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    Entrevista: «Os soviéticos nunca gostaram de Agostinho Neto, diziam que ele era muito político», nacionalista Luís Neto Kiambata

    Em entrevista ao NJ, com tónica em várias revelações, o nacionalista Luís Neto Kiambata recorda, com detalhes, a conjuntura geopolítica que antecedeu a morte de Agostinho Neto e desabafa, com denúncias de perseguição à sua família, contra interesses indiferentes ao feito do desvio de um avião, enquadrado na luta pela independência, de que fez parte como um dos protagonistas, a 4 de Junho de 1969.

    Senhor embaixador, 57 anos depois da constituição da União Africana (UA), muito se tem falado de África, de Sékou Touré, Leopold Sedar Senghor, do seu amigo Patrice Lumumba, de que muito gosta, de Agostinho Neto, de Eduardo Mondlane e de tantos outros. Como é que olha para África hoje?

    África está um pouco diferente. Os precursores do Pan-Africanismo já quase todos desapareceram, salvo Kenneth Kaunda. Mas agora, também, há a nova geração. E essa nova geração não está a buscar aquilo que deixaram os outros.

    Mantêm-se vivos os ideais do Pan-Africanismo?

    Mantêm-se sim, senhor. Mas nem sempre eles conseguem conservar os arautos do Pan-Africanismo. O tempo também é diferente. O contexto é diferente e agora, mais do que nunca, o tal vírus veio desestabilizar tudo, em todo o mundo. Mas África nunca esteve unida. Antes das independências, havia os grupos de Monróvia, Casablanca, Brazzaville, mediante as afinidades políticas e ideológicas.

    Tudo isso veio através da guerra fria, porque, depois de 1945, houve a Guerra Fria que estabeleceu que uns foram para a União Soviética e outros para os Estados Unidos. Mas, os dois, a União Soviética e os Estados Unidos da América, nunca se digladiaram. Foram criando problemas noutras partes do mundo.

    É assim que os aderentes do grupo socialistas fizeram o Pacto de Varsóvia. Os americanos aliaram-se aos franceses, aos ingleses e criaram outros problemas. Inclusive, muitos daqueles africanos que estiveram na Guerra Fria, em função de serem dos franceses e dos ingleses, alguns deles foram para a Ásia: no Vietname, no Camboja, na Coreia, para lutarem contra aqueles povos asiáticos.

    Quando eles regressaram, “estamos aqui a combater aqueles indivíduos na Ásia e nós aqui, em África também”, muitos deles ganharam consciência. E isto em função do PanAfricanismo de Kwame Nkrumah, Jomo Kenyatta, Kamuzu Banda, Haile Selassie e outros. Eram todos pan-africanistas. E dentro do PanAfricanismo, eles também mobilizaram os soldados que tinham regressado.

    Mas, o Pan-Africanismo o que é?

    O Pan-Africanismo nasceu fora de África. Do William Edward Burghardt “Du Bois” e outros indivíduos, são aqueles antilhanos, pessoas que foram… … Marcus Garvey já tinha um olhar para África, essencialmente para as independências. O problema deles é que não lutavam pela independência.

    Nós, os africanos, é que lutávamos por isso. Eles lá, na América, lutavam por direitos civis. É a grande diferença. Mas, esses direitos civis não seriam um passo para a conquista das independências? Não, eles já estavam independentes. Não, no olhar que tinham para África. Ah sim, sim, naturalmente.

    Eles já sofriam de racismo, por causa da escravatura. Foram levados para um novo mundo e outras partes do Ocidente. Por exemplo, quando se dá o problema das independências na UA, só havia 32 países, que fizeram uma carta, a carta da UA, para desenvolver os frutos da independência.

    Isto vem até aos nossos dias. Só que, no meio disso tudo, havia problemas muito sérios: fome, miséria, doenças, pobreza, problemas de saúde, educação… tudo isto. África hoje em dia ainda tem esses problemas…

    Senhor embaixador, a própria OUA [Organização de Unidade Africana], que depois se torna UA, é muito criticada, por exemplo, a nível da resolução de conflitos. África tem muitos conflitos, e há países que preferem ficar nas organizações regionais – os que estão na CEDEAO, os que estão na SADC e outros. Os árabes também têm as suas organizações – porque entendem que a UA não tem capacidade de fazer face aos conflitos.

    Isso já vem do tempo dos blocos, também. Quando falei dos grupos, de Monróvia, Casablanca e Brazzaville, muitos deles se aliaram a outros grupos regionais, mas também não resolveram o problema.

    Depois há mais um outro problema: o terrorismo. Também os golpes de Estado, que são uma coisa terrível. Contudo, esses indivíduos têm problemas por causa da Guerra Fria. (…). No que diz respeito a Angola, havia uma contradição entre os soviéticos e os chineses.

    Contradição em que sentido?

    Os chineses, por causa do marxismo-leninismo, apelidavam os soviéticos de revisionistas; já os soviéticos os apelidavam de dogmatistas, por causa dos ideais do marxismo-leninismo.

    Era muito mais fácil, por exemplo, os chineses darem-se muito bem com os americanos e os soviéticos darem-se bem com os americanos do que entre os dois. Só já recentemente é que […se entenderam] isso teve influências também no que diz respeito à luta do povo angolano. (Novo Jornal)

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