até 2008. Reabilitaram-se estradas e outros equipamentos como os caminhos de ferro, foram erguidas novas centralidades, as cidades que mais sofreram tiveram programas como o Huambo tinta e cimento implementado durante o consulado do então Governador Paulo Kassoma, tal como noutras localidades.

    O outro fenómeno igualmente associado é o da corrupção que gravitou em torno dos principais órgãos decisores do Estado, compaginando ao mesmo tempo uma política de enriquecimento indevido ou iníquo consubstanciado na acumulação primitiva de capitais e no silêncio cúmplice do partido e do Estado que augurava também a geração de uma elite interna negra. O problema é que este processo foi feito sem arte e sem ciência, ao arrepio de todas as normas minimamente aceitáveis. O problema é que a reconstrução nacional e a construção de novas centralidades não nos permitiu gerar uma indústria de construção capaz. O problema é que não capacitamos o capital humano. O problema é que não só houve sobrefacturação como houve despesas no vazio, sem uma pedra para contar a história do projecto.

    Deste modo, a ligação a que me referia reside no facto do processo de reconstrução ter estado já envolto, no mínimo, em alguma suspeição quanto à forma como geríamos o dinheiro. Não só o empréstimo chinês, mas principalmente o boom da indústria petrolífera angolana que conheceu um aumento da produção diária, o que coincidiu com o aumento do preço – excepção feita ao período de 2007 e 2008 com a crise do subprime. Daí também o apelo de Luisa Damião para que a comissão de disciplina seja mais acutilante (com maior independência).

    O partido cresceu é verdade, mas o que seria mais relevante é que houvesse uma base ideológica forte assente em valores e na condução das políticas. Não é, pois, normal defendermos uma coisa no discurso e na prática assistirmos outras. Um dos tópicos fundamentais desse novo Estado deve assentar no respeito pela Lei. Mas para respeitarmos as leis, para aceitarmos as diferenças, para promovermos um diálogo com abertura, até para que as minorias aceitem também elas o resultado e a vontade das maiorias, devemos estar imbuídos dos valores democráticos. De praticá-los no quotidiano.

    Por isso, hoje notamos a instauração de um Estado institucional. O mais importante, independentemente dos avanços e recuos que os processos possam ter, é que haja uma liderança forte (mesmo que eu não acredite em novos messias para além de Jesus Cristo) e comprometida com os valores. Uma liderança forte e engajada em fazer melhor e diferente, não permitindo que o Estado seja tomado por um punhado de gente, é um elogio chamar-lhes de egoístas, como se nota na série de reportagens da TPA com o título provocatório «o banquete». Uma liderança realmente preocupada com o bem-estar colectivo, com um programa e metas claras.

    Isso leva-nos necessariamente a ter de perceber a noção ideológica do MPLA hoje e a sua actuação no naipe das políticas ou iniciativas públicas que vá para além do “carrossel patrimonial de posições” e do sistema clientelar. Essa necessidade é tanto maior quanto mais se aproximam as autarquias em Angola, onde o Poder local terá um papel mais actuante. Nessa óptica, por exemplo, será interessante notarmos a evolução do papel dos Primeiros Secretários ao nível das províncias, abandonando-se assim as reminiscências dos anos 80 para uma visão moderna do Estado e do próprio partido onde ambas actuam rigorosamente separadas.

    Embora reconheça o papel do MPLA, é claro que o título desta crónica é meramente uma provocação, sobretudo quando valorizamos princípios como o pluralismo ideológico e o multipartidarismo, valores essenciais instaurados desde a segunda República, em 1992, período já muito superior ao da primeira República em que se apregoava a intenção de instauração de um Estado Socialista. O Estado pós-2010 (ou pós-2017?) deve valorizar sobretudo a liberdade e a propriedade privada. Deixando espaços para o exercício da cidadania, esta que acarreta direitos mas também deveres.

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